Em SP, espetáculo une dança e poesia para discutir violência da cultura machista
A Caleidos Cia de Dança estreou neste fim de semana na Lapa, em São Paulo, o espetáculo Mairto, que vai permanecer em cartaz até o dia 16 de outubro. "Mairto é um espetáculo que surgiu a partir da última linha de uma notícia policial publicada em jornal de circulação nacional", disse o diretor Fábio Brazil, sobre a peça, que une espetáculo e poesia para discutir a violência da "cultura do macho".
“A notícia no jornal dava conta de um crime patrimonial. Dois caras sequestram um terceiro e roubam-lhe R$ 8 mil. A última linha dessa notícia nos dava esse detalhe: o de que Mairto - esse era o nome da vítima - era homossexual. Aí eu li de novo a notícia e comecei a descobrir uma série de coisas que tinham me passado batido”, afirmou, sobre como a informação da orientação sexual da vítima, torturada e assassinada, o ajudou a perceber que havia mais naquele crime que uma motivação latrocída.
“O que me impactou profundamente foi começar a entender que ali havia um crime contra os afetos desse sujeito”, disse Brazil. A partir daí, ele começou a escrever as poesias que geraram o trabalho que mescla os versos com dança, usando um cenário inspirado em lutas marciais, como o boxe e o MMA. “Três homens em um lugar fechado, dialogando por meio da violência e dessa masculinidade tortuosa”, define o dramaturgo.
A peça discute as diversas formas de agressão que surgem do machismo. “O que a gente queria mexer é essa tal violência na cultura do macho”, enfatiza o autor sobre o espetáculo.
Mostra comemorativa
A nova montagem de Mairto faz parte da Mostra Caleidos, que comemora os 20 anos da companhia de dança. Além de Mairto, até dezembro serão encenadas dois outros espetáculos da companhia.
Em Coreô, um dos espetáculos a ser apresentado, a corpo de dança interage com o público, com o objetivo de chamar a atenção para a proposta do grupo. “O que realmente nos interessa é o jogo em cena, não é fazer uma coreografia e apresentá-la. É a cena viva”, ressalta Brazil, ao descrever como a companhia Caleidos encara a dança. Por isso, a aposta da interatividade com o público deriva de um trabalho anterior, chamado Coreológicas. “É justamente um trabalho em que nós apresentamos cinco jogos e convidamos a plateia a jogar.”
Em Nós S.A., outra apresentação da companhia dentro da mostra comemorativa, a Caleidos discute as relações sociais a partir do fenômeno da especulação imobiliária. “As pessoas não compram apenas um apartamento.Elas querem comprar um modo de vida”, disse Brazil sobre a atração que os novos empreendimentos imobiliários exercem em parte da população. "Condomínios que apresentam a possibilidade de se exercitar, fazer reuniões familiares, comprar e até ir ao cinema sem deslocamentos."
“Esse modo de vida diz respeito a um modo de vida empresarial.” Segundo o diretor, há uma ideologia por trás dos anúncios e das intenções dos compradores. Para ele, é como se a pessoa que procura esse tipo de residência dissesse: “eu quero que a minha sociedade funcione como uma empresa”.
Nesse sentido, Nós S.A. se opõe a essa ideia. “Basicamente, porque uma empresa tem dono e regras, cuja a finalidade é gerar lucro”, explica Brazil, que relatou os problemas de se guiar por esse tipo de pensamento. Uma construção que coíbe, na visão do artista, as relações entre pessoas e, em última instância, a própria arte, ao excluir tudo que não é possível de ser capitalizado. “A dinâmica do afeto não é funcional”, destaca.
As apresentações de Mairto acontecem sextas e sábados, às 20h; domingos, às 19h, na sede do Instituto Caleidos, à Rua Mota Pais, 213, Lapa, São Paulo. A entrada é gratuita.
Coreô entra em cartaz de 4 a 13 de novembro. Nós S.A. poderá ser vista de 2 a 11 de dezembro.