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Cultura

Osmar Prado revisita origens: 'Os deuses do teatro sorriram para mim'

Ator chega aos 67 anos de carreira com grande sucesso nos palcos
Cristina Índio do Brasil - repórter da Agência Brasil
Publicado em 16/03/2025 - 11:03
Rio de Janeiro
Brasília (DF) 14/03/2025 - O veneno do teatro
Foto: Pricila prade/Divulgação
© Pricila prade/Divulgação

O ator Osmar Prado incluiu mais um sucesso entre tantos na carreira que começou em 1958, ainda criança. Aos 77 anos, tem viajado o país, desde janeiro do ano passado, com a peça O Veneno do Teatro.

Em cada canto, confirma a forte presença de público, que já soma mais de 60 mil espectadores. A peça começou nesta sexta-feira (14) a terceira temporada no Rio de Janeiro. Dessa vez, no tradicional Teatro Municipal Carlos Gomes, na Praça Tiradentes, no Centro do Rio.

Em uma retrospectiva dos mais de 65 anos de carreira, Osmar se identificou como um acidente, porque foi cedo a sua manifestação “por uma coisa que nem sabia o que era”, quando, em torno dos 7 anos de idade, perguntou pela primeira vez à mãe como se fazia para ser artista.

“Mamãe, como se faz para ser artista? Embora não tivesse ideia do que era ser artista. Essa pergunta saiu da minha boca enquanto ela pilotava um fogão à lenha. Ela respondeu e me matou. Disse: meu filho, para ser artista, tem que ser bonito, alto. A referência dela era Rodolfo Valentino, símbolo sexual do período da década de 1930 ou 1940. Eu jamais me enquadraria nesse modelo. Então, ela me matou no nascedouro.”, relatou à Agência Brasil.

Isso, no entanto, não encerrou sua trajetória. A salvação veio com a tia Trindade Augusta Prado, que era operária e irmã da mãe do ator. “Ela foi me levando, até eu chegar a um teste na casa do diretor chamado Líbero Miguel, que queria iniciar a teledramaturgia na TV Paulista, já que existiam três televisões em São Paulo: a TV tupi, a TV Record e a TV Paulista”, contou.

Ao saber que o diretor precisava de meninos para fazer a primeira novela que seria adaptada para a televisão no canal 5, que era David Copperfield, de Charles Dickens, Osmar foi levado pela tia à casa de Líbero Miguel, que o pediu para decorar uma cena de meia página.

O menino respondeu que levaria para casa para decorar, mas o diretor disse que fizesse ali mesmo, e que ele contracenaria com a mulher do diretor. Osmar acabou ganhando a chance de participar da produção por causa de um improviso.

Líbero explicou como deveria desempenhar o papel. Ele teria que bater à porta, entrar e começar a conversar com a mulher que contracenava com ele.

“Bati à porta. Ela disse 'entre, sente-se aqui'. Fui indo e esbarrei acidentalmente no cinzeiro na mesa de centro, que caiu no chão. Peguei instintivamente, sentei no lugar que ela falou e comecei a conversar. Duas, três falas depois, ele parou e me disse 'não preciso mais'. Você vai trabalhar comigo”, contou em detalhes a situação.

Aos 12 anos, Osmar Prado representou o personagem Oliver Twist, também do escritor Charles Dickens, já como protagonista. “E assim minha vida foi seguindo, fui indo aos trancos e barrancos. Não fiz curso, nem faculdade de teatro. Todo o meu aprendizado foi na prática e nos contatos de pessoas maravilhosas do meio que me auxiliaram, me deram conselhos, me indicaram livros. Tive o privilégio de trabalhar com [o ator] Sérgio Cardoso”, contou, acrescentando que também Othon Bastos e Gianfrancesco Guarnieri foram grandes influências.

'Fui sendo levado'

Osmar lembrra que a origem da sua família era pobre. O pai, funcionário público ex-motorista de praça. A tia, responsável pela sua carreira, era operária e o seu nascimento foi em casa.

“Vim não da miséria, mas da pobreza. O parto, quando eu nasci, foi feito pela minha bisavó, em casa. Nasci em um quarto de um casebre de alvenaria, mas era um casebre com banheiro do lado de fora, tinha um quarto e uma sala. Meu pai e meu avô fizeram um puxado de madeira para fazer uma cozinha com fogão a lenha, em São Paulo na Vila Clementino. Hoje, tem um prédio enorme naquele lugar. Foi ali que comecei a minha vida".

"Fui sendo levado. Parece que era o destino inexoravelmente marcado ser o que sou, e não perdi o entusiasmo até hoje. Graças aos deuses, porque o Deus mesmo não tem nada com isso, coitado, tem tanta demanda porque ele olharia para mim, um menino qualquer? Deus tem demandas mais sérias, agora, os deuses do teatro sorriram para mim”.

Uma crítica assinada por Miroel Silveira, em 1959, já apontava para o potencial de atuação do ainda menino Osmar Prado. Foi na peça Nu, com Violino, em que atuava com o ator Sérgio Cardoso, já visto como artista de destaque.

“Era tão insignificante a minha participação que ele poderia ter me ignorado. Além de não me ignorar, ele disse o seguinte: ‘o menino Osmar Prado, apesar de ter quase perdido a voz na estreia, representou a sua cena até o final com imensa bravura e excepcional personalidade’. Ele disse isso de mim. Um misto de pena pelo meu desespero, mas, ao mesmo tempo, entendia que ali havia uma potencialidade. Ele previu: ‘uma agradável revelação aos 12 anos’”, afirmou.

