CIDH: Cracolândia tem situação de “insegurança humana”
A Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) fez hoje (7) uma visita à Cracolândia, na Luz, região central da capital paulista. A área reúne centenas de usuários de drogas e população em situação de rua, sendo alvo de constante de operações da Polícia Militar e Guarda Civil Metropolitana. A repressão foi intensificada depois das mega-operações policiais feitas em maio de 2017.
Após conversar com alguns frequentadores e residentes da região, a vice-presidente da CIDH, Esmeralda Arosemena, disse que as pessoas da área vivem em uma situação de completa falta de segurança e garantia de direitos. “A forma como estão vivendo essas pessoas que acabamos de visitar, simplesmente estão em uma situação de insegurança humana. Para falar de segurança é preciso falar primeiro de segurança humana. Dar respostas a essa população”, disse.
A população que vive na Cracolândia demanda ter, segundo a vice-presidente, não apenas “um prato de comida”, mas os direitos básicos assegurados. “Isso traz a obrigação de oferecer saúde, moradia, educação, reconhecimento e alimentação. Eles reclamam até de não ter o direito de se movimentar livremente, de liberdade de andar, um direito fundamental. Não podem ir de um lado ao outro”, disse.
Violência e restrição de ir e vir
Um dos moradores ouvidos pela comissão, Cleiton Ferreira, reclamou da constante violência policial na Cracolândia. “O que nós queremos é educação, respeito e igualdade social. Como ter igualdade se não tenho trabalho? Se não tenho nem uma latrina para defecar?”, disse. Cleiton perdeu a visão de um dos olhos ao ser atingido por um destroço de bomba de gás lacrimogêneo.
Um residente da Cracolândia que se identificou apenas como André, reclamou que, dependendo da aparência, as pessoas são impedidas de circular por determinados lugares pela Guarda Metropolitana ou pela Polícia Militar. “Se você está sem camisa, com um monte de latinhas [para reciclagem] na mão, não pode passar”, exemplificou.
Os membros da CIDH também ouviram moradores que vivem nos imóveis no entorno da Cracolândia, onde tem havido despejos e demolições. Uma moradora que se identificou como Arosemena disse que algumas ações do Poder Público visam “destruir os espaços onde estão para empurrá-los para outros lugares”. Em abril, 163 famílias foram removidas de uma das quadras da região e os prédios derrubados para que o terreno fosse liberado para a construção de um hospital.
As autoridades responsáveis pelas ações e atendimento à população na região também serão ouvidas pela CIDH antes que da comissão elaborar as conclusões sobre a situação da Cracolândia. “É um assunto de saúde pública o que vimos hoje. Nós vamos ter a oportunidade de recolher toda as informações. Estar aqui, avaliando. Vamos conversar com as autoridades de forma que o conjunto da comissão possa fazer uma avaliação”, disse a vice-presidente da CIDH.
A visita desta quarta-feira faz parte da agenda da CIDH no Brasil, iniciada na última segunda-feira (5), que prevê uma série de encontros em diversas partes do país. Um relatório preliminar sobre a missão no Brasil deve ser divulgado em 12 de novembro.
Em nota, a Secretaria de Segurança Pública informou que a Polícia Militar atua na Nova Luz como apoio à Guarda Civil Municipal. "Críticas pontuais às ações das Polícias ou demais órgãos devem ser formalizadas às corregedorias das instituições para que todas as circunstâncias sejam avaliadas. Após a operação deflagrada no ano passado na região, no dia 21 de maio, equipes do Denarc e do 13º BPM/M continuam atuando na área com objetivo de combater o tráfico de drogas", diz a nota, acrescentando que nesse período 2.274 pessoas foram presas e apreendidas, além da apreensão de 751,4 kg de drogas, 54 armas de fogo e R$ 750 mil em notas e moedas.
Em comunicado, a prefeitura informa que oferece diversos serviços para os usuários de drogas. "A Secretaria Municipal de Saúde informa que, de 26 de maio de 2017 até o dia 30 de outubro 2018, foram realizadas 7.552 internações voluntárias em leitos de desintoxicação em hospitais contratados, 324 encaminhamentos para leitos de PS e hospitais municipais e gerais, 230 para CAPS-AD III, 14 para o CRATOD e 363 para rede de atendimentos sociais", diz a nota.
Segundo a secretaria, as unidades emergenciais de atendimento, chamadas Atende, fazem parte do projeto Redenção, "cujo objetivo é resgatar e dar oportunidade de tratamento aos dependentes químicos". No total, conforme a secretaria, são cinco unidades que oferecem os seguintes serviços: alimentação, higiene pessoal e ressocialização. Desde o dia 21 de maio, foram feitas 279.189 abordagens na região: 242.925 com encaminhamento socioassistencial e 36.264 recusaram.
Conforme a secretaria, as abordagens são individuais e feitas por agentes especializados. Sobre a participação da Guarda Municipal, a secretaria informa que esta apoia os agentes da subprefeitura Sé nas ações de zeladoria e limpeza. "Essa atividade é realizada diariamente desde o início da operação Redenção, da Prefeitura de São Paulo e conta com aproximadamente 100 agentes da GCM divididos em três turnos. Com objetivo de coibir o tráfico, a GCM não permite a montagem de tendas no local, bem como atua em apreensões quando há flagrantes".
* Texto atualizado às 22h32 para inclusão do comunicado da prefeitura