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Direitos Humanos

Comissão da Verdade de Minas detalha torturas e reafirma tese de atentado a JK

Léo Rodrigues - Repórter da Agência Brasil
Publicado em 13/12/2017 - 22:58
Rio de Janeiro

A Comissão da Verdade em Minas Gerais apresentou hoje (13) o seu relatório final após quatro anos de investigação sobre as violações de direitos humanos no estado entre 1946 e 1988. O foco maior recaiu sobre o período em que vigorou o regime militar. Em um dos capítulos do documento de 1.781 páginas, há uma análise das mortes de Juscelino Kubitschek e do motorista Geraldo Ribeiro. A comissão concluiu que, “considerando o contexto da época, as distintas contradições das avaliações periciais, os depoimentos e pareceres jurídicos, pode-se afirmar que é plausível, provável e possível que as mortes tenham ocorrido devido a atentado político”.

JK morreu em 1976, supostamente em um acidente automobilístico na Rodovia Presidente Dutra, quando o Opala em que viajava se chocou com um caminhão. Relatório da Comissão da Verdade da Cidade de São Paulo, publicado em 2014, já havia levantado 90 indícios de fraude na versão oficial e defendeu o reconhecimento do assassinato. Em 1964, quando ocorreu o golpe militar, JK ocupava o cargo de senador, após presidir o país entre 1956 e 1961. Acusado de corrupção e de conspiração, teve os direitos políticos cassados em junho daquele mesmo ano.

Segundo as investigações conduzidas pela comissão mineira, a causa da morte de JK não foi apurada de maneira satisfatória na época. O exame toxicológico não teria sido feito no condutor do Opala. Além disso, há imagens contraditórias em distintos laudos. Um deles mostram fotos traseiras do veículo sem avarias, enquanto, em outro, datado do dia seguinte ao acidente, o carro aparece amassado. “A perícia do Opala, realizada em 1996 para avaliação de explosão ou sabotagem, foi feita em veículo com chassi diferente do Opala de 1976”, acrescenta o documento.

Presos políticos

A Comissão da Verdade em Minas Gerais foi criada em 2014 e seguirá funcionando até 7 de fevereiro de 2018. A íntegra do relatório das investigações está disponível na internet. O documento registra que foi possível identificar 1.531 presos políticos em Minas Gerais. O documento também traz informações dos grupos de resistência à ditadura que atuaram no território mineiro. São apresentados detalhes dos desaparecimentos ou mortes de 17 mineiros no próprio estado e de outros 49 fora.

É neste capítulo que entra a análise do suposto acidente envolvendo JK. Além do episódio relacionado ao ex-presidente, há outros relatos trágicos, como o de Flávio Ferreira da Silva, ex-prefeito de Barreiro Grande, cidade que posteriormente foi renomeada para Três Marias. Por ter participado de evento com o presidente João Goulart antes da deposição pelos militares, foi cassado, preso e torturado com choques e pancadas. Dez anos depois dos episódios, com diversos problemas psicológicos, ele matou a mulher e se suicidou.

Torturadores

Também são identificados, a partir de todos os depoimentos coletados, 125 torturadores. Cinco dos quais foram citados mais de 60 vezes. O nome do coronel Hilton Paula da Cunha Portela é o mais recorrente nos relatos. Uma de suas vítimas, na época uma estudante de ciências sociais da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), relata que seus mamilos foram apertados até sangrar e, no dia seguinte, mesmo estando debilitada, foi submetida a choques e abuso sexual.

Outro relato impressionante é o de José Adão Pinto, ex-militante do Partido Comunista Brasileiro (PCB). Entre diversas sequelas, ele ficou estéril em decorrência de um cabo de vassoura inserido no seu ânus. De acordo com o relatório, os torturadores eram homens preparados, que ostentavam altas patentes militares ou ocupavam funções como delegados, agentes e outros profissionais. Entre os torturados, são recorrentes a presença de sequelas psicológicas como ansiedade, depressão, claustrofobia, angústia e insegurança.

Locais da repressão

O documento lista ainda 98 locais em Minas Gerais utilizados para tortura e repressão, entre eles o edifício onde funcionava o Departamento de Ordem Política e Social (Dops), no centro de Belo Horizonte, cujo arquivo remanescente foi uma importante fonte de consulta. O presídio de Linhares, em Juiz de Fora, também é citado. Lá, estiveram presos figuras reconhecidas da política brasileira, como o governador mineiro Fernando Pimental; o ex-prefeito de Belo Horizonte Márcio Lacerda; e a ex-presidente Dilma Rousseff.

Foi do presídio em Juiz de Fora que vieram os primeiros documentos físicos produzidos pelos presos políticos no Brasil dando conta da tortura. As Cartas de Linhares, como ficaram conhecidas, foram encaminhados ao Conselho de Defesa da Pessoa Humana com o objetivo de divulgar os métodos empregados pela ditadura. Elas detalhavam o percurso dos presos após suas detenções. Entre seus signatários, estão o ex-prefeito Márcio Lacerda.

Recomendações

Ao fim, o relatório apresenta diversas recomendações ao Poder Público, com o objetivo de garantir o direito de acesso às informações do período, mitigar os danos e prevenir novas violações. Propõe, por exemplo, a alteração de nomes de praças, ruas e outros locais públicos, de forma a substituir a menção a apoiadores do regime militar e das violações por homenagens a vítimas do período.

Também sugere a criação de um Memorial de Direitos Humanos a ser instalado no prédio onde funcionou o Dops. Outras medidas recomendadas são a criação de um programa de atendimento psicológico às vítimas e a capacitação das polícias sobre a atuação em casos de detenção, superando métodos remanescentes do período militar. Há ainda indicação para que se crie uma comissão indígena da verdade, para analisar violações específicas sofrida pelos índios.