Brasília (DF) 14/03/2025 - O veneno do teatro
Foto: Pricila prade/Divulgação
Osmar Prado com Mauricio Machado em O veneno do teatro Foto: Pricila prade/Divulgação

Manifestações artísticas

Ao longo da carreira, o ator alternou momentos no teatro, na televisão e no cinema. Quando foi convidado para atuar em O Veneno do Teatro, fazia dez anos que não participava de uma montagem teatral. Nesse intervalo, integrou o elenco da novela Pantanal, na Rede Globo, interpretando o personagem Velho do Rio, com o qual recebeu o conceituado prêmio da Associação Paulista de Críticos de Arte (APCA), na categoria de melhor ator.

“Encerrei com chave de ouro a minha participação [na televisão] e não voltei mais”, disse. “Toda vez que eu saí da televisão ou a televisão me ignorou, o teatro me acolheu e sempre me acolherá, se eu fizer por merecer. Por isso, estou fazendo O Veneno do Teatro há mais de um ano e não pretendo sair”.

O período em que esteve afastado do teatro é considerado por Osmar como um “hiato acidental”, uma vez que só realizaria um trabalho, quando estivesse realmente interessado. A última atuação tinha sido na comédia musical Barbaridade, inspirada em argumento dos escritores Luis Fernando Verissimo, Ziraldo e Zuenir Ventura. Embora fosse bem tratado, o ator não se sentia à vontade.

“Eu entendi, a partir da estreia da peça, que eu não estava confortável, mas fui até o fim da temporada no Rio e ainda fiz a temporada em São Paulo. Depois, não fiz mais e disse para mim mesmo: ‘Não volto para o teatro sem que eu acredite na proposta e diga a mim mesmo, é isso que quero dizer quando abrir o pano", contou.

E foi este chamado que o fez considerar um presente poder atuar em O Veneno do Teatro. O perfil do ator foi decisivo para o diretor Eduardo Figueiredo pensar em Osmar para o papel.

“Eu tenho mais de 30 anos de carreira e costumo dizer que o ator tem que ser criador, porque tem que promover a essência dele e as potencialidades como artista no projeto em que está. O Osmar é essa potência, o tempo inteiro ele contribuiu no processo de criação, não só da personagem, mas como um todo. Apesar da idade, ele tem um trabalho físico muito forte, tem uma potência corporal, uma flexibilidade. Então, a gente tem uma agilidade cênica no espetáculo que também é fruto da disponibilidade dele". 

O diretor também elogia a capacidade de Osmar Prado decorar o texto da peça, que considera longo. Segundo Figueiredo, o ator nunca errou, nem nos ensaios. 

"É normal no processo de ensaio o ator esquecer alguma coisa, porque é muito texto. Ele nunca teve esse problema. Sempre vinha muito preparado para o ensaio com as cenas decoradas daquele dia. Ele não tem esse problema de esquecer o texto, mesmo sendo um texto tão grande e denso”.

 

Parceria

O ator Maurício Machado, que divide a cena com Prado em O Veneno do Teatro, confessa que o colega sempre foi um ídolo e uma referência para ele ao longo da sua trajetória, de 37 anos.

“No início da carreira, era uma coisa absolutamente inatingível poder contracenar com ele. Até que, em 1999, quase fizemos uma peça juntos. Acabou não rolando. Agora, com O Veneno [do Teatro], o diretor pensou no Osmar, e eu achei que não poderia ter um ator mais adequado, porque, além do gigantismo do talento do Osmar, o personagem requer um ator com toda essa bagagem e com um leque variado de cores, de emoções que esse personagem tem".

“O Osmar além do grande ator e gênio que ele é para mim, dos maiores e mais importantes atores de toda a história que o Brasil já teve, é um grande parceiro. A gente construiu uma relação muito incrível já desde o primeiro momento de leitura, em que tivemos certeza que os personagens nos escolheram e que teríamos ali uma parceria muito bonita, de muita confiança e muito respeito. É uma alegria poder contracenar com ele, que é o maior ator vivo brasileiro. Osmar sempre foi um artista cidadão. Ele tem 77 anos e fala sobre todas as questões contemporâneas”, elogia Mauricio Machado.

Para o diretor, Eduardo Figueiredo, a essência da peça também combina com Osmar Prado, por se tratar de um espetáculo que discute civilidade e poder. "A gente está o tempo inteiro discutindo a postura do ser humano, até onde vai a capacidade de o ser humano de cometer atrocidades. Onde está a civilidade na sociedade contemporânea, onde a gente tem guerras, onde os direitos humanos são desrespeitados o tempo inteiro”, resumiu.

Preocupado com as questões globais, Osmar critica o predomínio de nações no cenário mundial. “Estamos caminhando para um desfecho que, no meu entender, será o desfecho que a humanidade necessita: a multipolaridade das nações. Todos terão que sentar à mesa para discutir o mundo sem a predominância de quem quer que seja, mas no sentido de colaborar. Isso acaba com os impérios de um modo geral. Temos que acabar com os impérios, abaixo os imperadores. Que venha a democracia plena”, torce o ator.

Rio de Janeiro - O ator Osmar Prado participa de manifestação contra a possibilidade de impeachment da presidente Dilma rousseff, no centro do Rio (Tomaz Silva/Agência Brasil)
O ator Osmar Prado em manifestação no centro do Rio, em 2016 Foto de Arquivo/Tomaz Silva/Agência Brasil