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Direitos Humanos

Ex-moradores da Vila Autódromo dizem que promessas não foram cumpridas

Cerca de 400 famílias fizeram acordo com a prefeitura para trocar suas
Akemi Nitahara – Repórter da Agência Brasil
Publicado em 28/06/2016 - 06:02
Rio de Janeiro
Rio de Janeiro - Conjunto habitacional Parque Carioca, na zona oeste da capital fluminense, onde ex-moradores da Vila Autódromo foram realocados  (Tomaz Silva/Agência Brasil)
© Tomaz Silva/Agência Brasil

Rio de Janeiro - Conjunto habitacional Parque Carioca, na Taquara, zona oeste da capital fluminense, onde ex-moradores da Vila Autódromo foram realocados (Tomaz Silva/Agência Brasil)

Rio de Janeiro - Conjunto habitacional Parque Carioca, na Taquara, zona oeste da capital fluminense, onde ex-moradores da Vila Autódromo foram realocados Tomaz Silva/Agência Brasil

Das 500 famílias que viviam na Vila Autódromo - comunidade que ficava ao lado do antigo Autódromo de Jacarepaguá e foi removida para a construção do Parque Olímpico -, cerca de 400 fizeram acordo com a prefeitura para trocar suas casas por um apartamento no condomínio Parque Carioca, na Estrada dos Bandeirantes, zona oeste da cidade. Muitos ex-moradores, entretanto, dizem que as promessas do município não foram cumpridas.

Segundo o eletrotécnico Orlando Santos, o prefeito Eduardo Paes participou de uma reunião com a comunidade em outubro de 2013 e disse, à época, que os apartamentos no Parque Carioca seriam das famílias - “pra gente fazer o que quiser, vender, alugar”. De acordo com Santos, o prefeito não explicou que se tratava de um empreendimento do programa Minha Casa, Minha Vida, do governo federal. “Se tivesse falado que era Minha Casa, Minha Vida ninguém teria saído de suas residências, ou ficaria até o final para negociar um valor justo”, diz Santos.

Em um vídeo gravado pela própria comunidade, o prefeito afirma que os apartamentos teriam valor de mercado de R$ 285 mil (dois quartos) a R$ 400 mil (três quartos) e que os proprietários poderiam fazer o que quisessem com o imóvel. Segundo Santos, entretanto, a realidade é outra: no lugar de um documento de posse, uma dívida de R$ 77 mil, além de um compromisso de não vender ou repassar o imóvel por dez anos.

Rio de Janeiro - O eletrotécnico Orlando Santos, morador do conjunto habitacional Parque Carioca, na Taquara, zona oeste da capital fluminense, critica os problemas de infraestrutura nos apartamentos (Tomaz Silva/Agên

Rio de Janeiro - O eletrotécnico Orlando Santos, morador do conjunto habitacional Parque Carioca, na Taquara, zona oeste da capital fluminense, critica os problemas de infraestrutura nos apartamentosTomaz Silva/Agência Brasil

“Quando as pessoas vão fazer compra em lojas grandes, não necessariamente elas estão com nome restringido por SPC ou Serasa. Mas no levantamento verificam que tem uma dívida muito grande no nome das pessoas, as lojas decidem se a pessoa pode se tornar cliente. Basta ter uma dívida no nome, como muitas pessoas estão, como eu e minha esposa, com uma dívida de R$ 77 mil. A possibilidade de conseguir fazer um empréstimo ou outra compra seria muito maior se não tivesse uma dívida no nome. Eu não estou pagando, mas a dívida é real”.

A prefeitura afirma que, para oferecer uma alternativa de habitação a esses moradores que precisavam ser removidos, construiu, a 1 km de distância, o Parque Carioca, “condomínio com área verde, piscina, espaço gourmet, creche e espaço comercial”. A nota enviada pelo poder municipal não detalha as condições oferecidas na troca nem que se trata de programa do governo federal.

Pressão psicológica

De acordo com Orlando Santos, logo que os primeiros moradores se mudaram, há dois anos, começaram a chegar cartas de cobrança. A prefeitura, no entanto, pediu que eles ignorassem as correspondências, pois o município assumiria as parcelas. Ele diz ainda que os laudos de vistoria feitos nas casas da Vila Autódromo não foram disponibilizados para os moradores, que foram forçados a aceitar as condições da prefeitura.

