Fim de desonerações divide opiniões de empresários e é bem-visto por analistas
O fim das desonerações anunciado pelo governo federal para equilibrar as contas públicas foi criticado por alguns setores empresariais, mas bem-visto por outra parte dos empreendedores e analistas.
Em vigor desde 2011, a desoneração da folha de pagamento atualmente beneficia 56 setores da economia, que pagam 2,5% ou 4,5% do faturamento para a Previdência Social, dependendo do setor, em vez de recolherem 20% da folha. Com o fim da isenção para quase todos os setores beneficiados, o governo espera arrecadar R$ 4,8 bilhões apenas este ano.
O governo também acabará com a isenção de Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) para operações de crédito das cooperativas, medida que deve render R$ 1,2 bilhão em receitas.
Para o presidente da Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção (Abit), Fernando Valente Pimentel, a desoneração da folha de pagamento é “altamente nociva” para o setor. “Prejudica o custo de abastecimento local, a competitividade internacional e a geração de caixa para retomada dos investimentos”, disse o executivo à Agência Brasil.
Segundo Pimentel, a redução da carga tributária era uma forma de corrigir a oneração excessiva dos setores intensivos em mão de obra. “O nosso setor tem uma concorrência insana externa e interna. Nós vamos jogar mais uma carga de custos das empresas, que já vêm fragilizadas e debilitadas”, criticou.
Para o representante do setor têxil, a medida não condiz com outras ações do governo. “Em um momento em que o governo apresenta um Refis [parcelamento especial de dívidas com a União] para melhorar as condições de fluxo de caixa, ele aumenta o custo empresarial das empresas que permaneceram no vermelho”, analisou.
Além do fim da desoneração da folha de pagamento, que afetará diretamente as empresas do setor, Pimentel disse que a mudança em relação ao IOF atingirá os pequenos empreendedores que compram de cooperativas. De maneira geral, o executivo estima que as altas de tributos vão elevar os custos das empresas em até 2% da receita bruta.
A Federação do Comércio de São Paulo (FecomercioSP) também “não vê com bons olhos” o fim das desonerações, segundo o assessor técnico da entidade, José Lázaro de Sá. “Primeiro, porque o impacto econômico do ajuste fiscal que o governo vem defendendo é insignificante perto da pressão que ele acaba impondo à categoria produtiva, que acaba sempre suportando a recessão econômica”, ressaltou.
Sá disse que apesar de não ser impactado diretamente, o varejo também deve sentir os efeitos negativos da alta tributária. “Essa medida do governo nós entendemos que ela é inoportuna. Ela gera uma instabilidade, porque vai na contramão da proposta de desburocratização para destrancar a atividade econômica e impacta no comércio varejista.”
O presidente da Associação Comercial de São Paulo, Alencar Burti, avalia que o fim das desonerações “vai retardar a recuperação econômica brasileira”, que está em recessão. “A medida tem o mesmo efeito de um aumento de imposto”, destacou. Burti ponderou, no entanto, que entende as razões que levaram o governo a reverter as desonerações. “Pode até ser correta porque corrige uma distorção gerada por uma decisão tomada no passado, mas está sendo aplicada num momento inoportuno, devido à situação da economia e do emprego”.
Em nota, a Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (Firjan) classificou de ”lamentável retrocesso” o fim da desoneração da folha de pagamentos. “A medida desestimula as empresas exatamente quando o emprego começa a dar os primeiros sinais de retomada após dois anos. A indústria da transformação será a mais atingida, pois já é penalizada com a maior carga tributária da economia brasileira. Quase a metade de tudo o que produz é direcionado ao pagamento de impostos”, destaca a entidade.
Medida necessária
O presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), Paulo Skaf, defendeu as medidas. “O bom senso prevaleceu, e optou-se por contingenciar recursos do Orçamento, pela receita de concessão de ativos da União e por promover a isonomia na forma de recolhimento de algumas contribuições e impostos. Foi uma medida sensata e responsável, que evita um mal maior”, disse, em nota enviada à imprensa.
Economistas da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e do Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais (Ibmec) também avaliam que a suspensão das desonerações para cerca de 50 setores da economia era a opção para melhorar a situação fiscal com menor impacto negativo para a sociedade.
Para o pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da FGV (Ibre/FGV) Manoel Pires, o governo precisou corrigir uma avaliação errada feita no ano passado, quando o Orçamento foi encaminhado ao Congresso com a previsão de 1,6% de crescimento em 2017. A expectativa de variação do Produto Interno Bruto (PIB) deste ano foi revisada para 0,5%, e o desempenho mais modesto da economia gerou menos arrecadação para o governo. Além disso, segundo Pires, o governo encaminhou a Lei Orçamentária contando com receitas incertas que precisaram ser revistas, como previsões otimistas com concessões à iniciativa privada.
