Especialistas defendem políticas específicas para cada grupo de jovens
Jovens brasileiros de 10 a 24 anos do sexo feminino, negros e que vivem no meio rural são as maiores vítimas da “negligência” que, segundo o Fundo de População das Nações Unidas (Unfpa, do inglês), afeta a juventude mundial, sobretudo nos países mais pobres. Por isso, enquanto a agência da ONU aponta o empoderamento feminino e o fim da desigualdade entre homens e mulheres como as principais metas de desenvolvimento sustentável global, especialistas brasileiros destacam a importância de políticas públicas que contemplem as necessidades de nossos jovens negros e do campo.
“Ao analisarmos as informações sob o prisma de gênero e sexo, constatamos que é preciso investir cada vez mais nas mulheres. Ao desagregar [os indicadores] por raça, cor e etnia, percebemos o peso da desigualdade racial”, explicou a oficial de programas do Unfpa no Brasil, Anna Cunha. Segundo ela, diante da diversidade que o conceito de juventude comporta, só o conhecimento e o respeito à heterogeneidade “das várias juventudes”, que convivem em um mesmo país, permitem a elaboração de políticas públicas eficazes.
“É preciso investir cada vez mais nos jovens. Não apenas para garantir seus direitos, mas para aproveitarmos também o potencial produtivo desse grupo e, assim, impulsionarmos o crescimento econômico do país”, disse Anna, elencando entre as prioridades a educação de qualidade, a capacitação profissional, o acesso a serviços de saúde (entre eles a saúde sexual e reprodutiva) e o combate à violência atinge os jovens – no Brasil, sobretudo os negros.
“Mas é necessário ter em mente que não basta impulsionar as economias. É preciso que o crescimento econômico seja inclusivo e sustentável, respeitando os direitos humanos”, acrescentou Anna. Segundo ela, o Brasil conta com uma população de cerca de 51 milhões de jovens, ocupando a sétima posição entre os países com maior número de pessoas entre 10 e 24 anos – atrás da Índia, China, Indonésia, dos Estados Unidos, do Paquistão e da Nigéria. Um “capital humano estratégico”, se o país lhes proporcionar condições de desenvolver todo seu potencial.
Segundo o relatório Situação da População Mundial em 2014, que a Unfpa divulgou mundialmente hoje (18), cerca de 1,8 bilhão, dos mais de 7 bilhões de habitantes do planeta, têm entre 10 e 24 anos. Ainda assim, segundo a Unfpa, “em um mundo de questões de adultos”, os jovens continuam sendo negligenciados. Com efeitos perniciosos não só para quem está nessa faixa etária, como para os países e suas economias. De acordo com a Unfpa, cerca de um terço dos jovens mundiais, ou seja, mais de 500 milhões de pessoas, vivem abaixo da linha da pobreza, com menos de US$ 2 por dia.
O relatório aponta que os problemas comuns aos jovens de todo o mundo – como a falta de acesso à instrução formal ou a baixa qualidade do ensino, a falta de empregos apropriados, a inexistência de espaços adequados de participação política, entre outros – são agravados pela discriminação de gênero. Em vários países, mesmo quando não são proibidas, as mulheres enfrentam mais dificuldades para estudar, trabalhar e cuidar da saúde que os homens da mesma idade. Exemplos são encontrados também no Brasil.
“Embora tenham uma escolaridade relativamente maior que a dos homens da mesma faixa etária, as brasileiras ainda enfrentam mais dificuldades para ingressar e para se manter no mercado de trabalho, onde são mais discriminadas”, apontou Anna, citando que, na média, as trabalhadoras brasileiras recebem menos do que os homens de sua mesma faixa etária e nível de instrução.
Para Elisa Guaraná de Castro, coordenadora-geral de políticas transversais da Secretaria Nacional de Juventude, que é vinculada à Presidência da República, lidar com a heterogeneidade dos jovens é um desafio. E, embora demandem políticas específicas e haja muitos problemas a superar, essa parcela da população tem se beneficiado da melhoria das condições socioeconômicas dos últimos anos.
“Melhora não apenas como um todo, mas também no recorte das faixas etárias”, sustenta a coordenadora, admitindo que as jovens, os negros entre 10 e 24 anos e os garotos e garotas do meio rural carecem de maior atenção do Poder Público quando se fala em políticas públicas para a juventude. “Estamos enfrentando o tema da violência contra a juventude negra que, no Brasil, sofre não só fisicamente, mas simbólica, econômica e socialmente, devido às desigualdades. Os cerca de 8 milhões de jovens que vivem na área rural são uma prioridade em termos de garantia de acesso à políticas públicas. Assim como as mulheres”.
O vice-presidente do Conselho Nacional da Juventude, Daniel Souza, é impossível pensar em políticas públicas sem levar em conta as especificidades de cada grupo juvenil. “Temos várias iniciativas de qualificação dos jovens. Esse não é o problema. Assim como a falta de emprego também não é o problema. A questão é a rotatividade, o emprego não qualificado. O segundo ponto é o da violência, principalmente o genocídio da juventude negra e da violência contra as mulheres e a homofobia. Outro ponto fundamental é o direito à participação. E o acesso à saúde e o combate às desigualdades”.