Engenheira Florestal, Viviane Abreu busca ciência no saber ancestral
Este é o quarto episódio do podcast Ciência: Mulheres negras dão o tom, um produto original da Radioagência Nacional para celebrar o novembro negro com histórias de mulheres negras que contribuem para a pesquisa nacional e ainda atuam na luta anti-racista,
A nossa personagem é Viviane Evangelista dos Santos Abreu, doutora em Engenharia Florestal e bióloga de formação. Ela atua há dez anos no Instituto Federal de Educação Ciência e Tecnologia de Brasília, como professora professora dos cursos de superior em agroecologia e Bacharelado em Agronomia.
Otimista, ela acredita no poder da transformação:
"Eu sempre acreditei também no poder de transformação de realidade. Sempre assim, nessa força coletiva que é capaz de fazer a gente entender demandas, entender os problemas, mas que a gente também precisa movimentar para que aconteça a mudanças".
Para ela a pesquisa científica é um lugar muito confortável. Viviane, no mestrado, na Universidade de Brasília, conheceu a pesquisa-ação. A grosso modo, a pesquisa-ação é uma metodologia de pesquisa interativa, com o objetivo de entender um problema e buscar as soluções. Ela explica o método, que a acompanhou no doutorado.
"Então quando a gente instala um processo de pesquisa-ação a gente sempre vai pensar primeiro na demanda que vem do território. Então eu eu a gente faz uma análise do território, escuta as comunidades e a gente entende o que precisa ser pesquisado. Essa questão da gente trabalhar com a demanda do território fazia muito mais sentido para mim para que eu pudesse continuar. A pesquisa-ação é interessante porque ela vai trabalhar com a escuta sensível."
Ciência a serviço da transformação da comunidade, de um território. Uma ciência, como Viviane diz, implicada. Mesmo quando está se falando de uma ciência que é exata, dura.
Episódio 4 – Viviane Evangelista - Ciência Iimplicada
BEATRIZ: Neste mês de novembro a Radioagência Nacional traz histórias de mulheres negras incríveis, que contribuem para a pesquisa nacional nas mais diversas áreas de conhecimento e ainda atuam na luta por Direitos Humanos e contra o racismo.
FRAN: Eu sou Fran de Paula, jornalista negra e vamos falar, aqui, de mulheres potentes.
BEATRIZ: Eu sou Beatriz Arcoverde, também uma jornalista negra. Juntas, nós conversamos com 5 pesquisadoras que dão o tom nas suas áreas de atuação.
VINHETA: Ciência: Mulheres negras dão o tom🎶
BEATRIZ: Fato. Dado. Há um entendimento quase que irrefutável de que, quando estamos de ciências, de pesquisas, os dados são objetivos. Quem nunca ouviu a frase “os números não mentem jamais?”.
FRAN: A neutralidade está entre os principais paradigmas da ciência. Se serve, de um lado, para conferir credibilidade aos estudos, por outro lado, não deixa de ser um conceito que é usado para separar as ciências entre exatas e humanas.
BEATRIZ: Mas, será que essas fronteiras são tão nítidas assim?
VIVIANE: Eu sempre tento fazer uma ciência onde eu possa me implicar, né? Onde isso, de alguma forma, ela pode possa surtir um efeito para minha comunidade, para os meus pares, para as coisas que eu acredito, né?
BEATRIZ: Essa é a Viviane Evangelista, professora doutora do Instituto Federal de Brasília.
VIVIANE: Meu nome é Viviane Evangelista dos Santos Abreu. Eu sou engenheira Florestal, também sou bióloga de formação, eu atuo no Instituto Federal de Educação Ciência e Tecnologia. Sou professora dos cursos de superior em Agroecologia e bacharelado em Agronomia.
FRAN: Viviane é brasiliense, vem de uma família de três filhos e também é mãe de três. Ela conta que, na infância, vivia em um espaço com muitos elementos que despertavam a criatividade.
BEATRIZ: Um prato cheio para uma pequena curiosa.
