Coluna - Clubes e paradesporto
O último edital lançado pelo Comitê Brasileiro de Clubes (CBC), em maio, com aporte total de R$ 130 milhões, previu um acréscimo de 15% - sobre valores já executados nos esportes olímpicos - a clubes cujos projetos abracem o paradesporto. Em entrevista à Agência Brasil, o vice-presidente de Formação de Atletas da entidade, Fernando Cruz, afirmou que o objetivo é "incentivar que clubes sociais e esportivos também passem a contar com o paralímpico". Os recursos provêm das loterias da Caixa Econômica Federal. O Comitê tem direito a 0,5% dessa arrecadação, com destinação "única e exclusivamente para a formação de atletas olímpicos e paralímpicos".
A porcentagem, conforme o edital, representa em torno de R$ 25 milhões desse total. Para se ter acesso ao repasse, há algumas exigências. O item 6.1.3 do chamamento, por exemplo, indica que os clubes "poderão valer-se de parcerias técnicas formais com entidades de prática esportiva de esportes paralímpicos" e desenvolver atividades paradesportivas "em espaços de terceiros, desde que expressamente autorizado pelo detentor dos direitos de posse direta ou domínio do espaço objeto de cessão, durante toda a vigência da parceria".
Ainda segundo o edital, que foi direcionado à contratação e manutenção de profissionais e recursos humanos, o item 6.1.4 versa que "espera-se que todos os clubes adotem um esporte paralímpico até o final do ciclo 2021-2024, para que estejam aptos a participar dos próximos editais". A projeção do CBC, de acordo com o documento, é que os próximos "atos convocatórios" sejam unificados para esportes olímpicos e paralímpicos. A previsão, adiantada por Cruz à Agência Brasil, é que um novo edital saia em novembro.
O modelo esportivo no Brasil é desenvolvido, principalmente, nos clubes. De lá, vieram 84% dos integrantes da delegação brasileira nos Jogos do Rio de Janeiro. Já a predominância clubística no paradesporto tem suas peculiaridades. Há, de fato, agremiações tradicionais que englobam modalidades paralímpicas. O velocista Petrúcio Ferreira, campeão mundial e paralímpico, por exemplo, é do Pinheiros, de São Paulo. O Grêmio Náutico União, de Porto Alegre, possui atletas importantes da natação adaptada, como Susana Schnardorf e Carol Santiago. Já o Sesi, na região metropolitana da capital paulista, mantém times fortes de goalball e vôlei sentado. Mas, a maior parte dos esportistas é ligada a associações voltadas a pessoas com deficiência.
Em entrevista à Agência Brasil, em junho, o presidente do Comitê Paralímpico Brasileiro (CPB), Mizael Conrado, estimou em "quase mil" o número de clubes paralímpicos do país. "Eles têm uma característica diferente dos clubes olímpicos, que são condições já bastantes modestas", descreveu, à ocasião. "Essa pandemia [do novo coronavírus, a covid-19] é mais um problema, mas os nossos clubes, infelizmente, no dia a dia, enfrentam dificuldade de falta de recurso. Permanece uma prioridade nossa trabalhar para que esses clubes também possam ter financiamento para suas atividades", completou.
Esse edital de maio do Comitê de Clubes foi antecipado exatamente devido à covid-19. A intenção, segundo a entidade, foi auxiliar as agremiações atingidas pelo impacto econômico da pandemia. O processo foi aberto às instituições filiadas à entidade - ou seja, que tenham certificação da Secretaria Especial do Esporte, certidões regulares e aprovação no processo de analise de capacidade técnica e operacional do CBC.
O chamamento teve questionamento na imprensa justamente por limitar a participação a clubes filiados, devido ao parágrafo primeiro do artigo 16, da Lei 13.576/2018, que diz: "O CBC aplicará no mínimo 15% dos recursos (...) em atividades paradesportivas: diretamente, sem possibilidade de restringir a participação nos editais de chamamento público em função de filiação das entidades de práticas desportivas".
Em nota à Agência Brasil, o CBC justificou que "por razões de transparência e governança, separa as contas dos recebimentos dos recursos provenientes da arrecadação do produto das loterias, distribuindo os recursos pela sua natureza, bem como em relação à própria legislação que baliza a aplicabilidade deles". Ainda segundo o Comitê, como os dispositivos da Lei Pelé (9.615/98) "que tratavam da destinação e forma de aplicabilidade dos recursos das loterias" foram revogados e a Lei 13.756/2018 "disciplinou integralmente a sua maneira os recursos das loterias para o esporte, o CBC abriu novas contas, separando os recursos recebidos no contexto normativo da Lei 9.615/1998, daqueles previstos no contexto da Lei 13.756/2018".
Na entrevista à Agência Brasil, Fernando Cruz explicou que os R$ 130 milhões do edital de maio "são remanescentes da antiga lei, então, não sofrem essa obrigatoriedade [de não serem restritos a filiados]". Conforme o dirigente, o Comitê pretende reunir clubes e federações, em especial os voltados ao segmento paralímpico, "para que se faça um diagnóstico e se possa ver a real situação. Só que, nesse momento, esses recursos estão estritamente vinculados à lei anterior".
A mensalidade dos clubes filiados (R$ 3,9 mil), por sua vez, é considerada elevada por algumas agremiações do paradesporto. Segundo o vice-presidente do CBC, instituições filiadas que participam com apenas uma modalidade, inclusive paralímpicas, têm redução de 50% na contribuição. "Se realmente [o valor] essa mensalidade faz diferença, o clube tem que fazer a reflexão, se realmente tem a condição técnica de receber esses recursos, ou se realmente está em busca de uma contribuição, vamos dizer, que o ajude na sobrevivência. Não é esse o objetivo do CBC. Nossa missão é formar atletas olímpicos e paralímpicos através dos clubes. Temos a obrigação perante os órgãos públicos, de colocar recursos e obter resultados", concluiu Cruz.