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Pesquisadora diz que leis não protegem patrimônio de comunidades negras

Mariana Tokarnia - Repórter da Agência Brasil
Publicado em 24/07/2014 - 19:32
Brasília
Angela Gomes, engenheira florestal e ativista do MNU- MG, durante palestra Territórios Negros, fontes de sabedoria ancestral, no Festival Latinidades 2014 (Valter Campanato/Agência Brasil)
© Valter Campanto/Agência Brasil

A engenheira florestal e ativista do Movimento Negro Unificado (MNU/MG), Angela Gomes, criticou hoje (24) a Lei de Patentes (Lei nº 9.279/1996) e as normas de uso da biodiversidade brasileira, em debate no Festival Latinidades 2014: Griôs da Diáspora Negra. Segundo ela, a legislação encoberta uma série de apropriações dos saberes e das espécies cultivadas em terreiros, quilombos e quintais de mulheres negras sem dar nenhum retorno às comunidades. "O cientista vai aos terreiros, aos quintais, leva as plantas para o laboratório, registra e patenteia como saber dele", disse.

Angela Gomes, engenheira florestal e ativista do MNU- MG, durante palestra Territórios Negros, fontes de sabedoria ancestral, no Festival Latinidades 2014 (Valter Campanato/Agência Brasil)

Angela Gomes, engenheira florestal e ativista do MNU/MG, durante palestra Territórios Negros, fontes de sabedoria ancestral, no Festival Latinidades 2014Valter Campanto/Agência Brasil

A tese de doutorado de Angela, Territórios da Etnobotânica: Terreiros, Quilombos, Quintais trata do cultivo de plantas trazidas da África em terreiros de candomblé, quilombos e quintas de mulheres negras em zonas urbanas. Ela reconheceu mais de 500 espécies trazidas do continente africano e, dessas, 80 são comumente cultivadas nesses espaços. Tanto as plantas quanto a forma de cultivo guardam saberes religiosos e tradicionais. Para ela, são necessárias políticas públicas para a manutenção desses saberes.

As plantas, segundo a pesquisadora, são cultivadas respeitando o equilíbrio e a biodiversidade e seguem uma lógica de plantio horizontal e vertical que faz com que sejam mais resistentes e necessitem de menos intervenção humana que as demais plantações. Muitas são usadas com fins medicinais e por isso são visadas por farmacêuticos.

"É preciso um outro olhar daqueles que procuram essas comunidades. As mães, os pais de santo tratam aquilo como bem público, mostram, falam, trocam, explicam para que se usa, confiam no cientista. Mas ele precisa ter outra postura, aprender com as comunidades e divulgar. Não é para bem privado e uso particular", defendeu Angela.

Outra preocupação da engenheira florestal é a restrição que as normas atuais criam para quem cultiva essas plantas. "É exigido cadastro no Ibama [Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis] para a coleta de vegetais. Hoje, pais e mães de santo podem ser acusados de biopirataria", critica.

A importância das plantas trazidas da África está também na educação, segundo o turismólogo e especialista em baobás, Fernando Batista. Os baobás são árvores presentes em vários aspectos da sociedade e cultura africana. Trata-se, de acordo com Batista, da árvore-mãe, que alimenta, cura e oferece abrigo aos vivos e mortos.

O turismólogo, especialista em Baobás, Fernando Batista (PE),durante palestra Territórios Negros, fontes de sabedoria ancestral, no Festival Latinidades 2014 (Valter Campanato/Agência Brasil)

O turismólogo, especialista em baobás, Fernando Batista, durante palestra Territórios Negros, fontes de sabedoria ancestral, no Festival Latinidades 2014 Valter Campanto/Agência Brasil

Em Pernambuco, o movimento negro conseguiu levar os ensinamentos que envolvem os baobás para dentro das escolas. Com a ajuda da planta cumpre-se a Lei 10.639/03, que torna obrigatório no currículo escolar o ensino da história e cultura africana.

O Festival Latinidades 2014: Griôs da Diáspora Negra vai até o dia 28 de julho, em Brasília. Na programação estão conferências, debates, feiras, saraus e shows, além de outras atividades. A programação completa pode ser acessada no site do evento, no endereço www.latinidades.com