VIVIANE: Eu sou a filha do meio e eu fui criada pelos meus pais, assim, de uma maneira muito autônoma, muito independente, muito livre, né? Os meus pais eles sempre acreditaram assim na minha força, capacidade produtiva, capacidade intelectual, então eu sempre tive muita liberdade pra sonhar, acreditar nos meus projetos, conseguir correr atrás desde pequena, assim, das minhas coisas. Aí eu sempre tinha vários sonhos e eu sempre pensava que eu teria que um dia materializar esses sonhos. E os meus pais, eles foram muito importantes, assim, porque eles conseguiram oportunizar para mim locais saudáveis de convívio. Isso sem dúvida, assim, me transformou numa pessoa com esperança.
FRAN: Uma pessoa com esperança e que acredita na transformação.
VIVIANE: E eu sempre acreditei, também, no poder de transformação de realidade, né? Sempre, assim, nessa força coletiva que é capaz de fazer a gente entender demandas, entender problemas, mas que a gente também precisa movimentar para que aconteça mudanças que a gente queira.
FRAN: Viviane, diferentemente de muitos negros e negras, não carrega o rótulo de primeira da família a concluir um curso superior. Ela cresceu cercada por educadores. E na companhia de um enorme quadro negro na casa da avó.
VIVIANE: Minha família é do Rio de Janeiro e eu passei muitos momentos da minha infância com os meus familiares. A família do meu pai, ela é de formada, assim, por sete irmãos, todos eles pretos retintos, né? São dois homens e cinco mulheres e elas concluíram cursos superior na década de 70. Todas elas e eles moradores de periferia e eles se juntavam pra dialogar, né, sobre escola, sobre ciência, né? E os meus tios, eles tinham um curso pré-vestibular, eles atuavam dando aula nas comunidades, né, com o curso pré-vestibular. E eles eram, assim, conhecidos como os professores do bairro, né? E até mais tarde, as minhas cinco tias, elas se tornam professoras do Estado, né? Meu pai também, ele exerce a docência, né? E isso acho que, de certa forma, foi uma influência muito grande, assim, para mim, né? Eu cresci escutando dos meus familiares muitas histórias do cotidiano escolar. Então minhas tias, meus tios, falavam muito sobre o professorado, sobre esse ambiente da educação, sobre esse ambiente da pesquisa. Até tenho lembranças que na sala de jantar da casa da minha avó, da Vó Joana, tinha um quadro negro enorme e acho que ele deveria ter assim uns 2 metros de comprimento, tinha de giz à disposição, e eu lembro assim, na minha cabeça, um misto de encantamento com aquele quadro negro enorme na sala, e eu sempre pensava, vinha na minha mente a imagem das minhas tias usando aquele quadro e dando aula, e trazendo, assim, conhecimento, ali naquele quadro negro, né. E, ao mesmo tempo, eu também me via, né, nesse nessa imagem, né? Então acho que isso acabou influenciando, assim, minhas vontades, né, meus desejos, em querer ser assim um ser social, que compartilha conhecimento, que vai atrás, assim, de dados importantes que possam de fato contribuir para a ciência e pesquisa, né?
SOBE SOM🎶
BEATRIZ: O interesse pela engenharia florestal veio de uma maneira quase que intuitiva, numa adolescência em contato com a natureza.
VIVIANE: Mas, assim, na minha vida inteira, eu sempre tive muito contato com áreas naturais. Eu sempre adorei ir para o mato, pra cachoeira, tá em praias isoladas, fazer trilha. A natureza ela sempre, até hoje, me potencializa de uma forma extraordinária, assim. Eu sempre tive muitos processos intuitivos quando eu entro em contato com plantas, quando eu sinto cheiro de mata. E isso fez, assim, com que eu entendesse que esse lugar de áreas naturais, esse lugar de contato com a natureza, era um local potente e especial para mim, né? Eu fui escoteira durante a minha infância e minha adolescência, então eu acampava bastante, assim, era super legal, a gente montava barraca no meio da floresta, tomava banho de rio, né? E aí quando chegou nessa fase do ensino médio, eu gostava muito de estudar, eu tinha uma curiosidade científica mesmo pela natureza, né? E aí eu comecei a pesquisar, como que isso poderia me ajudar um processo de formação profissional, daí eu descobri o curso de Engenharia Florestal da Universidade de Brasília, com 17 anos eu entrei na UnB, me apaixonei completamente pelas possibilidades de atuação profissional, né? Eu vi que eu ia poder trabalhar com conservação, com biodiversidade, com sociobiodiversidade, né, com plantas, com etnobotânica, com plantas medicinais, né? E aí eu fui me apaixonei completamente por essa área.
