Produção segmentada favorece trabalho escravo no setor têxtil, diz auditor
A pulverização da cadeia produtiva do setor têxtil em São Paulo leva à disseminação de condições de trabalho análoga à escravidão neste ramo. A análise é do auditor fiscal do trabalho Roberto Bignami, coordenador do Programa de Erradicação do Trabalho Escravo da Superintendência Regional do Trabalho e Emprego em São Paulo (SRTE-SP). “É um sistema que fraciona a produção e joga para o domicílio toda a célula produtiva”, declarou à Agência Brasil. De acordo com ele, as fiscalizações mostram que, nesses ambientes, o pagamento é feito com base na produção, o que leva a jornadas excessivas, sem que sejam oferecidas condições de segurança e saúde.
O coordenador aponta que a submissão a esse tipo de trabalho, conhecido como “sistema de suor” (termo oriundo do inglês sweating system), ocorre com mais frequência entre trabalhadores estrangeiros. “É um tipo de trabalho que, basicamente, o trabalhador nacional já não aceita. Ele acaba atraindo o estrangeiro e, principalmente, o mais humilde. É o imigrante econômico, que busca melhores condições do que de seu país. A gente tem um nicho muito grande de trabalhadores andinos, basicamente bolivianos, paraguaios, peruanos”, avaliou.
O grande número de trabalhadores sujeitos a essa condição no setor têxtil levou à instauração, em março de 2014, de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) na Assembleia Legislativa de São Paulo. O relatório final, de outubro, estima que existam entre 12 mil e 14 mil sweatshops no estado paulista, o termo em inglês refere-se a locais de trabalho que se confundem com residências e envolve condições extremas de opressão e salários miseráveis. O documento aponta ainda que um empregador que utiliza mão de obra escrava lucra cerca de R$ 2,3 mil por mês sobre cada trabalhador na comparação com aqueles que respeitam a legislação.
A organização não governamental Repórter Brasil, que acompanha os casos de trabalho escravo no setor têxtil desde 2009, registra pelos menos 20 episódios em São Paulo neste período. Marcas famosas, como Zara e M.Officer, foram obrigadas a prestar esclarecimento sobre as condições de trabalho à que as pessoas que fabricam as peças, vendidas em suas lojas, eram submetidas. Um dos últimos casos, verificado em novembro do ano passado, foi registrado na Renner. Foram resgatados 37 trabalhadores bolivianos em uma oficina localizada na zona norte da capital paulista.
“[Atacar esse sistema de produção] implica, necessariamente, a responsabilização jurídica, solidária de toda a cadeia produtiva pelas condições de trabalho nela realizada. Este é o ponto principal”, avaliou Bignami.
Em relação ao flagrante da Renner, o Ministério Público do Trabalho (MPT) firmou, em dezembro passado, um termo de ajustamento de conduta (TAC) com as confecções Kabriolli Indústria e Comércio de Roupas e a Indústria Têxtil Betilha, empresas da linha de produção da loja. O valor de R$ 1 milhão foi estabelecido para o pagamento de verbas rescisórias, salariais e de danos morais individuais aos trabalhadores.
A decisão do MPT apontou que, embora o TAC tenha sido firmado com as duas confecções, isso não isenta a responsabilidade da Renner. A fiscalização constatou que trabalhadores estavam em condições degradantes de alojamento, jornada de trabalho exaustiva de 16 horas, retenção e descontos indevidos de salários, servidão por dívida, uso de violência psicológica, verbal e física e manipulação de documentos contábeis trabalhistas sob fraude. A rede varejista informou, à época do fato, que repudia o uso de mão de obra irregular e que os contratos com os seus fornecedores prevê o cumprimento das leis trabalhistas.