“Havia uma percepção de que muitos dos problemas na economia tinham a ver com a mudança do governo, e que com a mudança se poderia gerar um ciclo de confiança e voltar a crescer. O problema é que a gente tem questões estruturais, como alavancagem e a crise dos estados, que mostraram que não é só uma questão de confiança”, disse o especialista em economia aplicada, que considerou adequada a suspensão das desonerações. “Eu diria que, das opções que o governo tem, o fim da desoneração é que a parece trazer menor impacto negativo. As outras opções seriam, por exemplo, aumentar o IOF em um mercado de crédito bastante prejudicado e que não sinaliza recuperação.”
Apesar disso, Pires diz que o governo poderia ter sido mais “arrojado” e suspendido a desoneração de todos os 56 setores. A medida anunciada ontem (29) pelos ministros da Fazenda, Henrique Meirelles, e do planejamento, Dyogo Oliveira, poupa o transporte rodoviário coletivo de passageiros, o transporte ferroviário e metroviário de passageiros, a construção civil e obras de infraestrutura e a comunicação. O economista da FGV destaca que as medidas ainda podem ser suavizadas no Congresso e, por isso, poderiam ter ido além.
“Me preocupa um pouco a questão do médio prazo. Muitas receitas que o governo inclui no cenário fiscal são pontuais, entram neste ano e não nos próximos. O contingenciamento não é sustentável por muito tempo, não se consegue adiar essas despesas indefinidamente. Me parece que, para essa confiança [do mercado] ser atingida, é preciso se engajar em medidas mais estruturais”, ponderou.
Para o professor do Ibmec e economista da Órama Investimentos, Alexandre Espírito Santo, o governo tinha poucas alternativas: “O país perdeu arrecadação e as despesas continuam subindo. E essas despesas já estão carimbadas, não têm margem de manobra. A alternativa a isso era aumento de impostos, que não ia bater somente nesses setores, mas na sociedade como um todo. Diante do que temos, o bom é inimigo do ótimo. Se teve que afetar um ou outro setor e não penalizar a sociedade como um todo.”
No entanto, o economista do Ibmec vê possíveis efeitos negativos de curto prazo com o aumento do custo para empresas e a redução de gastos do governo. Eventualmente, no curtíssimo prazo, as medidas vão no sentido contrário de crescimento”, prevê. “Mas, em economia, a gente se move por expectativa, e o que o governo está tentando fazer, e eu acho adequado, é sinalizar para empresários e investidores internacionais que está corrigindo as distorções do país”, analisou.
O diretor de Estudos e Políticas Macroeconômicas do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), José Ronaldo de Castro Souza Jr, pondera que, apesar de a desoneração da folha de pagamento gerar custos para alguns setores, é muito pior ter um setor público desequilibrado. “Hoje, ter uma melhora dos indicadores fiscais, seja ele pelo cumprimento da meta ou por alguma surpresa positiva via arrecadação, teria mais impacto positivo do que negativo porque tornaria mais crível essa mudança na trajetória da dívida pública”, afirmou.
Previdência
A Força Sindical também se posicionou favoravelmente ao fim das desonerações. “O fim da desoneração da folha de pagamento é uma reivindicação histórica do movimento sindical. Foi uma das primeiras apresentadas pelos trabalhadores ao atual governo. A medida efetivada agora ajuda a recompor o caixa da Previdência. Para que tenha maior eficácia, deverá ser ampliada até chegar a todos os setores da economia”, destacou o presidente da central sindical, o deputado federal Paulo Pereira da Silva (SD-SP).
“O governo deve aproveitar o momento e acabar, também, com as isenções de recolhimento à Previdência das entidades filantrópicas”, acrescentou o sindicalista, que defendeu ainda a cobrança de tributos previdenciários das empresas do agronegócio. “Com tudo isso feito, a reforma da Previdência apresentada pelo governo não precisa ser tão dura”, acrescentou o sindicalista.
Mercado
O gestor da GGR Investimentos, Rafael Sabadell, ponderou que mesmo com o fim das desonerações e corte de despesas, o esforço não será suficiente para cobrir o rombo nas contas públicas. “Provavelmente ainda haverá alta de impostos para cobrir a parte remanescente do déficit projetado, mas não deverá ser uma elevação tão expressiva quanto sinalizado anteriormente”, destacou.
Sabadell avalia, no entanto, que o governo está lidando bem com os problemas apresentados. “O realismo mostrado pelo ministro da Fazenda é importante e revela o comprometimento com a transparência. O esforço adicional para diminuir a necessidade de impostos também demonstra o esforço em realizar o ajuste fiscal da melhor maneira possível, mesmo que seja impossibilitado pelo comprometimento da maior parte das despesas.”
Para o diretor de câmbio da FB Capital, Fernando Bergallo, “as medidas anunciadas pelo ministro da Fazenda causaram impacto positivo no mercado, aliviando a pressão de alta no dólar”. Segundo o analista, o compromisso com a meta fiscal ajuda a melhorar a confiança dos investidores no governo.
*Colaborou Ana Cristina Campos e Alana Gandra