SOBE SOM🎶
FRAN: Já no primeiro ano de faculdade, Viviane se envolveu com projetos de iniciação científica.
VIVIANE: E logo eu visualizei que isso era um lugar muito confortável para mim, né? Eu estava gostando muito de fazer ciência.
SOBE SOM🎶
BEATRIZ: Fazer ciência e uma ciência próxima das pessoas. Viviane, no mestrado, também na Universidade de Brasília, conheceu a pesquisa-ação. A grosso modo, a pesquisa-ação é uma metodologia de pesquisa interativa, com o objetivo de entender um problema e buscar as soluções. Ela explica o método, que a acompanhou no doutorado.
VIVIANE: Então quando a gente instala um processo de pesquisa-ação a gente sempre vai pensar primeiro na demanda que vem do território. Então a gente faz uma análise do território, escuta as comunidades e a gente entende o que que precisa ser pesquisado. Então, essa questão da gente trabalhar com a demanda do território, fazia muito mais sentido para mim para que eu pudesse continuar enquanto cientista. Então a pesquisa-ação, ela é interessante porque ela vai trabalhar com a escuta sensível, então a gente precisa estar com os ouvidos e os olhos bem atentos, pra gente perceber os movimentos da comunidade, a gente entender quais são as demandas de pesquisa. A gente vai trabalhar também com as ações em espiral, que são uma forma que a gente tem, assim, recursiva, de avaliar a pesquisa que a gente tá fazendo. Então, a gente avalia, assim, faz ação, reflete, escreve sobre o que a gente conseguiu analisar, faz novamente uma ação e reflete novamente, pensando assim no que que essa pesquisa tá transformando a comunidade.
SOBE SOM🎶
FRAN: Ciência a serviço da transformação da comunidade, de um território. Uma ciência, como Viviane disse lá no começo, implicada. Mesmo quando está se falando de uma ciência que é exata, dura.
BEATRIZ: Ao conversar com as cientistas negras, durante as entrevistas para esse projeto, algumas perguntas se repetiram: cientistas negras e negros fazem outras perguntas? Olham os objetos com outro olhar? As estudantes e os estudantes cotistas buscam novos referenciais? Questionam as referências eurocentradas? A resposta, de uma maneira geral, foi SIM. Há um outro olhar para as grandes questões do mundo.
FRAN: Um exemplo dessa epistemologia decolonial é o trabalho que foi realizado por Nicea Amauro. Doutora em Ciências pela Universidade de São Paulo, Nicea foi professora do Instituto de Química da Universidade Federal de Uberlândia, onde era orientadora no curso de pós-graduação de ciências e matemática e também na pós em química.
SOBE SOM🎶
BEATRIZ: Nicea pesquisava, entre outras coisas, a descolonização do currículo de química. Em artigo intitulado “Química Ancestral Africana”, publicado em 2021, a professora diz advogar por uma química na qual povos negros, na África, vêm produzindo conhecimentos para alteração do espaço, da matéria e do etéreo, buscando originar novos materiais e novas formas de socialização e organização do cosmos.
FRAN: No resumo do artigo, escrito por Nicea e pelo orientando Gustavo Henrique Costa da Silva, os autores explicam que o trabalho trata de saberes ancestrais africanos e afrodiaspóricos, a fim de potencializar o ensino de química sob a ótica de uma educação antirracista. Isso é feito a partir dos conceitos químicos contidos no mito “Ogum cria a forja”. Os fragmentos analisados, segundo eles, identificaram as relações entre o conhecimento químico e os saberes ancestrais africanos, além de referenciarem a discussão sobre o papel do ferreiro nas lutas dos africanos e de seus descendentes na diáspora.
