Americano que biografou Clarice recebe Prêmio Itamaraty de Diplomacia Cultural
O escritor americano Benjamin Moser, autor de Clarice, recebeu hoje (1º) o Prêmio Itamaraty de Diplomacia Cultural pela divulgação da obra de Clarice Lispector. A autora foi biografada por Moser, que voltou à Festa Literária Internacional de Paraty (Flip) para lançar mais um livro sobre o Brasil, Autoimperialismo (Editora Crítica), que ele define como uma maneira de tentar enxergar um país de muitos lados.
"Estou totalmente em casa", disse o autor ao receber a premiação do diretor do Departamento Cultural do Itamaraty, George Torquato Firmeza, que lembrou que Clarice também era diplomata. "Se eu não tivesse escolhido você, eu teria que me esconder [dos colegas do Itamaraty]", brincou Firmeza, que recordou outros vencedores do prêmio, como o fotógrafo Sebastião Salgado e a diretora do Instituto Internacional da Língua Portuguesa, Marisa Mendonça.
Depois da premiação, Moser respondeu a perguntas de jornalistas e disse que seu novo livro é uma tentativa de ver um país que tem mudado muito nos últimos anos."Tentei fazer algo que colocasse em contexto uma coisa que estamos vivendo agora, mas sem partidarismo", disse.
Novo modelo
Moser acredita que o Brasil pode ser o país que vai formular um novo modelo de vida e desenvolvimento que não se baseia no consumismo e no enriquecimento. "Que venha uma nova ideia intelectual, sobretudo, de como queremos viver. Uma ideia muito básica. Queremos estar em uma cidade feia ou bonita, por exemplo? Queremos estar no trânsito o dia inteiro ou queremos alternativas?", disse. "Sei lá se vai ser aqui que alguém invente uma alternativa política e social, por quê não?"
Para essa mudança, Moser defende que pessoas bem intencionadas não se intimidem e enfrentem a carreira política. "Gente decente tem que dar a cara". Ele diz que não via como alternativa para os problemas do país o afastamento da presidenta Dilma Rousseff no processo de impeachment e disse que a impressão dele e dos estrangeiros que conhece era de que o país estava trocando um governo ruim por outro.
"Ninguém está a favor porque a gente não vê alternativa. Não é porque somos petistas alucinados que não nos damos conta da situação, mas porque a situação é que estamos no mesmo modelo de desenvolvimento", disse. "A grande oportunidade que se perdeu era fazer uma ideia brasileira do que é se desenvolver, que não seja com carro e montar um espigão. Que seja uma maneira de repensar como vivemos".
O autor disse que hoje se considera otimista em relação ao país, mas que antes, quando a economia tinha resultados melhores, era pessimista. "As forças do Brasil que a gente viu não eram realmente intelectuais, sociais e morais, eram dinheiro. E eram por causa dos preços das coisas que o Brasil vendia para a China", disse o autor, que considera que a grande imprensa brasileira desempenhou um papel parecido com o de tablóides britânicos ou com o canal de TV conservador americano Fox News durante a crise política.
"A maneira de falar sobre o que estava acontecendo aqui foi uma coisa como a gente vê nos Estados Unidos com a Fox News, uma coisa de direita que fica esquentando corações", diz. "Eu acho que já seria a hora de desenvolver outros modelos de imprensa. Porque o país está precisando".
Homofobia e racismo
Homossexual assumido, o escritor diz que acompanha a situação da homofobia e transfobia no Brasil e disse que a população LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transexuais, Travestis, Transgêneros e Intersexo) enfrenta muito preconceito no país, apesar de ele considerar as leis avançadas.
"Dói demais pensar que essas pessoas estão sendo mortas aqui. Gostaria de fazer mais", lamentou. "É uma questão que é muito urgente, porque hoje a gente está falando sobre isso, sobre como vai ficar daqui a dez anos e em algum lugar do Brasil alguém foi assassinado por ser gay hoje. A gente tem que ver com mais urgência".
Moser também falou sobre o racismo no país e disse que, quando teve seu primeiro contato com o Brasil, percebeu uma grande recusa de se falar sobre o tema, que, segundo ele, era considerado invenção de americanos que não entendiam bem o Brasil. "Falar isso era um papo de gringo mesmo. Hoje, vejo matérias diariamente em algum lugar".