Mostra homenageia Augusto Boal no CCBB Rio
Reconhecido mundialmente pela importância de seu principal legado, o Teatro do Oprimido, o dramaturgo e diretor teatral Augusto Boal (1931-2009) ganha, no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB) no Rio de Janeiro, a primeira mostra multimídia sobre sua vida e obra. Aberta ao público no último dia 13, a exposição, que narra a trajetória do intelectual e artista, é o carro-chefe do evento, que também conta com um espetáculo teatral, um show, leituras dramatizadas e oficinas. Nessas últimas, o público poderá aprender e participar dos exercícios, jogos e técnicas do revolucionário método teatral criado por Boal.
O panorama ocupa todo o segundo andar do CCBB. No ambiente concebido pelo cenógrafo Hélio Eichbauer, também curador da mostra, cartas, documentos, objetos pessoais e cartazes estão expostos em vitrines. Em uma área reservada, o visitante pode folhear e ler os livros do dramaturgo, com destaque para o clássico Teatro do Oprimido e outras poéticas políticas e os textos das diversas peças que escreveu.
Na mesma sala, o público pode apreciar uma grande linha da vida de Boal, desde seu nascimento no bairro carioca da Penha, na zona norte da cidade, sua formação nos Estados Unidos, a carreira no Brasil, iniciada no Teatro de Arena, em São Paulo, a atuação na resistência à ditadura militar, o exílio e a trajetória após o retorno ao país. Uma terceira sala do circuito é ocupada por vídeos e filmes sobre Boal, formando uma instalação, organizada pelos filhos do artista, Fabian e Julian.
“Estou muito satisfeita em organizar essa mostra aqui, já que Boal nasceu no Rio”, comenta a viúva do dramaturgo, Cecília Boal, que preside o instituto criado para preservar e fomentar o legado do artista. Segundo ela, no fim de 2013 foi realizada no Sesc Pompeia, em São Paulo, uma retrospectiva, mas sem a abrangência do projeto em cartaz agora no CCBB Rio.
A mostra paralela, com curadoria do diretor Sergio de Carvalho, da Companhia do Latão, leva à cena, no Teatro do CCBB, a partir do próximo dia 28, a peça Os que ficam, um ensaio sobre os textos de Boal. No elenco estarão atores da Cia do Latão e o veterano Nelson Xavier como convidado especial.
Ainda como parte da programação paralela, será apresentado no dia 22 de fevereiro o show Cancioneiro de Boal, com a cantora Juçara Marçal. O espetáculo é inspirado em canções de Arena conta Zumbi e outros trabalhos de Boal para a companhia teatral que marcou época nas décadas de 50 e 60 na capital paulista.
Foi no Arena que Augusto Boal pôde colocar em prática a formação em dramaturgia adquirida na Universidade de Columbia, em Nova York, cidade onde chegou em 1953, para fazer um doutorado em engenharia química. Lá, descobriu que o teatro era sua verdadeira vocação e assistiu às encenações do famoso Actor's Studio, de Lee Strasberg.
Quando retornou ao Brasil, foi convidado para integrar a direção do Teatro de Arena. Já interessado no teatro como fator de transformação social, Boal criou um seminário de dramaturgia que funcionava como espaço experimental para a discussão de textos que seriam encenados pelo Arena. Entre eles, o hoje clássico Eles não usam black-tie, de Gianfrancesco Guarnieri, Chapetuba Futebol Clube, de Oduvaldo Viana Filho, e Revolução na América do Sul, do próprio Boal.
Também na mostra paralela, a oficina A arte do curinga, com Julian Boal, vai apresentar nos dias 25, 26 e 26 de fevereiro os princípios do trabalho do Teatro do Oprimido, discutindo sua atualidade.
Com foco na democratização dos meios de produção teatral, no acesso das camadas sociais menos favorecidas a esses meios e na transformação da realidade, o Teatro do Oprimido trouxe nova técnica de preparação do ator que alcançou repercussão mundial, principalmente a partir da atividade didática exercida por Boal e universidades norte-americanas e europeias. “Já perdi a dimensão do interesse que o método provoca e da quantidade de grupos teatrais que o utiliza no mundo inteiro”, conta Cecilia Boal.