BEATRIZ: Nicea faleceu em 2023. O Gustavo, que era orientado por ela no mestrado, estudou a origem da cachaça por essa perspectiva da química ancestral africana. Saberes ancestrais a serviço da ciência e explicando essa mesma ciência. Um trabalho muito parecido com o de Viviane, na agroecologia
VIVIANE: A gente vem desenvolvendo a agroecologia, que é uma ciência que estuda agroecossistemas, integrando várias áreas do conhecimento. Então a gente integra agronomia, ecologia, economia, sociologia. E, ao mesmo tempo que a gente trabalha com saber científico, a gente também tem um olhar cuidadoso para valorizar conhecimento local, conhecimentos tradicionais, populares. Então hoje a gente desenvolve trabalhos de reconhecimento da flora, de espécies de plantas que são utilizadas pelas comunidades, como que eles utilizam essas plantas, como que é o processo de conservação dessas plantas, né, ou desses espaços, dessas paisagens, e como também é um processo de troca, circulação de saber, continuidade das informações, que acontece, né, na comunidade.
FRAN: Dessa troca e circulação de saberes, nasceu um projeto que recebeu o nome de Paiol dos Saberes, que tem o objetivo de entender, junto com uma comunidade rural de assentamento da reforma agrária, quais são as plantas que não podem faltar no território, para que seja feito um trabalho de conservação e valorização dessas espécies.
VIVIANE: Durante o “Paiol do saberes”, a gente dialogava com as metas de medicina dos territórios, elas traziam para a gente essas espécies, nós realizamos inventários florísticos nas parcelas dessas agricultoras, dessas sentadas da reforma agrária. Durante o inventário a gente fazia a coleta da espécie, né, para levar no herbário para a gente ter o depósito no herbário, de confirmação que é realmente aquela espécie que a gente tava tratando, em roda de conversa dialogamos com as comunidades entendendo, né, quais eram os preparados, quais as doenças poderiam ser curadas a partir daquelas plantas, quais eram as receitas. E, especialmente, promovendo, assim, junto com elas, a circulação desse saber, né, convidando outras mulheres de outros. E aí a gente preparou um guia que é o guia das plantas medicinais utilizadas nesses territórios por essas comunidades. Ele ainda não foi publicado, mas a ideia que a gente possa primeiro tá voltando à comunidade para fazer um diálogo final sobre essa publicação e depois tá levando esse guia, a com ideia de que seja um registro, que fique ali também um registro escrito. Porque há um registro muito ali, oral, né? Mas para que fique também um registro escrito pra comunidade.
BEATRIZ: De novo, isso faz parte do Viviane falava lá no começo, de ciência implicada.
VIVIANE: Eu sempre tento fazer uma ciência onde eu posso me implicar né? Onde isso, de alguma forma, ela pode possa surtir um efeito para minha comunidade, para os meus pares, para as coisas que eu acredito, né? Então a gente entende, né, que a gente, claro, faz essa coleta de dados dentro do método científico, mas a gente também consegue, sabe, fazer com que esses dados, eles possam ser trabalhados de outras formas, né? Onde a gente consegue fazer leituras, para que isso possa apoiar políticas públicas, para que isso possa atuar a apoiar discussões mais profundas nos territórios, para que isso possa influenciar processo de ensino e processo de transformação. Então eu acabo entendendo que essa ciência dura, ela é quebrada quando a gente entende que o nosso objeto ou o que a gente escolhe para pesquisar ele precisa estar muito enquadrado na realidade, né? Isso a gente precisa, é, estar entendendo que esse conhecimento a ser gerado ele precisa causar transformação de uma dada comunidade. Então a gente sempre, eu no caso, eu sempre vou procurar trazer essa pesquisa de uma maneira muito implicada pra ação e também para as nossas histórias.
SOBE SOM🎶
FRAN: Além da pesquisa, durante a graduação, Viviane também se dedicou a projetos de educação, em especial educação ambiental. Muito também por influência da família, que é formada por educadores.
VIVIANE: E aí eu acho que isso influencia muito assim, minha família. Muitos membros da minha família são professores, quase todo mundo exerce a docência. Eu tenho dois irmãos, eles são professores, minha mãe também é professora de educação infantil, né, minhas primas, minhas tias, né? Todo mundo acaba exercendo professorado que faz com que a gente sempre nos encontros de família tenha esse tema muito forte, assim, sendo dialogado, né?
