Coluna - Da neve para a água
As restrições para viagens internacionais, devido à pandemia do novo coronavírus (covid-19), atrapalharam os planos de André Cintra. O paulista de 40 anos compete no snowboard paralímpico e pretende buscar a classificação à Paralimpíada de Inverno de 2022, em Pequim (China). Sem ter como ir a países onde há neve no momento, ele teve que adaptar os treinamentos no Brasil. A saída foi praticar kitesurfe, modalidade em que o atleta é arrastado por uma pipa e desliza na água.
André passou quatro dias em uma expedição no Parque Nacional dos Lençóis Maranhenses, a cerca de 260 quilômetros da capital São Luís. O parque de 155 mil hectares se encontra em uma zona que é influenciada por biomas do Cerrado, Caatinga e Amazônia; com áreas de restinga, lagoas e o maior campo de dunas do Brasil. O terreno de preservação ambiental abrange as cidades Primeira Cruz, Barreirinhas e Santo Amaro - por onde, aliás, o o snowboarder iniciou a jornada.
Improviso não é exatamente novidade para atletas brasileiros que competem na neve. "Sempre utilizei o kitesurfe [para adaptar os treinos do snowboard]. Embora sejam modalidades completamente diferentes, são esportes de prancha, nos quais você tem que ter uma dinâmica parecida com a prótese e o equilíbrio do centro do corpo. Então, é super importante treinar em prancha", explica André, detalhando as principais diferenças - além, claro, do ambiente - entre as práticas.
"Um [kitesurfe] te puxa reto, o outro [snowboard] te coloca inclinado para baixo na montanha. O snowboard é muito mais veloz e você cai no gelo, então a probabilidade de se machucar é maior. No kite, você cai na água, então é uma diferença grande. O posicionamento do corpo e o movimento de joelho também são diferentes, mas o kite ajuda bastante [no treino]", completa o atleta, que além do kitesurfe convencional, velejou sem as quilhas a bordo de um trenó, nas dunas.
O paulista teve que amputar a perna direita acima do joelho aos 17 anos, devido a um acidente de moto em Santos (SP), onde morava. Apesar disso, a paixão por esportes de aventura não arrefeceu. Dois meses depois, André embarcou para fazer rafting no Nepal. Conheceu modalidades como esqui aquático, wakeboard e o próprio kitesurfe. Como não havia próteses adequadas às práticas na água, ele próprio as planejava, entre tentativas e quedas e ajustes no equipamento
O snowboard entrou na vida de André em 2010, quando viajou com amigos para o Chile. Lá, percebeu que precisaria de próteses específicas também para esquiar. O que começou como hobby se transformou em carreira pouco tempo depois. Em 2013, ele foi o primeiro atleta brasileiro a se garantir em uma Paralimpíada de Inverno. No ano seguinte, estreou nos Jogos de Sochi (Rússia) com um 28º lugar. Quatro anos depois, na edição em Pyeongchang (Coreia do Sul), obteve a décima colocação.
André disputa na classe LL1 (atletas com deficiência em membros inferiores ou amputações acima do joelho). Se conseguir vaga nos próximos Jogos de Inverno, marcados para o período de 4 a 13 de março de 2022, o brasileiro descerá as montanhas do Gentin Snow Park, na cidade de Zhangjiakou (China), que fica na província de Hebei, a 198 quilômetros da capital Pequim. O parque sediará as provas olímpicas e paralímpicas do snowboard. O Comitê Paralímpico Internacional (IPC, sigla em inglês), inclusive, divulgou um vídeo com o estágio das obras nos locais de competição.
O brasileiro ainda não tem previsão de quando voltara às provas do circuito mundial de snowboard paralímpico. Pelo site do IPC, o calendário oficial começa em dezembro, na Finlândia, seguindo para Irã, Suécia e Canadá. Já em fevereiro, em Lillehammer (Noruega), ocorre o Campeonato Mundial de Esportes Paralímpicos de Neve.