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Direitos Humanos

Anistia Internacional quer comissão independente para caso Marielle

ONG apresentou no Rio o relatório O labirinto do caso Marielle Franco
Akemi Nitahara - Repórter da Agência Brasil
Publicado em 14/11/2018 - 17:52
Rio de Janeiro

No dia em que faz oito meses dos assassinatos da vereadora Marielle Franco (PSOL-RJ) e do motorista Anderson Pedro Gomes, a Anistia Internacional recomendou hoje (14) que uma comissão externa independente acompanhe as investigações em curso no país. Para a entidade, o grupo deve ser formado por peritos, juristas e especialistas sob o argumento da existência de lacunas em relação ao crime.

A preocupação da organização não governamental é verificar se todas as linhas de investigação estão sendo exploradas, se há negligência e também interferência indevida na investigação criminal. O assassinato ocorreu na noite de 14 de março, no centro do Rio de Janeiro, quando Marielle saía de um evento político.

A Anistia Internacional divulgou hoje (14) o documento denominado O labirinto do caso Marielle Franco, que analisa o caso em cinco eixos temáticos, e alerta para ausência de respostas e as informações desencontradas.

A divulgação do documento ocorreu, no Rio de Janeiro, na presença de Marinete e Antônio da Silva, pais da vereadora morta. “A impressão que eu tenho é que nós estamos enxugando gelo. Oito meses passados e nós fazemos as mesmas perguntas e não temos ainda nenhuma resposta. Esse caso é realmente um labirinto”, desabafou a mãe.

Investigações

Para a Anistia Internacional, as preocupações envolvem o andamento das investigações e informações desencontradas por parte das autoridades. Em maio, o chefe da Polícia Civil do Rio, Rivaldo Barbosa, anunciou que a elucidação estaria próxima; logo depois, o secretário de Segurança do Rio, general Richard Nunes, admitiu que a conclusão das investigações poderia não ocorrer neste ano. Houve ainda informações por parte da Secretaria de Segurança Pública do governo federal.

A coordenadora de Pesquisa da Anistia Internacional, Renata Neder, alertou que há um “histórico brasileiro” de assassinatos de defensores de direitos humanos e de baixa resolução de homicídios. Para ela, há indícios que apontam, sim, para a participação de agentes do Estado no crime.

“Pelo que foi divulgado publicamente, tudo sugere que, sim, teria havido a participação de policiais ou outros agentes da segurança. Foi um crime extremamente planejado, sofisticado, a arma usada, a munição usada, a câmera desligada, a precisão dos disparos com dois carros em movimento. As informações públicas sugerem que, em diferentes níveis, possam ter agentes da segurança envolvidos nesse assassinato.”

Para Marinete, mãe de Marielle, não é necessário federalizar as investigações. “A gente continua com esperança, se faz necessário que se continue acreditando nesse trabalho que está sendo feito. Se tiver um grupo para averiguar o que deixou de ser feito, sem fazer investigação paralela, seria importante sim. Acho que federalizar o caso não é o momento, eles já estão contribuindo quando necessário. Se for para somar, ótimo, mas federalizar totalmente eu discordo. Mas qualquer contribuição para ajudar é válida”.

Labirinto

Para Renata Neder, ainda há questões não respondidas, que indicam inconsistências, incoerências e contradições no caso. “A avaliação da Anistia Internacional, ao olhar todas essas informações em conjunto, depois de oito meses, é que a investigação do caso parece se encontrar dentro de um labirinto, com uma série de caminhos inexplorados e beco sem saída. Existem muitas informações graves que foram divulgadas publicamente e que depois não tiveram qualquer resposta ou explicação minimamente razoável por parte das autoridades.”

Renata Neder disse que a primeira questão gira em torno dos disparos e da munição utilizada no crime. Segundo as informações, Marielle teria sido atingida por quatro disparos na cabeça, de 13 tiros disparados e a munição calibre 9mm, de uso restrito no Brasil, de um lote da Polícia Federal, que teria sido desviado nos Correios na Paraíba.

Há informações ainda que a munição do mesmo lote foi usada em uma chacina em São Paulo, em agosto de 2015, com 20 vítimas em Osasco e Barueri. A Anistia Internacional questiona se a munição pertence mesmo ao lote, como foi extraviado e por quem, como a munição chegou ao Rio de Janeiro e qual a relação com o grupo de extermínio de São Paulo.

Em relação à arma do crime, as informações iniciais eram que foi utilizada uma pistola 9mm adaptada para fazer disparos em sequência, depois foi citado o uso de uma submetralhadora HK-MP5 com poucas unidades no Brasil (utilizadas pela Polícia Civil e Polícia Militar do Rio de Janeiro).

Foi denunciado o desaparecimento de cinco armas como esta. A Anistia Internacional questiona como as armas desapareceram, quem são os responsáveis e o que foi feito para aumentar o controle de armas nas instituições do estado.

Questionamentos

A organização não governamental questiona também a forma como foram analisados os carros e aparelhos eletrônicos usados no crime e as câmeras de segurança da cidade, que teriam sido desligadas no local da emboscada no dia anterior.

Nas imagens, um dos suspeitos aparece com um celular, antes de entrar em um carro e fugir. A Anistia Internacional quer saber se o aparelho foi rastreado e se as placas foram clonadas. Também há perguntas sobre o desligamento das câmeras e de onde vieram e para onde foram os carros.

A entidade também levanta dúvidas sobre os procedimentos investigativos, pois os corpos de Marielle e Anderson não teriam passado pelo raio X, conduta padrão em casos de homicídio, sob a justificativa de que não haveria equipamento disponível.

Há, ainda, indicações, segundo a organização, de que o carro onde eles estavam não teriam sido armazenados de forma adequada e policiais militares teriam dispensado as testemunhas oculares que estavam presentes no local do crime, que também não teriam sido ouvidas posteriormente.

Homenagens

Também para marcar os oito meses do assassinato e celebrar o legado e a memória de Marielle, será lançado, às 18h de hoje, na Câmara de Vereadores da cidade, o livro UPP: a favela reduzida a três letras – Uma análise da política de segurança pública do estado do Rio de Janeiro, fruto da dissertação de mestrado de Marielle em Administração Pública na Universidade Federal Fluminense.