SOBE SOM🎶
BEATRIZ: Nos dez anos como professora no Instituto Federal, ela tem se tornado uma referência junto aos alunos.
VIVIANE: Olha, no Instituto Federal de Brasília, especificamente no Campus que eu atuo, a gente tem uma configuração, que o campus ele tem muitos estudantes negros, muitas estudantes negras. Eu me sinto num lugar totalmente confortável perante o alunado, né, os estudantes, de acolhida, né? Eu percebo no olhar dos meus estudantes, na verdade, uma representação. Então, eu vejo que a gente tá nessa construção juntos, em parceria e que eles sempre me oportunizam o lugar das qualidades, um lugar de acolhimento. Então, junto com os estudantes, especialmente porque a atuação, também, do curso de agroecologia, a gente sempre busca essa atuação pela diversidade, ela faz com que a gente discuta sempre o tema, né? Para que a gente sempre esteja em alerta, né, para entender que a gente não tem espaço para o racismo, né? A gente coloca sempre a luta anti-racista nos nossos diálogos e conversa com os nossos estudantes. É claro que existem episódios, alguns fatos vão acontecer, mas a gente tem trabalhado e tem preparado muito, assim, a comunidade escolar para estar atenta, né, e para que a gente possa fazer sempre um trabalho pela diversidade.
FRAN: E essa diversidade também amplia o que Viviane chama de leque de investigação. A pesquisa se amplia, junto com os olhares diversos para os objetos.
VIVIANE: Olha, a diversidade, ela é fundamental porque a gente começa a ter amplitude de objetos de pesquisa. É, a gente vê olhares, recortes e objetos para um determinado grupo. Quando a gente amplia a diversidade de pesquisadores, e aí falando assim do corpo mesmo que exerce ciência profissional, esse corpo, ele faz com que a gente consiga abranger é uma outra série de coisas que não estavam sendo contempladas, muitas vezes por conta de falta do olhar mesmo do pesquisador para aquele objeto. Então, a diversidade, ela vai fazer com que a gente, é, possa ampliar o leque de possibilidades de investigação. As pessoas chegam com olhares diferenciados, que faz com que a gente tenha uma ampliação de olhares né? Pra a gente conseguir investigar aquilo mais, assim, vinculado mesmo a realidade, né? Porque a realidade ela acaba sendo multi mesmo, né?
BEATRIZ: O que não quer dizer que não gera incômodos. Muitas vezes, as pesquisadoras e pesquisadores negros precisam convencer os colegas do motivo para incluir o viés da raça em suas pesquisas.
VIVIANE: Eu vivenciei isso em alguns momentos, de eu trazer para o meu grupo de pesquisa, formado por pessoas brancas, né, eu a única mulher negra. “Eu quero pesquisar sobre isso, eu quero que a gente tenha esse olhar, mas esse olhar conjugado com isso”. E aí tem uma reação negativa, mas aí a gente enquanto pesquisador precisa persistir, se aprofundar no assunto trazer argumentos de convencimento dos nossos pares. E aí, com esse com essa sedução mesmo, do grupo de pesquisa, por meio do conhecimento, muitos embarcam e aumenta e a diversidade dos objetos de pesquisa.
SOBE SOM🎶
FRAN: Além de pesquisadora e docente, Viviane é mãe de três filhos. E conta que não foi fácil percorrer a vida acadêmica sendo mãe. Experiência compartilhada por outras pesquisadoras.
BEATRIZ: De acordo com estudo realizado pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico, a OCDE, cerca de 30% das mulheres abandonam os estudos de pós-graduação devido aos desafios de conciliar a vida acadêmica com a maternidade.
