Exposição de Vladimir Lagrange traz relato visual da vida na União Soviética
Quase 30 anos de documentação do cotidiano da antiga União Soviética (URSS) podem ser vistos na exposição Assim Vivíamos, que abre neste sábado (25), na Caixa Cultural, na Praça da Sé, centro paulistano. As 65 fotografias fazem parte da obra do russo Vladimir Lagrange, durante o período em que atuou como fotojornalista. “Ele consagrou a sua obra por meio de fotos que passam bastante à margem de fatos políticos porque o interesse dele era realmente pela vida cotidiana da população soviética”, enfatiza o curador da mostra Luiz Gustavo Carvalho sobre o material feito não só na capital, Moscou, mas em diversas viagens pelo território soviético.
As primeiras imagens foram tomadas em 1962, enquanto os últimos enquadramentos datam do início da década de 1990. “O início dessas fotografias mostra justamente o espírito dessa época khrushoviana”, comenta o curador. Nikita Khrushchov assumiu o poder na URSS com uma agenda reformista, após a morte de Josef Stalin. ”Uma época onde existia uma certa liberdade e isso é refletido nas imagens dele. E ao mesmo tempo a gente vai ver durante todo esse período um olhar perspicaz e até mesmo sarcástico em relação ao Estado”, acrescenta Carvalho.
Mesmo quando trabalhava em relação a fatos de grande impacto, como a Guerra do Afeganistão (1979-1989), Lagrange optava por um olhar diferenciado. “Nunca é sobre as cenas de guerra, que nunca o interessaram muito, mas sobre a vida cotidiana durante a guerra. Ele retrata um casamento, uma cena de amizade ou de morte durante a guerra”, explica o curador.
Os soldados que lutaram pela Rússia durante a Segunda Guerra Mundial também foram um tema importante na obra do fotógrafo. “Ele retrata de uma maneira muito humanista também os veteranos da Segunda Guerra Mundial, que foram, em grande parte, completamente esquecidos pelo Estado. Muitos ex-combatentes passam a ter de pedir esmolas para sobreviver. E ele tem uma grande admiração por esses personagens”, conta Carvalho.
Além do humanismo francês, outra influência de Lagrange foi o construtivismo, vanguarda que floresceu na Rússia durante a década de 1920. Entre os expoentes do movimento estão o artista plástico Alexander Rodchenko e o cineasta Sergei Eisenstein. Esses elementos aparecem, segundo o curador, na iluminação e na “complexa geometria na construção das imagens” do fotógrafo.
Com habilidade e sutileza, o fotógrafo conseguia ainda trazer uma crítica sutil para as páginas das publicações soviéticas. “Em conversas, ele próprio me contou que já sabia que imagens ele poderia enviar para a redação para serem publicadas e quais não tinham nenhuma chance de passarem pela censura”, relata Carvalho.
Apesar do vasto trabalho documental, com a dissolução da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) e a chegada de novas tecnologias, Lagrange começa a partir da década de 1990 uma nova fase de sua obra. “Ele, de uma maneira muito impressionante, conseguiu essa adaptação e hoje tem um trabalho voltado para uma linguagem completamente nova. Uma fotografia que trabalha motivos, estritamente artística, voltada para um lado documental”, disse o curador da exposição.