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Esportes

Coluna - O desafio de ser um retrogamer

As barreiras enfrentadas por quem deseja reviver games da infância
Guilherme Neto - Apresentador do quadro Fliperama no programa Stadium. A coluna do jornalista será publicada pela Agência Brasil semanalmente às quintas-feiras
Publicado em 10/07/2020 - 11:50
Rio de Janeiro
Super Nintendo
© Caroline Seidel/Reuters/Direitos Reservados

Você já teve vontade de reviver um jogo do passado, mas se deparou com alguns entraves tecnológicos que simplesmente o fizeram desistir? Talvez não, se você for um retrogamer (fã de jogos antigos) entusiasta como eu, mas acredito que a maioria dos jogadores simplesmente desista no meio do caminho.

Em uma mídia em que o avanço tecnológico é cada vez mais acelerado, reviver os bons jogos do passado pode ser uma tarefa árdua. Algo que não acontece com o cinema ou a música, por exemplo. Afinal, mesmo com o fim de mídias tradicionais como o disco de vinil, o VHS ou mais recentemente o DVD, não é difícil relançar um filme ou uma música antiga em plataformas modernas como o streaming, por exemplo. O mesmo não pode ser dito dos videogames, obras com uma dependência muito forte do hardware original para funcionarem corretamente, e que cuja conversão para novos videogames (o chamado port de jogos) exige um trabalho oneroso que para muitas empresas não compensa o investimento por falta de demanda.

Por isso, experimentar games nem tão antigos assim como Eternal Darkness (2002) ou Metroid Prime Trilogy (2009) com a mesma qualidade original pode ser um desafio para jogadores casuais. Mesmo que você ainda guarde os videogames e jogos antigos em bom estado, o que por si só já é um desafio, pode encontrar problemas de compatibilidade com televisores mais modernos. Pode ser que você não consiga conectar usando os mesmos cabos antigos, ou se deparará com uma qualidade de imagem inferior àquelas desempenhadas pelas antigas TVs de tubo (para as quais os jogos foram originalmente produzidos).

Muitos, portanto, apelam para o uso de emuladores ou desbloqueios de videogames. Embora o procedimento não seja nenhum bicho de sete cabeças e possa ser realizado com baixo ou até nenhum custo, não são todos que têm paciência para configurá-los (e reconfigurá-los a cada defeito, novo jogo ou atualização de sistema). Sem falar na discussão sobre a legitimidade dessas alternativas, muitas vezes usadas como forma de pirataria.

Há quem evite o uso de emuladores sob o argumento de que eles não conseguem recriar a experiência 100% original. Isso é verdade e deve sempre ser levado em conta quando se fala em um contexto acadêmico de pesquisa e preservação. Mas os emuladores de hoje em dia muitas vezes replicam os jogos de maneira muito próxima do original, principalmente aqueles de aparelhos mais antigos como Super Nintendo ou Mega Drive, de forma que apenas olhares treinados em alguns jogos perceberão incongruências. Para a maior parte dos jogadores, estes programas são a melhor, ou única, forma de preservar viva na memória os jogos da infância. Os mais entusiasmados podem ainda recorrer a truques de configuração e modificações criadas por fãs que aumentam a resolução e aprimoram o visual, o que, porém, pode ser um sacrilégio para os jogadores mais puristas.

Muitos fãs acabam apelando para o mercado cinza para comprarem aparelhos pré-configurados com emuladores. Ou então dependem de ports e remasterizações, o que pode nunca acontecer com aquele seu game favorito de outras gerações e que quase ninguém mais lembra. No entanto, o mercado cada vez mais tem exigido a retrocompatibilidade em videogames mais modernos, e celebrou quando a Microsoft anunciou este atributo (ainda que de forma limitada) no Xbox One, capaz de rodar muitos (porém não todos) dos principais sucessos do Xbox 360 e até do Xbox original. Segundo a empresa, isso será mantido no Xbox Series X. O PlayStation 5 também vai oferecer uma retrocompatibilidade com alguns jogos de PS4 no lançamento.

Mesmo com todos esses atributos, replicar a experiência original em ambientes onlines é tarefa praticamente impossível com o passar dos anos. Servidores são desligados ou, mesmo nos que resistem, pode ser difícil encontrar um outro jogador online interessado em jogar com, ou contra, você num jogo antigo. E tudo bem, afinal, nem tudo é para sempre. As histórias sempre podem ser contadas através de conversas, reportagens, livros ou trabalhos acadêmicos. Outra forma bem popular nos dias de hoje é assistir alguém jogando o game no YouTube, Twitch ou outras plataformas de streaming.

Tem ainda um outro fator limitador, que, na minha opinião, é o pior de todos: a exigência de dedicação de horas a fio para acessar fases mais avançadas em um game, ou liberar aquele seu personagem favorito. Embora isso seja um assunto que pouco vejo sendo discutido, a falta de liberdade no uso dos nossos próprios saves, e, na falta dele, a impossibilidade de pular para aquela parte do jogo que todo mundo comenta, é um fator muito inibidor. Imagina você ser obrigado a ver um filme de mais de 2 horas só para chegar na sua cena favorita? É mais ou menos isso, só que pior (e mais demorado).

Se você já desistiu a esse ponto, vale ficar atento a essas duas próximas dicas. O designer de games americano Leo Burke teve uma ideia criativa para celebrar uma época perdida dos games, ele criou um museu virtual com veículos de jogos de corrida lançados para Nintendo 64 (videogame que prosperou na segunda metade dos anos 1990). Basta baixar o aplicativo Auto Museum 64, disponível gratuitamente para computador. Dentro do salão virtual, você pode ver de perto e em detalhes carros de jogos como AeroGauge (1997) e San Francisco Rush 2049 (2000), todos identificados com o nome dos designers originais. O Auto Museum 64 é uma produção independente sem qualquer apoio das empresas mencionadas. Leo Burke simplesmente importou os modelos poligonais dos jogos retratados e enfileirou em seu museu virtual.

Iniciativa ainda mais impressionante é a do Noclip. Webiste que permite você revisitar fases de jogos famosos em seu computador. Não se trata do jogo em si, apenas recriações dos ambientes em 3D, onde você controla uma câmera virtual capaz de percorrer todo o cenário, inclusive voar e atravessar paredes, sem inimigos ou outras distrações e limitações que o dificultem de apreciar a beleza desses mundos virtuais.

Opções como essa fascinam por oferecerem um olhar de muitos jogos do passado de uma maneira inesperada, e até educativa para quem quer aprender sobre a história dos videogames. Aguardo ansioso pelo dia em que os entraves tecnológicos que os games antigos ainda enfrentam se tornem apenas peças de museu.