VIVIANE: Isso, isso é um termo extremamente sensível para mim, porque quando eu entro no mestrado, meu filho do meio tinha dois meses e a minha filha mais velha, ela tinha um aninho, né? Foi assim, eu tive um apoio da minha família, né? É importante demais essas redes que a gente tem, né? Nossas redes de afeto mesmo. Tenho uma rede muito importante, minha mãe, minha sogra, meus cunhados, meus irmãos e eles me ajudaram muito dentro desse processo. Mesmo assim, muito difícil, né? Jornada dupla, as crianças muito pequenas, as crianças frequentando a UnB comigo desde pequenas, com carrinho, muito complexo. E aí a gente vê como a universidade é dura e fria pra esse processo. A gente pensa, assim, que às vezes o processo de acolhida da profissional, uma profissional que ela é inteira, né? Ela não tá ali só com seu objeto de pesquisa, mas ela tá também com a sua vida ali, junta, à disposição. Assim, como que isso pode ser modificado, às vezes, por coisa simples, né? Então, processos de financiamento, colocando como o foco mulheres que são mães, podem contribuir. Porque aí a mãe, que foi o meu caso quando eu fiz no mestrado. Mãe, fazia o mestrado e trabalhava também, na época trabalhava 8 horas também, né? Então, assim, um processo muito exaustivo, muito exaustivo mesmo. Então, uma bolsa diferenciada, uma bolsa prioritária para as mulheres mães. Ou até mesmo uma estrutura dentro da universidade que é capaz de acolher, também, crianças.
SOBE SOM🎶
FRAN: As mulheres historicamente são silenciadas. Suas contribuições, sistematicamente ignoradas. No caso das mulheres negras, a exclusão é ainda maior, suas capacidades são muitas vezes minimizadas.
VIVIANE: Sim, isso, assim, é muito presente, na verdade, né? Eu sempre fui uma aluna que gostava muito de estudar, sempre fui uma aluna que tirava notas boas, e sempre achei, assim, muito diferente, porque eu não era validada, né? Hoje eu consigo fazer essa leitura, mas na época da infância, o que passava, assim, na minha cabeça, era por que que eu sou invisível? Então, eu lembro que eu estudava escola particular, né? No Plano Piloto. Eu era a única pessoa negra da sala. E eu lembro que eu tinha um destaque, sim, né? Eu sempre gostei de falar, sempre gostei de estar junto das pessoas, sempre gostei de contar o que eu aprendia, sempre gostei de compartilhar a minha visão. E eu lembro, assim, que por muitas vezes eu era silenciada, né? Eu era, é, invisibilizada. Tem uma fala, assim, que isso vem na minha cabeça, ela ressoa, assim, de uma maneira muito forte, que uma vez uma professora apontou, né, que eu era uma garota inteligente, e aí a outra professora complementou. Inteligente nada, ela é malandra, ela é esperta. E aí, na época, né, eu não conseguia fazer leituras do que que poderia provocar, qual que era a dinâmica da construção daquele pensamento, daquelas pessoas. Mas aí, mais tarde, né, ali no meio da minha adolescência, final da adolescência e hoje, eu consigo ver claramente que era o racismo operando, né?
BEATRIZ: Racismo que opera invisibilizando mulheres negras. Elas enfrentam obstáculos para entrar e se manter na academia. Provar que seus questionamentos são relevantes e viabilizar suas pesquisas.
SOBE SOM🎶
FRAN: Viviane, em sua pesquisa-ação, tem trazido para a academia de forma sistematizada conhecimentos dos povos tradicionais, o que beneficia a todos e garante a perpetuação de saberes.
SOBE SOM🎶
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FRAN: A produção, entrevista, roteiro, apresentação, montagem, e edição foram feitas a quatro mãos. Por mim, Fran de Paula, e pela Beatriz Arcoverde. A sonorização é dela e do Jaime Batista. Cibele Tenório gravou a vinheta. Gravação de áudio e entrevistas, Jaime Batista. A arte, Caroline Ramos. Interpretação em libras da equipe de tradução da EBC.
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Apresentação, produção, entrevistas, roteiro, edição e montagem |
Beatriz Arcoverde e Fran de Paula |
Sonorização | Beatriz Arcoverde e Jaime Batista |
Voz da Vinheta | Cibele Tenório |
Arte | Caroline Ramos |
Interpretação em Libras: | Equipe EBC |
Implementação na web:: | Beatriz Arcoverde e Lincoln Araújo |