No encerramento da mostra paralela, o ciclo Leituras abertas: a dramaturgia de Augusto Boal vai reunir diretores consagrados, como Aderbal Freire Filho e Bruce Gomlevsky, apresentando cenas inéditas ou pouco conhecidas da obra do dramaturgo e abrindo ao público o seu processo de ensaio. O ciclo será interativo, incorporando as sugestões dos espectadores.
No evento final do projeto, dia 16 de março, um debate, acompanhado de leitura de cartas de Boal, terá a participação de Cecilia, Sergio de Carvalho, artistas e intelectuais convidados.
De acordo com Cecilia, o engajamento político de Boal, presente em toda a sua obra, está bem destacado em todo o projeto. Uma das personalidades de maior destaque na resistência, no meio teatral, à ditadura militar, Boal dirigiu o lendário show Opinião, em 1965, no Rio de Janeiro, e em 1968 organizou em São Paulo a Primeira Feira Paulista de Opinião, no Teatro Ruth Escobar, um grande ato de protesto contra a censura.
O período negro iniciado após a assinatura do Ato Institucional nº 5 levou o Arena a excursionar pelos Estados Unidos, México, Peru e a Argentina. De volta ao Brasil, Augusto Boal foi preso e torturado em 1971 e, em seguida, partiu para o exílio na Argentina, até 1976, e depois em Portugal e na França. “Ele não saiu do Brasil porque desejava e isso está bem contado na mostra”, ressaltou Cecília.
A redemocratização do país trouxe o dramaturgo de volta ao Brasil. Em 1985, ele encenava a peça O Corsário do Rei, de sua autoria, com música de Edu Lobo e Chico Buarque, e no ano segunte dirigia o clássico Fedra, de Jean Racine, com Fernanda Montenegro no papel-título.
Ao mesmo tempo, a convite do então vice-governador e secretário de Educação do estado do Rio de Janeiro, Darcy Ribeiro, assumiu a direção da Fábrica do Teatro Popular e criou o Centro do Teatro do Oprimido (CTO).
Em 1992, Boal foi eleito vereador do município do Rio de Janeiro, pelo PT. Nesse período, ajudou a formar 50 grupos de teatro que atuavam em favelas, sindicatos e igrejas.
No fim do século 20, Boal iniciou experiência inédita, encenando óperas tradicionais, como Carmen, de Bizet, e La Traviatta, de Verdi, com a utilização de ritmos brasileiros. Na última década de sua vida, dedicou-se quase completamente ao Teatro do Oprimido, dirigindo oficinas, publicando livros e fazendo palestras no Brasil e no exterior. Pouco antes de morrer, foi nomeado pela Unesco “Embaixador do Teatro”.
Sob a guarda do Instituto Augusto Boal, o vasto acervo do dramaturgo teve sua guarda reivindicada há três anos pela New York University (NYU), onde ele lecionou. “Eles se ofereceram para acolher toda a documentação na biblioteca da universidade, que é excelente, e se tivesse ido para lá com certeza já estaria tudo catalogado e disponível em meio digital”, conta Cecília.“Eu disse à pessoa da New York University que veio conversar comigo que o acervo, por ter origem na cultura brasileira, deveria permanecer aqui. E vamos continuar batalhando para que ele fique aqui e seja tratado da melhor forma possível”, enfatizou.
A exposição fica em cartaz até 16 de março e pode ser visitada de quarta-feira a segunda-feira, das 9h às 21h, com entrada franca. O espetáculo teatral, de 29 de janeiro a 15 de fevereiro, será encenado às 19h30, de quinta-feira a domingo, às 19h30, com ingressos a R$ 10, a inteira, e R$ 5, a meia-entrada.
O mesmo preço será cobrado pelo show O cancioneiro de Boal, dia 22 de fevereiro, às 19h30. As oficinas e leituras dramatizadas, nos dias 25 e 28 de fevereiro e 7 e 14 de março, às 19h30, terão entrada franca, com retirada de senhas uma hora antes. O CCBB fica na Rua Primeiro de Março, 66, no centro do Rio.