Ocupa Dops promove ato em defesa dos direitos humanos no Rio
Exposição fotográfica, música, teatro, poesia e mesa de debates marcaram o ato Ocupa Dops, promovido no fim da tarde de hoje (16) pelo movimento que pede a transformação do antigo prédio do Departamento de Ordem Política e Social (Dops), na Lapa, centro do Rio de Janeiro, em um espaço de memória das lutas sociais e políticas. O ato é feito “algumas vezes por ano” e nessa edição foram “descomemorados” os 52 anos da ditadura civil-militar.
A ativista e ex-presa política Ana Miranda, integrante do coletivo RJ Memória, Verdade e Justiça, disse que o prédio foi criado em 1910 para ser a Polícia Central na então capital da República, e sempre representou um local de repressão, por onde ela própria passou três vezes.
“Duas delas foi como estudante, na primeira eu fui presa com mais 300 estudantes, depois fui presa em Ibiúna, em São Paulo, no Congresso da União Nacional dos Estudantes (UNE) com mais 800 estudantes. A terceira vez eu fui presa em São Paulo, fiquei de 1970 a 1974, e os últimos nove meses eu passei aqui. Tem um portão de camburão pela lateral e era colocada no depósito de presos São Judas Tadeu, que ficava ali atrás.”
Violência do estado
Para ela, fazer do Dops um local de memória é uma forma de refletir sobre o presente para melhorar o futuro. “Onde a violência do estado é muito grande ainda, muito grande. Então, falar sobre isso é apontar sobre o presente o que a gente pode melhorar no futuro. Em todos os países do mundo se faz isso. Em São Paulo, o Dops virou um memorial da resistência e aqui no Rio a gente não tem nenhum. Aqui foi o centro da repressão do país no golpe de 1937 a 1945. Em 1964 também, as pessoas tinham medo de passar por aqui, passavam pelo outro lado, aqui era um lugar maldito”.
A professora de História do Brasil da Pontifícia Universidade Católica (PUC), Luciana Lombardo, que participou do debate no ato sobre as semelhanças e diferenças entre a conjuntura política e social de 1964 e a de agora, em 2016, lembra que o local foi um espaço de encarceramento ilegal, tortura e morte de militantes de esquerda e de movimentos sociais tanto nas ditaduras quanto durante o período democrático, entre eles, de 1945 a 1964.
“Não era só um presídio político, ele foi prédio da polícia formal, mas ele guarda nessas paredes, nesses tijolos, todo um histórico de repressão aos movimentos sociais. E transformar isso em memória da resistência é estratégico num momento em que a gente vê pela frente, ao lado de uma brutal repressão aos movimentos sociais, caso esse golpe de fato aconteça a partir de amanhã, a gente vê também toda uma esperança, de todo um esforço de resistência que a gente sabe que não vai se calar, a gente sabe que os movimentos não vão aceitar isso de maneira pacífica”.
História
Historiadora, Luciana explica que a história de 2016 não está repetindo a de 1964, já que as particularidades de cada época são muito distintas. “É o mesmo país que em 64 depôs um presidente eleito pela vontade popular e deu início a um período de duas décadas de ditadura. Claro que o contexto muda, dessa vez tem todo um discurso de institucionalidade, mas o impeachment, da maneira que ele está redigido, ele é golpe. Não há nenhum problema em afirmar que esse é o golpe do impeachment. Na verdade, há uma ruptura do caminho institucional previsto na Constituição e essa alegação de crime de responsabilidade não se sustenta”.
Ela destaca que uma diferença importante é que o governo João Goulart estava “fazendo um pacote de reformas progressistas e foi interrompido por forças conservadoras.” E agora o governo vem aceitando aos poucos “um pacote de contrarreformas extremamente conservador”.
“O que a gente observa é que esses setores golpistas querem acelerar esse processo que é marcadamente impopular, antipopular e que vai gerar muita revolta. Isso é fato. Ninguém faz reformas nos serviços públicos, a terceirização, todo esse pacote de leis que vem por aí é de fato um pacote antitrabalhador e eu acho que é o verdadeiro fator dessa crise”.
Como elementos similares nas duas situações, Luciana cita os apoiadores. “A gente vê alguns dos mesmos setores que apoiaram o golpe de 64, como o empresariado nacional, com a Fiesp [Federação das Indústrias do Estado de São Paulo] ali representada, as federações de industriais, da agricultura. A gente vê um papel da grande imprensa que é muito similar, pedindo basta, pedindo fora, abertamente fazendo um trabalho de partido político, que não está neutra nesse processo, muito pelo contrário, está engajada e militante”.
Quanto ao combate à corrupção, que foi usado como mote para as mudanças políticas em 1964 e volta às discussões agora, ela lembra que nada foi feito durante a ditadura para mudar a situação.
“Pelo contrário, inclusive nepotismo, gasto público indevido, a ditadura deixou um legado terrível de crise econômica aprofundada, a década perdida de 80 como ressaca da ditadura está aí para mostrar que a ditadura não saneou a corrupção, não resolveu o problema da corrupção. Isso era uma pauta da direita da época, desse lacerdismo anticomunista que tinha, de fato, uma agenda conservadora, uma agenda antitrabalhista, mas que ali se mascarou de defesa. E agora, no presente, a coisa é mais visível de que não se trata do combate à corrupção porque quem conduz o processo realmente não tem a menor legitimidade, são réus acusados de corrupção”.