Sem reforma prometida, Museu do Índio segue abandonado ao lado do Maracanã
A pouco mais de dois meses do início dos Jogos Olímpicos, o Museu do Índio – próximo ao estádio do Maracanã – é um retrato do abandono. A promessa de transformar o local em um Centro de Referência da Cultura Indígena a tempo das disputas olímpicas ficou só no papel e líderes indígenas que moravam no prédio desde 2006 criticam a falta de interesse do Poder Público de resolver o problema.
O local foi alvo de disputa no início de 2013 quando o governo do estado do Rio anunciou a intenção de derrubar o prédio para construção do Complexo do Maracanã, que receberia partidas da Copa de 2014.
Um grupo de indígenas que ocupava o prédio desde 2006 – e deu ao museu o nome de Aldeia Maracanã – se recusou a deixar o local e duas determinações de reintegração de posse foram cumpridas pela Polícia Militar, uma em março de 2013 e outra em dezembro.
À época, o cacique Carlos Tukano preferiu apostar no diálogo para deixar a ocupação da Aldeia Maracanã - e recebeu críticas de outros indígenas por isso. O líder aceitou sair do prédio antes da primeira reintegração de posse. Meses depois, leu o decreto assinado pelo então governador Sérgio Cabral de que a antiga sede do Museu do Índio voltaria a ser destinada à cultura indígena. Por fim, marcou no calendário a data de abril de 2016 como a que voltaria a usar o espaço, a tempo de divulgar a tradição indígena brasileira para o público da Olimpíada e da Paralimpíada.
O prazo se esgotou e o Centro de Referência da Cultura Indígena prometido não tem projeto básico ou executivo, etapas anteriores ao início da restauração. Segundo a Casa Civil do governo do estado do Rio de Janeiro, a responsabilidade de custear a reforma do prédio estava a cargo do consórcio que assumiu a concessão do Maracanã. O contrato que previa essa obrigação, no entanto, está sendo renegociado, e, enquanto não houver uma definição, não haverá novidades para o prédio.
"Ficamos escondidos na Copa do Mundo. E, com a chegada das Olimpíadas, vão ser mostradas mais uma vez para o Brasil e para o mundo as ruínas do Museu do Índio, onde éramos para estar recebendo visitantes de 200 países. Está ficando vergonhoso para o governo, e muito mais para nós", diz Tukano, que se sente constrangido. "Fico passando de mentiroso, o cacique Tukano mentiroso".
Depois de saírem do Museu do Índio, os ocupantes que entraram em acordo com o governo do estado moraram por cerca de um ano e meio em contêineres na Colônia Curupaiti, em Jacarepaguá. Em junho de 2014, se mudaram para um condomínio do Minha Casa, Minha Vida, no centro do Rio. Essa mudança, conta Tukano, forçou a uma mudança de cultura do grupo que, acostumado à convivência coletiva desde 2006, quando iniciaram a ocupação e passaram a receber visitantes de diversas aldeias do país, passaram a ficar mais isolados.
"Ficamos isolados. Aqui é muito restrito. Não temos espaços como no Maracanã e no Curupaiti. Não temos espaço para fazer nosso trabalho e receber pessoas que vêm nos visitar e que acreditam na cultura indígena".
Renegociação com Consórcio Maracanã
O projeto inicial de licitação do estádio do Maracanã previa a construção de um shopping e de um estacionamento, e a demolição do Estádio de Atletismo Célio de Barros e do Parque Aquático Júlio Delamare, o que não ocorreu devido à pressão popular. Em outubro de 2015, o secretário da Casa Civil, Leonardo Espíndola, reconheceu as dificuldades da negociação por conta da mudança no escopo do contrato e admitiu a possibilidade de um termo aditivo. A concessionária, cuja maior participante é a Odebrecht, informa apenas que as negociações para o "reequilíbrio do contrato" estão em andamento.
O governo do estado, por sua vez, enfrenta dificuldades financeiras. A Secretaria Estadual de Cultura, responsável pelo projeto do centro de referência, informou à Agência Brasil que não tem recursos para os projetos básico e executivo, e que, sem eles, não é possível estabelecer uma previsão de inauguração.
Os projetos também são necessários para que se possa viabilizar a realização de obras emergenciais, atualmente estimadas pela Secretaria Estadual de Cultura em R$ 2 milhões. Mais R$ 17,5 milhões são previstos para o restauro do prédio, e o orçamento total chega a R$ 23,5 milhões se adicionados os equipamentos e o mobiliário. O que se tem até o momento para a construção é um projeto preliminar do restauro, doado pelo escritório Azevedo Agência de Arquitetura.
A Secretaria Estadual de Cultura e representantes da associação indígena chegaram a procurar patrocinadores dos Jogos Olímpicos e Paralímpicos para buscar recursos privados que viabilizassem as obras emergenciais antes da competição, permitindo que o espaço fosse usado. Estariam incluídas nessa fase a pintura no telhado, a reforma das paredes e a melhoria do piso.
"Fizemos essa proposta a alguns dos patrocinadores das Olimpíadas, e esse investimento inicial, de reforma, já abateria do restauro", explica Toni Lotar, indigenista da associação que participou das negociações. No entanto, ele reconhece que a tentativa foi levada às empresas com atraso. "Elas planejaram o investimento há 4 anos. Meses antes, elas já estavam na implementação do plano de marketing. E, com a situação do país, ninguém se dispôs a investir mais", explica.
O pesquisador afirma ter uma "visão realista" de que o governo do estado não vai destinar os recursos ao prédio enquanto houver crise na saúde e atraso de pagamentos.
"Não há resignação. Infelizmente, essa realidade brasileira de crise absoluta se estabeleceu contra o processo de restauro", lamenta Lotar, que agora busca junto ao Poder Público ao menos a limpeza do prédio, que continua coberto de tapumes e sujo, ao lado do palco da abertura dos Jogos.
"Queria pelo menos conseguir, de algum órgão do governo do estado, que se faça uma limpeza, uma faxina. Pelo menos tirar aquela sujeira e impedir que o principal palco das Olimpíadas esteja poluído visualmente e moralmente por aqueles escombros."
Grupo divergente
Durante a disputa pelo espaço em 2013, um grupo de indígenas que ocupava a Aldeia Maracanã não fez acordo com o governo do estado e foi retirado à força pela Polícia Militar, que realizou duas operações para desocupar o local - uma em março e outra em dezembro de 2013.
No segundo embate, o indígena Urutau Guajajara ficou 48 horas em cima de uma árvore para resistir às tentativas do governo estadual de esvaziar o prédio, que tinha voltado a ser ocupado cerca de cinco meses depois da primeira reintegração. Ele afirma que até hoje o grupo volta ao prédio para fazer rituais e danças de diversas etnias sob um pé de jenipapo que fica no terreno.
"Quem acreditou nisso [na reforma prometida] foi um grupo", diz. "A gente sabia que não iam construir, porque o capital não quer o indígena ali, o movimento social", completa, defendendo que o consórcio privado responsável pela gestão pelo Maracanã seja o responsável pela reforma. O grupo afirma ainda que move uma ação na Justiça para recuperar a posse e do imóvel.
"O nosso objetivo é voltar para a aldeia", afirma Guajajara, que avalia que a mobilização indígena teve bons frutos. "Foi revolucionário. É uma referência nacional e outros movimentos se espalharam. Trouxe a questão dos indígenas no contexto urbano e não havia pesquisa nesse sentido".