Atingidos por grandes eventos iniciam encontro em Belo Horizonte
Moradores de comunidades removidas por causa de obras de mobilidade urbana feitas para a Copa do Mundo, representantes de trabalhadores da construção civil, ambulantes, moradores de rua, atingidos pela contaminação decorrente da atividade de empresas e integrantes de movimentos sociais deram início hoje (1º), em Belo Horizonte, ao Encontro dos Atingidos – quem perde com os megaeventos e megaempreendimentos, organizado pela Articulação Nacional dos Comitês Populares da Copa (Ancop).
Faltando pouco mais de 40 dias para o início da Copa do Mundo de 2014, o encontro começou com críticas à realização do Mundial de futebol. “Não vai ter Copa”, gritaram os 350 participantes, vindos de 11 das 12 cidades-sede do evento. Para eles, o evento tem significado a ocorrência de violações de direitos, tanto do gasto dos recursos públicos quanto da efetivação de projetos para preparar as cidades e que levaram à remoção de milhares de famílias, conforme aponta dossiê da Ancop.
Moradora da Vila Dique, em Porto Alegre, Sheila Mota relatou o sofrimento da família e dos vizinhos. Metade das pessoas que morava na comunidade foi removida para uma área conhecida na cidade como “Faixa de Gaza”, devido ao grande número de conflitos no local. “Eu perdi o meu filho ali”, relatou, acrescentando que havia acabado de receber a informação de que o genro foi assassinado, no mesmo local. “Nós estamos sendo removidos contra a nossa vontade”, disse Sheila. Para ela, os recursos públicos deveriam ter sido investidos em políticas públicas para a Vila Dique. “O governo não nos dá saúde, não nos dá segurança, mas quer tirar a gente das comunidades onde vivemos há anos”.
“Quando chegamos ali não tinha nada. Nós que fizemos o arruamento, as nossas casas, sem ajuda nenhuma de governo, nem federal, nem municipal, nada”, lembra a moradora da Vila Autódromo, no Rio de Janeiro, Terezinha Martins. Atualmente, a comunidade, que existe há 50 anos, corre o risco de ser removida. “Estamos sofrendo pressões a todo momento”, diz. Mesmo com a proximidade da Copa, a possibilidade de ser retirada de onde mora não foi afastada. De acordo com Terezinha, a região pode ser modificada para receber obras de acessibilidade, como a duplicação da Avenida Salvador Allende, para as Olimpíadas de 2016. “Eu não construi minha casa para negociar com ninguém, eu construi minha casa para morar com a minha família”, reitera.
Conquistas advindas da organização das comunidades e movimentos sociais também são relatadas no encontro. Uma delas, a da comunidade Lauro Vieira Chaves, em Fortaleza, ameaçada de remoção para a passagem do veículo leve sobre trilhos (VLT). Em 2010, quando moradores começaram a fazer frente ao projeto, 203 casas seriam removidas. O número caiu para 66, depois que eles conseguiram alterar o trajeto do VLT. Além disso, “o conjunto habitacional que seria construído [para abrigar famílias removidas] a 14 quilômetros agora vai ser construído a três quadras das comunidades”, contou Gabriel Matos, de apenas 14 anos. Apesar dos impactos terem sido minimizados, ele lamenta as mudanças que foram provocadas. “Muitos amigos meus tiveram que ir embora para longe por conta da remoção, amigos que eu via todos os dias”.
Além das remoções, os participantes apontam outros problemas. É o caso de José Ribamar, integrante do Sindicato dos Trabalhadores da Indústria da Construção Civil da Região Metropolitana de Fortaleza (STICCRMF). Para que as obras fossem concluídas a tempo, a categoria, que ele representa, teve que trabalhar dobrado, muitas vezes em condições impróprias. “Os grandes empresários da construção civil forçam o trabalhador a cumprir uma produção que ele não consegue fazer na jornada normal de trabalho”, disse. Para ele, essa tensão causou mortes, como ocorreu nas obras do Itaquerão, em São Paulo. Até agora, sete operários morreram trabalhando nos estádios que receberão partidas.
Outros grandes projetos em curso no Brasil, a exemplo de empreendimentos de mineração, no Paraná; das reformas em áreas portuárias, como ocorre no Rio de Janeiro; e da construção de hidrelétricas, na Amazônia, foram criticados por gerarem impactos socioambientais. Para Davi, da aldeia indígena Jaraguá, a situação mostra que o país não foi capaz de estagnar a exploração dos territórios e dos povos, que ocorre há mais de 500 anos. “O processo de desenvolvimento [que o país vive] é esse processo que exclui os menos favorecidos, extermina os povos indígenas e mata os negros das periferias”.
O evento visa a fortalecer a organização popular para que direitos sejam assegurados. Durante o encontro, uma estratégia comum de ações para enfrentar violações deve ser elaborada, assim como documentos de denúncias e um plano de reparações que deverá ser entregue aos governos, Justiça e Poder Legislativo.