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Direitos Humanos

Clínicas do Testemunho vão atender vítimas de violência do Estado na democracia

Elaine Patricia Cruz - Repórter da Agência Brasil
Publicado em 04/04/2016 - 22:53
São Paulo

Parentes e vítimas da violência do Estado durante o período democrático poderão receber atendimento psicológico na segunda fase do projeto Clínicas do Testemunho, criado pela Comissão da Anistia do Ministério da Justiça em 2013. Na primeira fase do projeto, o atendimento visava principalmente às vítimas da ditadura militar. Agora, em parceria da British Council, o serviço será estendido às vítimas de violência continuada e recente do Estado.

“As Clínicas do Testemunho são unidades de atendimento psicossocial da Comissão da Anistia que visam a promoção da reparação psíquica a todos aqueles que foram atingidos pela violência institucional durante a ditadura. Mas ela também aponta um trânsito entre o passado e o presente na medida em que ela também estimula uma capacitação de profissionais e de atores para lidarem com as consequências psicológicas e traumas da violência institucional nos dias de hoje”, disse hoje (4) o presidente da Comissão da Anistia, Paulo Abrão.

A segunda fase do projeto tem o apoio da Newton Fund, iniciativa do governo britânico que tem o objetivo de promover o desenvolvimento social e econômico por meio de apoio à pesquisa, ciência e tecnologia. A parceria prevê a capacitação de agentes públicos de saúde e assistência social envolvidos no atendimento de vítimas de violações de direitos humanos nas cidades do Rio de Janeiro, São Paulo, Florianópolis e Porto Alegre, por meio de instituições selecionadas em edital.

O fundo apoia também um projeto de fortalecimento de profissionais da antropologia forense da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) que atuam na identificação de corpos de vítimas da ditadura ou de pessoas que sofreram violência do Estado no período democrático.

A nova fase do projeto prevê, entre outras medidas, atendimento psicológico às mães e parentes de vítimas dos crimes de maio de 2006 [quando confrontos entre policiais e membros do Primeiro Comando da Capital (PCC), em todo o estado de São Paulo, provocaram a morte de quase 500 pessoas, principalmente civis].

Além disso, a parceria entre o fundo britânico, a Universidade de Oxford, o movimento Mães de Maio e o centro forense podem ajudar a promover a exumação dos corpos das vítimas dos crimes de maio e a consequente elaboração de novos laudos periciais sobre as mortes.“Na iniciativa que está sendo gerada pela Secretaria Nacional de Direitos Humanos e a Unifesp, vai ter um trabalho mais forte em torno da vala do Cemitério de Perus [onde corpos das vítimas estão enterrados] e do fortalecimento institucional da capacidade de antropologia forense que poderá ajudar também a situação relacionada aos crimes de maio”, disse Abrão.

Para o médico e coordenador do Centro de Antropologia e Arqueologia Forense da Unifesp, Rimarcs Ferreira, o centro de pesquisa poderá ajudar as famílias dos crimes de maio a pedir a federalização da investigação. “O centro tem um objetivo de prestar assistência às vítimas da ditadura e às vítimas de violência do Estado e da justiça de transição. Essa proposta desenvolvida com os eventos de maio de 2006 poderá dar suporte a várias situações como, por exemplo, a possível federalização desses crimes”, disse.

Crimes de maio

Há quase dez anos as famílias buscam justiça para os crimes cometidos em 2006 e que tiraram a vida de quase 500 civis. João Inocêncio Correia de Freitas, membro do movimento Mães de Maio, perdeu o filho Mateus Andrade de Freitas na época. “No dia 17 de maio [de 2006], atendendo ao apelo do governo de que todos fossem para a escola, meu filho foi para a escola. Ao chegar à escola, a diretora mandou eles [ele e um amigo] de volta para casa. Mas aí apareceu um grupo de extermínio, com máscaras, e matou os dois”, contou.

Com o apoio da equipe de antropologia forense, Freitas espera que, após dez anos, a justiça comece a ser feita e os responsáveis pela morte do filho sejam punidos.

“O número de mortes naquelas duas semanas [de 2006] foi ainda maior que na ditadura militar. Mais de 490 pessoas morreram em menos de duas semanas. Nos inquéritos ninguém apura nada, o Ministério Público arquiva tudo. Até agora não fomos atendidos. Buscamos justiça, nunca a vingança”, disse.