Coluna - Futebol e paradesporto, uma parceria possível
Na última quinta-feira (12), Corinthians e Vasco da Gama decidiram vaga em uma decisão nacional. Diferente, é verdade, daquelas sobre as quais o leitor está acostumado. O clássico entre os gigantes de Rio de Janeiro e São Paulo valia classificação à final do Campeonato Brasileiro de vôlei sentado masculino, para atletas com deficiência na locomoção, disputado no Centro de Treinamento Paralímpico, na capital paulista.
É comum ver clubes de renome no futebol brasileiro brilhando em esportes olímpicos. A história de muitas dessas modalidades por aqui passa por atletas oriundos de emblemas tradicionais dos gramados, como Flamengo, Botafogo, Santos e Palmeiras, além dos próprios Corinthians e Vasco. Acontece que o envolvimento dos chamados "clubes de camisa" com o paradesporto é algo incipiente. Mas em evolução.
O próprio Vasco, por exemplo, tem um departamento de Esportes Paralímpicos desde 2010. À ocasião, passou a ter times de vôlei sentado e futebol de 7 (para atletas com paralisia cerebral), mas já em 2004 a natação adaptada ganhou espaço no clube, representada por Mauro Brasil, medalhista de prata e bronze na Paralimpíada de Sydney, na Austrália, em 2000.
O Cruzmaltino é forte nas três modalidades. Além de atual campeão brasileiro no fut-7 e sempre candidato a título no vôlei, o clube carioca tem alguns dos principais nadadores paralímpicos do país, como os irmãos Douglas e Thomaz Matera, Roberto Alcalde e Joana Neves, todos medalhistas nos Jogos Parapan-Americanos de Lima, no Peru.
Já o Corinthians, além do vôlei sentado, também tem equipes de basquete em cadeira de rodas e triatlo paradesportivo. Conta, ainda, com times de futsal para atletas com síndrome de Down e futebol para amputados - modalidades que não integram o programa paralímpico.
Os esportes são mantidos por meio de parcerias. No vôlei, por exemplo, é com o Instituto Ética, firmada no ano passado. Já no basquete, também iniciada em 2018, é com o Centro de Apoio ao Deficiente (CAD), de São José do Rio Preto (SP). A instituição do interior paulista, que já tinha um título nacional antes de representar o Timão, sagrou-se tricampeã no último dia 6 de dezembro, na segunda temporada como CAD/Corinthians.
Outro alvinegro paulista, o Santos mantém um time de goalball desde 2006, tendo como parceiro o Lar das Moças Cegas (LMC), instituição da cidade que atende pessoas com deficiência visual. A equipe, atualmente, é uma das potências da modalidade, com jogadores como Leomon Moreno e Romário Marques, destaques da seleção bicampeã mundial ano passado e medalhista de bronze na Paralimpíada do Rio de Janeiro, em 2016.
Desde 2011, quando o campeonato nacional da modalidade passou a ser organizado pela Confederação Brasileira de Desportos de Deficientes Visuais (CBDV), o Santos foi campeão três vezes - duas no masculino e uma no feminino. Em 2019, foi vice entre os homens.
Os exemplos não se limitam ao eixo Rio-São Paulo. No Pará, o Remo anunciou, no ano passado, a criação de seu departamento de Esportes Paralímpicos. O clube abraçou o All Star Rodas, instituição de Belém que foi a base da seleção feminina de basquete em cadeira de rodas medalhista de bronze no Parapan de Lima. O título brasileiro conquistado este ano foi o segundo da "dobradinha" e o 18º da associação.
No masculino, o terceiro lugar na segunda divisão colocou a parceria na elite nacional da modalidade para 2020. E aí uma curiosidade: o regulamento do torneio de acesso permitia escalar duas mulheres. Uma das escolhidas pelos remistas - Vileide Brito, a Vivi, atleta da seleção feminina com três Paralimpíadas no currículo - acabou como cestinha da competição.
Há, ainda, casos de atletas contratados por clubes que não necessariamente têm equipes para a modalidade adaptada. O Palmeiras trouxe em fevereiro do ano passado a medalhista de prata na Rio 2016 Alana Maldonado - que, meses depois, tornou-se campeã mundial de judô para cegos. Ela, inclusive, deu volta olímpica (ou paralímpica?) no Allianz Parque. Em março deste ano, o Verdão contratou outro judoca: Thiego Marques.
Já o rival Corinthians, em novembro último, acertou com Alexandre Galgani até o fim de 2020. O paulista - que, por enquanto, é o único brasileiro garantido no tiro esportivo para a Paralimpíada de Tóquio, no Japão - é o segundo atleta da modalidade no Alvinegro. Em junho, o Timão trouxe Andreia Lima, que também compete no hipismo adaptado.
A coluna buscou elencar exemplos - e não a totalidade - de ações envolvendo clubes tradicionais e o paradesporto. Como se observa, a maior parte dos casos é de dois, três anos atrás. Portanto, na esteira da Paralimpíada do Rio, que atraiu significativamente a atenção do público. Só durante o evento, a capital fluminense recebeu 243 mil turistas, gerando uma renda de R$ 410 milhões.
De lá para cá, o interesse pelo esporte adaptado cresceu. Em quatro anos, quase dobrou o número de participantes das Paralimpíadas Escolares, que reúnem jovens de 12 a 17 anos em 12 modalidades: de cerca de 700 estudantes em 2015 (pré-Rio 2016) para 1.220 em 2019. Além disso, os Brasileiros de vôlei sentado, basquete em cadeira de rodas, goalball e futebol de 5 (para atletas cegos) tiveram suas finais transmitidas ao vivo pela televisão.
O próximo ano deverá ser de mais destaque ao paradesporto, com os Jogos de Tóquio em vista. Há campo para que agremiações tradicionais, de massa, com marcas fortes, olhem com carinho para o segmento. É curioso, por exemplo, que nenhum "clube de camisa" tenha abraçado justamente o futebol de 5 - uma das modalidades mais populares do programa paralímpico. Demanda e oportunidade não faltam.
Em tempo: o Corinthians levou a melhor sobre o Vasco na semifinal do Brasileiro de vôlei sentado, mas acabou superado pelo agora tricampeão Sesi-SP na final, disputada na última sexta-feira (13).