Organizações apresentam reclamação ao CNJ contra desembargador do caso Carandiru
Um grupo de organizações que atuam na área de direitos humanos irá apresentar amanhã (18) uma reclamação contra conduta do desembargador Ivan Sartori à presidente do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), ministra Carmen Lúcia. O magistrado presidiu a sessão da 4ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo, no último dia 27 de setembro, que anulou os julgamentos dos 74 policiais militares acusados de participar do Massacre do Carandiru, em 1992.
No documento, as organizações de direitos humanos reclamam da argumentação do magistrado, que não teria levado em conta o conjunto das provas do caso. Também é questionada a postura de Sartori, que tentou ligar o trabalho jornalístico ao crime organizado ao manifestar-se pelas redes sociais. “O voto do desembargador é incabível em crimes contra direitos humanos no qual os policiais militares excederam seu poder, matando os presos que não apresentavam resistência”, afirmam as entidades.
Assinam o documento o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, a Conectas, a Justiça Global, o Conselho Nacional de Igrejas Cristãs do Brasil, a Comissão Justiça e Paz, o Laboratório de Políticas Públicas da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, o Centro pela Justiça e o Direito Internacional e os institutos Paulo Freire, Sou da Paz e Vladimir Herzog.
Dentro e fora do Tribunal
Ao votar pela absolvição dos policiais, o desembargador chegou a negar a ocorrência de um massacre, alegando que os agentes agiram em legítima defesa. Durante o julgamento, ele tentou convencer os dois outros magistrados, que tinham votado pela anulação dos júris, para que seguissem seu posicionamento e absolvessem os réus.
Diante da decisão dos desembargadores em votar somente pela anulação das condenações, Sartori invocou um dispositivo do Código do Processo Civil para pedir a manifestação dos outros dois membros da câmara sobre a absolvição. O procedimento foi incomum, uma vez de que se tratava de matéria criminal. Os magistrados, entretanto, se abstiveram de analisar o mérito da questão.
Após a repercussão do caso na imprensa, Sartori passou a reclamar do trabalho jornalístico nas redes sociais. “Diante da cobertura tendenciosa da imprensa sobre o caso Carandiru, fico me perguntando se não há dinheiro do crime organizado financiando parte dela, assim como boa parte das autodenominadas organizações de direitos humanos”, disse em sua conta no Facebook no dia 4 de outubro, pouco mais de uma semana após o julgamento.
O desembargador aponta como principal falha da acusação não ter individualizado a conduta dos réus. Nesse processo não se sabe quem matou quem, quem fez o quê”, disse, exaltado, ao apresentar seu voto no julgamento. “Que pode algum assassino ter agido ali no meio dos policiais, não se nega. Eu sempre ressalvei isso. Mas, qual é ou são eles? Esse o problema”, reafirmou ao se manifestar nas redes sociais.
Entre os fatores que dificultam a atribuição de crimes específicos aos policiais que participaram da operação está o desaparecimento de provas. Os projéteis recolhidos dos corpos das vítimas durante as autópsias desapareceram antes que fossem feitos os exames para identificar de quais armas foram feitos os disparos.
Carandiru
No dia 2 de outubro de 1992, a Polícia Militar de São Paulo matou 111 presos em operação para controlar uma rebelião na Casa de Detenção de São Paulo. Conhecido como Carandiru, o presídio inaugurado em 1920 funcionava na zona norte da capital. O local chegou a abrigar 8 mil detentos no período de maior lotação. A unidade foi desativada e parcialmente demolida em 2002.
Por envolver grande número de réus e de vítimas, o julgamento foi dividido, inicialmente, em quatro etapas, de acordo com o que ocorreu em cada um dos pavimentos da casa de detenção. Os 73 réus foram condenados a penas que variam de 48 a 624 anos. Um dos acusados foi julgado em separado, sendo igualmente condenado.