Coluna - O paradesporto transforma
A última edição do Censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) informa que um em cada quatro brasileiros afirmou ter algum grau de deficiência visual, auditiva, motora ou intelectual. Cerca de 12,5 milhões, por sua vez, disseram que esse grau é “grande ou total”. Trata-se de uma população que engloba tanto pessoas que já nasceram com a comorbidade (congênita) como as que adquiriram a deficiência ao longo da vida.
Há um ano e três meses, Emanuel Freitas entrou na estatística. O gaúcho de Bagé, que cresceu em Porto Alegre e que morava em Balneário Camboriú (SC), retornava do trabalho quando sofreu um acidente de moto que o deixou paraplégico. Sem parentes próximos em Santa Catarina, voltou ao Rio Grande do Sul. “Dizia que minha vida tinha acabado. No início, não sabemos nada. Sorte a minha tê-lo conhecido”, completou.
Emanuel se refere a Jovane Guissone, medalhista de ouro paralímpico da esgrima em cadeira de rodas. “As enfermeiras que me acompanhavam falaram dele. Temos a mesma lesão, altura idêntica”, recordou. “Depois que o conheci, foi só amizade. A minha visão mudou. Só quem é cadeirante sabe das dificuldades que passamos. Aí você vê um cara forte e disposto a viver, a inspiração é automática. Foi um baita de um empurrão”, declarou.
A lesão relativamente recente ainda impede que Emanuel se aventure para valer no esporte adaptado, mas não falta vontade para começar. “Em dezembro, estive em Brasília no Sarah Kubitschek [hospital especializado na reabilitação de pessoas com deficiência] e conheci várias modalidades. Já faço musculação em casa. Tenho amigos convidando para conhecer o rugby [em cadeira de rodas]. Tem tanta coisa que quero praticar. Canoagem adaptada também”, disse.
Chegar ao nível de Jovane [leia-se alto rendimento] não é necessariamente o objetivo de todos que conhecem o paradesporto. Como não é o caso de Emanuel. “Quero voltar para Santa Catarina e retomar a vida. Eu era técnico de manutenção em restaurantes e hotéis e pretendo continuar nessa linha. Não fazendo o que fazia, mas na parte de escritório. Agora é meter a cara nos estudos e ter força de vontade”, contou.
O esporte, porém, já cumpre com seu dever na vida do gaúcho. “Depois que comecei, saiu aquela depressão, aquela coisa ruim, a tristeza. Após o acidente fiquei muito tempo parado e aquilo só aprofunda [a depressão]. Quando você se exercita, isso te move para frente. Sem falar que, no esporte adaptado, você conhece pessoas na mesma situação, compartilha ideias, experiências”, declarou, citando o exemplo de um tetraplégico com quem fez amizade.
“Ele criou um grupo para jogarmos rugby. Ele tem uma deficiência mais severa que a minha, até mexe os braços, mas com dificuldade. Mas é incrível. Ele não para. E o conheci assim, nessa correria. Por meio do esporte, o cadeirante se reconhece”, afirmou.
Jovane deu nova luz à vida de Emanuel, assim como Clodoaldo Silva, lá atrás, mudou a do hoje multimedalhista paralímpico Daniel Dias, incentivando-o a apostar na natação com seus feitos dourados em 2004, na Paralimpíada de Atenas (Grécia). No mundo, quase um bilhão de pessoas têm algum tipo de deficiência (quase 15% da população). Entre elas, há “Daniéis” sendo revelados para o alto rendimento e “Emanuéis” ressurgindo para outras áreas da sociedade por meio do esporte.
O esporte (adaptado ou não) transforma. Para a vida.