Análise de ossadas da vala clandestina de Perus será retomada este mês
A retomada dos trabalhos de análise das 1.049 ossadas encontradas em uma vala clandestina do Cemitério Dom Bosco, em Perus, na capital paulista, foi anunciada nesta quinta-feira (4), dia em que se completam 24 anos da abertura da vala. Segundo o presidente da Comissão Estadual da Verdade de São Paulo, deputado estadual Adriano Diogo (PT), os trabalhos devem começar dentro de duas semanas.
A informação foi divulgada em cerimônia realizada na tarde de hoje na Assembleia Legislativa de São Paulo, na presença das ministras Ideli Salvatti, de Direitos Humanos, e Eleonora Menicucci, de Políticas para as Mulheres, do coordenador da Comissão Nacional da Verdade, Pedro Dallari, e do secretário nacional de Justiça, Paulo Abrão, entre outras autoridades e parentes de mortos e desaparecidos.
A vala clandestina de Perus foi aberta em setembro de 1990, na gestão da prefeita Luiza Erundina. Antonio Pires Eustáquio, que foi administrador do cemitério de Perus entre os anos de 1976 e 1992, foi um dos descobridores da vala clandestina. “Comecei a ler os registros e livros de óbito, dos quais tinham de constar os restos mortais lá sepultados. E, no livro dessas pessoas, não constava o registro dos ossos”, lembrou Eustáquio. “Mas consegui, por intermédio de funcionários, descobrir que [no cemitério de Perus] havia terroristas que a polícia matava e trazia para cá.”
No local, foram encontradas 1.049 ossadas sem identificação, a grande maioria pertencente a indigentes e vítimas de esquadrões da morte. Corpos de presos políticos também foram enterrados no local. Na época, a prefeitura determinou a apuração dos fatos e fez um convênio com a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) para identificação das ossadas. No entanto, o trabalho foi interrompido e os restos levados, em 2001, para o Ossário Geral do Cemitério do Araçá, na capital paulista, onde estão guardados até hoje, sob responsabilidade da Universidade de São Paulo (USP).
Agora, o trabalho será retomado por equipes de antropologia forense do Brasil e do exterior contratados pela Secretaria de Direitos Humanos, assim como por peritos legistas cedidos de diferentes órgãos públicos nacionais. Os trabalhos serão feitos pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Em julho deste ano, os pesquisadores começaram a compilar informações para viabilizar a análise antropológica.
Depois dessa etapa, o material genético coletado será encaminhado a laboratórios especializados para elaboração do perfil genético das ossadas. A estimativa é que as etapas de lavagem, secagem, catalogação, triagem e análise genética sejam conduzidas ao longo do próximo ano. A equipe que vai trabalhar na análise desses restos será composta por historiadores, antropólogos forenses, arqueólogos, geneticistas, médicos legistas e odontologistas. No grupo, haverá cerca de dez técnicos da Argentina e do Peru e de 20 a 30 peritos brasileiros.
Até agora, os trabalhos feitos pela Unicamp identificaram os corpos de três presos políticos entre as ossadas: Denis Casemiro, Frederico Eduardo Mayr e Flávio de Carvalho Molina. Parentes de desaparecidos políticos acreditam, porém, que mais três foram sepultados clandestinamente na vala de Perus: Dimas Casemiro, Francisco José de Oliveira e Grenaldo de Jesus da Silva. Segundo Samuel Ferreira, médico legista e coordenador científico do grupo, os peritos trabalham com a hipótese de que os corpos de 35 a 40 presos políticos tenham sido enterrados no local liminados por agentes da ditadura.
Para Suzana Lisboa, integrante da Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos, que foi casada com Eurico Tejera Lisboa, cujo corpo foi o primeiro de desaparecido político localizado e identificado no cemitério de Perus [e que não estava na vala clandestina], o trabalho de identificação das ossadas deve “demorar muitos anos”. “Mas é com muita emoção que vemos, finalmente, isso acontecer da forma correta”, afirmou.
De acordo com Ideli Salvatti, o trabalho será demorado por causa das condições “precárias” em que se encontram as ossadas. “É um trabalho demorado, mas de fundamental importância não só para que os parentes possam concluir o processo de luto e enterrar seus entes queridos que puderem ser encontrados dentro destes restos mortais, mas principalmente para que tenhamos condições de, em condições semelhantes, o Brasil ter capacidade de fazer estas análises e identificá-las e que nunca mais tenhamos valas comuns”, disse a ministra.
“Os trabalhos vão começar ainda neste mês e, a partir da abertura das caixas com os restos mortais, é que vamos ter uma ideia de estimativa de tempo. Obviamente, vamos nos esforçar para que esse tempo seja o menor possível”, disse Samuel Ferreira. Para ele, o trabalho de identificação humana é muito complexo, por exigir informações de quando a pessoa estava viva para comparar com os dados obtidos por meio de exames antropológicos feitos nos restos mortais. “Sabemos que temos data para começar e uma estimativa entre 18 e 24 meses [para terminar], mas, somente com a análise, é que vamos ver a qualidade desse material e poder dizer [o tempo que deve demorar].”
A ministra Ideli Salvatti informou que o governo federal deverá investir, somente neste ano, entre R$ 3 milhões e R$ 4 milhões [de recursos da Secretaria de Direitos Humanos e também do Ministério da Educação] nesse trabalho. Para o ano que vem, acrescentou a ministra, recursos do Orçamento deverão ser destinados para a criação do curso de antropologia forense na Unifesp.