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Direitos Humanos

Violações de direitos e esperança marcam histórias de mães refugiadas no Brasil

Após quatro anos longe das três filhas, Pombo Mukombo Agnès pode
Flávia Villela - Repórter da Agência Brasil
Publicado em 10/05/2015 - 13:53
Rio de Janeiro
Mães refugiadas contam suas experiências e anseios vivendo no Brasil. Na foto, a congolesa Juliene Kiese e seus dois filhos;  Lamama, à esquerda, e Jordi, à direita (Tomaz Silva/Agência Brasil)
© Tomaz Silva/Agência Brasil

Após quatro anos longe das três filhas, Pombo Mukombo Agnès pode comemorar o Dia das Mães neste domingo (10) com pelo menos uma delas. Perseguida por sua opinião política, Pombo fugiu da República Democrática do Congo para o Brasil às pressas, em 2011, e não pôde trazer a família. O marido, que é médico, conseguiu escapar para Angola. As meninas ficaram com a tia. Há um mês, ela juntou dinheiro suficiente para trazer a caçula Christel, de 12 anos.

“O voo era para chegar às 3h50 da manhã. Às 5h, minha filha não tinha saído. Ela tinha saído por outro terminal. Corri para lá. Quando ela me viu, gritou mamãe! Ai, quase chorei”, lembra emocionada.

Atualmente, Pombo trabalha no consulado do Togo no Rio de Janeiro. O Dia das Mães não é tão importante no Congo quanto no Brasil, comenta, embora seja comemorado. “A única coisa que quero de presente de Dia das Mães é reunir minha família. Não deu ainda, porque as passagens são muito caras”.

As duas outras filhas, de 17 e 19 anos, terminam a escola em junho e ela então tentará juntar dinheiro para trazê-las em julho, explica em seu português ainda hesitante. “Que língua difícil! O mais difícil quando cheguei aqui foi conseguir me comunicar. Não entendia nada. Em meu país falamos francês e aprendemos inglês na escola. Nunca pensei que teria que estudar o português”.

A caçula ainda não começou a escola, mas já aprendeu algumas palavras, conta a mãe orgulhosa. “Ontem à noite, já estávamos na cama e ela me chamou de 'chata'”, disse, rindo. Voltar para o Congo é outro sonho de Pombo. “É a minha terra. Tenho muitas saudades. Há muitas coisas boas lá. Se um dia tiver outro presidente e um governo bom, voltarei, com certeza”, afirma.

Conterrânea de Pombo, Helena Makitu passará o Dia das Mães sem os sete filhos que deixou há um ano na capital, Kinshasa, após passar por uma tragédia pessoal. Rebeldes invadiram sua casa, assassinaram o marido e a estupraram. Anos depois, Helena descobriu que havia contraído o vírus HIV devido ao estupro.

O trauma, a violência e a doença a trouxeram para o Rio, onde mora com um irmão, também refugiado. “Não volto para lá nunca mais. Quero trazer todos os meus filhos para cá, mas não tenho dinheiro. Eles estão passando fome lá, dormindo em uma igreja, pois não temos mais casa”, conta, intercalando o francês com o português, que ainda não domina. “O Brasil é o meu país agora, aqui como bem e sou bem tratada”, completa.

Há menos de três meses no Brasil, a congolesa Karine também fugiu da violência extrema na região com o marido e o filho de 1 ano e 6 meses. Ela prefere não revelar o sobrenome. “Fugimos por Ruanda. Lá vendemos tudo que tínhamos, inclusive as alianças, para comprar documentos falsificados e as passagens de avião. Estava muito cansada e nervosa. Dormi a viagem toda. Nem sabíamos para onde estávamos indo”, relembra. Karine diz que escolheu o Brasil para criar o filho, Charles, que já ensaia as primeiras palavras na língua do novo país. “Em vez de dizer maman, diz mamãe e fala não, em vez de ”, comenta em francês.

Ela diz que se sente em casa no Brasil. “Os brasileiros são muito acolhedores. Sinto-me como se tivesse perdido uma família lá e reencontrado outra aqui. Sempre tem alguém perguntando se precisamos de algo, se podem ajudar. Sinto que me dão o amor que perdi lá”, diz. Ela não tem notícias dos parentes desde que saiu do Congo.

Hoje, a família vive de favor com outros congoleses. O marido conseguiu trabalho de faxineiro em uma empresa de segurança. Karine trabalhava como recepcionista de hotel e guia de turismo. A dificuldade de se comunicar dificulta um emprego na sua área aqui. Por isso, é assídua nas aulas de português no Centro de Acolhida para Refugiados da Cáritas RJ, na Tijuca, zona norte, vinculado à Arquidiocese do Rio de Janeiro. No local, há serviços de acolhida e integração a refugiados.

Aline Thuller, coordenadora do programa de atendimento a refugiados da Cáritas-RJ, explica que a maioria dos refugiados no estado é congolesa e que o número de mulheres vem crescendo ano a ano.

“Historicamente a maioria sempre foi de homens, mas temos verificado, especialmente neste ano, uma mudança nesse perfil, com a chegada cada vez maior de mulheres grávidas e com crianças”, informa, ao apontar que poucas vêm com os maridos. “Ou porque o marido foi morto na guerra ou porque a família não tem condições de sair toda junta. Eles dão prioridade às mulheres, já que a violência sexual é uma arma de guerra no Congo”, explica.

Aline ressaltou que doações são bem recebidas, já que muitos refugiados chegam com a roupa do corpo, sem sequer lugar para dormir.

Juliene-Kiese também escolheu o Brasil para ser o lar dos quatro filhos. Ao lado dos mais novos, Lamama, de 6 anos, e Jordi, de 13, ela conta que a família fugiu depois que um amigo do marido foi assassinado. “A esposa dele fugiu para minha casa. A polícia chegou, invadiu nossa casa, espancou meu marido e nos ameaçou de morte”, relata.

No Brasil há quatro meses, Juliene ainda se comunica apenas no idioma lingala e recebe ajuda de colegas na tradução para o português. Já o pequeno Jordi arrisca algumas frases no novo idioma. “O Brasil é muito legal, porque jogo muita bola”, comenta timidamente. Apesar da camisa do flamengo que está vestindo, ele conta que escolheu o time do Botafogo para torcer. Perguntado se deseja voltar para o Congo, responde: “Se nós voltar, nós morre”.

Há cerca de duas décadas, o Congo (ex-Zaire) vive confrontos entre governo, rebeldes e milicianos que já deixaram milhões de mortos e feridos. A violência contra cidadãos inclui sequestros de mulheres e crianças, estupros e outros tipos de violações graves de direitos humanos.

De acordo com o Comitê Nacional para os Refugiados (Conare), o Brasil recebeu mais de 7,6 mil refugiados reconhecidos, de 81 nacionalidades distintas (25% deles são mulheres). Os principais grupos vêm da Síria, Colômbia e República Democrática do Congo (RDC). Em todo o mundo há mais de 16 milhões de refugiados, segundo a Acnur, agência da ONU para refugiados.

O refúgio é uma modalidade específica de migração, e no Brasil, a Lei 9.474, de 1997, garante documentos básicos aos refugiados, incluindo documento de identificação e de trabalho, além da liberdade de movimento no território nacional e de outros direitos civis. As principais causas de refúgio são perseguições por raça, religião, nacionalidade, grupo social ou opiniões políticas e violações generalizadas de direitos humanos.