“Primeiro eles foram lá, mediram a nossa residência, tiraram foto de tudo. Mas eles esconderam o laudo e tentaram barganhar comigo, com muita pressão psicológica, não me deixaram saber o valor da avaliação da minha casa. Falaram que se eu não aceitasse o valor estipulado por eles, eles quebrariam minha casa de qualquer jeito e que eu entrasse na Justiça para, quem sabe, daqui a dois anos, receber alguma coisa. Minha pressão aumentou no dia e fui parar no hospital”, relata Orlando, que morou 20 anos na Vila Autódromo.

>> Leia as matérias da série Vida Removida: a luta pela permanência na Vila Autódromo

Rio de Janeiro - A dona de casa Maria Cordeiro Pereira, moradora do conjunto habitacional Parque Carioca, na Taquara, zona oeste da capital fluminense, mostra a parede do apartamento com os azulejos soltos (Tomaz Silva/

Rio de Janeiro - A dona de casa Maria Cordeiro Pereira, moradora do conjunto habitacional Parque Carioca, na Taquara, zona oeste da capital fluminense, mostra a parede do apartamento com os azulejos soltosTomaz Silva/Agência Brasil

A dona de casa Maria de Cordeiro Pereira também relata pressão psicológica para deixar a Vila Autódromo, onde morou por 20 anos. “Por mim, eu não saía de lá, mas foi muita pressão e eu não estava mais aguentando ficar. Eu já estava ficando perturbada. Eu morava na beira da lagoa, na rua principal. Primeiro falaram que a gente não estava no traçado para sair, depois viraram e falaram que a gente estava. Daí vem dizer que a gente implorou para sair, mas eles obrigaram a gente a implorar para sair”.

Segundo a prefeitura, 549 famílias não precisavam sair do local, pois não estavam no traçado original de remoções, mas 531 fizeram um abaixo-assinado para ter direito às mesmas condições oferecidas para as 275 que deveriam ser removidas por causa das obras do acesso ao Parque Olímpico, da faixa de recuperação ambiental ou área de risco de alagamento. Segundo a prefeitura, a Vila Autódromo tinha 824 famílias, número que diverge do cadastro dos próprios moradores e apoiadores, que aponta cerca de 550 famílias.

O coordenador do Núcleo de Terras da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro, João Helvécio de Carvalho, participou de boa parte das negociações e confirma a pressão psicológica imposta aos moradores.

“Essas 20 famílias que ficaram resistiram heroicamente a todo tipo de proposta do município, todo tipo de pressão, de chantagem, de pressão psicológica e pressão, até mesmo física, de deixar escombros, de cortar água, de cortar luz, criar todo tipo de dificuldade de permanência, e isso levou a grande maioria a sair, não só para o Parque Carioca, mas para receber indenizações pelas suas benfeitorias e abandonar o local”.

Segundo a prefeitura, “o processo de negociação com os moradores da Vila Autódromo sempre foi transparente” e, desde o início, “várias reuniões de grupo foram realizadas para o esclarecimento e atendimento individual às famílias”.

Problemas no Parque Carioca

Rio de Janeiro - A cozinheira Maria de Fátima Alves da Silva e sua família no apartamento do conjunto habitacional Parque Carioca, na Taquara, zona oeste da capital fluminense (Tomaz Silva/Agência Brasil)

Rio de Janeiro - A cozinheira Maria de Fátima Alves da Silva e sua família no apartamento do conjunto habitacional Parque Carioca, na Taquara, zona oeste da capital fluminenseTomaz Silva/Agência Brasil

Outras famílias removidas da Vila Autódromo também reclamam de terem recebido apartamentos do Minha Casa, Minha Vida. A cozinheira Maria de Fátima Alves da Silva conta que pagava aluguel na comunidade e já estava no cadastro do programa habitacional há cinco anos, mas nunca havia sido chamada. Ela conta que seus pais também estavam no cadastro. Há dois anos, acabaram “furando a fila” por estarem na comunidade removida. Porém, apesar de serem três famílias em uma casa grande, eles foram levados a um apartamento de dois quartos onde agora moram quatro adultos e cinco crianças.

“Quando foram lá, falei que a gente pagava aluguel e já estava no cadastro do Minha Casa, Minha Vida, falaram que ninguém ia ficar sem [apartamento]. Depois, falaram que só podiam dar um apartamento de dois quartos. A gente não queria sair de lá, tem uma criança com deficiência que fazia fisioterapia no Sarah e teve que parar. As menores estudavam lá perto. Falaram que o [apartamento] de três quartos era só para os primeiros que concordassem em vir, independentemente de ser solteiro ou ter filho.”

Além de críticas à forma de negociação da prefeitura, Maria de Fátima relata problemas no apartamento. “Já veio mofado, com rachadura, vários problemas, tudo feito às pressas, com má qualidade, cerâmica rachada, com furo, teve gente que pegou apartamento todo sujo, tinha larvas no vaso porque ficou muito tempo parado, só problema”.

Rio de Janeiro - A dona de casa Sônia Maria da Silva moradora do conjunto habitacional Parque Carioca, na Taquara, zona oeste da capital fluminense, fala sobre os problemas de seu apartamento (Tomaz Silva/Agência Bra

Rio de Janeiro - A dona de casa Sônia Maria da Silva moradora do conjunto habitacional Parque Carioca, na Taquara, zona oeste da capital fluminense, fala sobre os problemas de seu apartamentoTomaz Silva/Agência Brasil

No apartamento da dona de casa Sônia Maria da Silva, os azulejos da cozinha e da área de serviço se soltaram e há uma rachadura no teto da sala. “O teto está rachado e faz tempo, já falei com a prefeitura e falaram que era só pintar e não vieram mais. Falei que o azulejo caiu todinho, até hoje não vieram colocar, falei com a Caixa e também não veio ninguém. O prefeito não está nem aí para os pobres, só quer saber de voto”.

Rio de Janeiro - A entregadora Luciana Sousa da Silva, moradora do conjunto habitacional Parque Carioca, na Taquara, zona oeste da capital fluminense, critica os problemas de infraestrutura dos apartamentos (Tomaz Silv

Rio de Janeiro - A entregadora Luciana Sousa da Silva, moradora do conjunto habitacional Parque Carioca, na Taquara, zona oeste da capital fluminense, critica os problemas dos apartamentosTomaz Silva/Agência Brasil

O apartamento da entregadora Luciana Sousa da Silva, que mora com o marido e 12 filhos em um três quartos, tem várias cerâmicas soltas e quebradas no meio do corredor, azulejo quebrado na cozinha e batente da porta soltando. Ela conta que a prefeitura prometeu a construção de um quiosque para que ela pudesse continuar vendendo refeições, como fazia na Vila Autódromo, mas que isso não foi cumprido. Além disso, segundo ela, a tarifa de energia elétrica não é social, como prometido, e a conta mensal gira em torno de R$ 400.

A prefeitura não respondeu à reportagem sobre os problemas nos imóveis. Segundo a Caixa Econômica Federal, operadora do programa Minha Casa, Minha Vida, os beneficiários podem denunciar problemas nos imóveis por meio do Programa Caixa de Olho na Qualidade, pelo telefone 0800-721-6268. Segundo o banco, podem ser denunciados problemas como “vícios construtivos, uso irregular, invasão, venda ou ociosidade”. Atualmente, há 20 ocorrências no banco em relação a imóveis no Parque Carioca. A construtora já foi notificada. 

“Quando recebe reclamações, a Caixa realiza visita técnica e aciona a construtora para providenciar os reparos necessários. Caso os reparos não sejam efetuados, a empresa é incluída em um cadastro restritivo interno (Conres), assim como seus sócios, dirigentes e responsáveis técnicos, impedindo-a de efetuar novas contratações com o banco e contrata a solução, por meio de outra empresa, além de acionar a construtora na justiça para ressarcimento dos custos”.

O banco informa que os contratos do Parque Carioca estão sendo pagos em dia pela Prefeitura do Rio de Janeiro e que o aluguel e a venda dos imóveis são proibidos até a quitação – prevista para 2024.



Vida removida: a luta pela permanência na Vila Autódromo