Retrospectiva esportes: pandemia adia planos e encurta ano paralímpico
A pandemia do novo coronavírus (covid-19) comprometeu praticamente todo o ano de 2020 no paradesporto mundial. A maior parte dos eventos previstos na temporada, entre eles etapas classificatórias para os Jogos Paralímpicos de Tóquio (Japão), foi postergado ou cancelado, tendo como ápice o adiamento do evento para 2021.
Até março, mês em que a Organização Mundial da Saúde (OMS) decretou a pandemia de coronavírus, o Comitê Paralímpico Internacional (IPC, sigla em inglês) havia suspendido mais de 40 torneios. Alguns deles estavam marcados para o Centro de Treinamento Paralímpico, em São Paulo, como etapas dos circuitos mundiais de atletismo e natação e dois eventos da esgrima em cadeira de rodas (Copa do Mundo e Campeonato Regional das Américas). Responsável pela estrutura, o Comitê Paralímpico Brasileiro (CPB) entendeu que o fluxo de pessoas traria risco de contaminação de atletas em preparação no local. O Brasil ainda não vivenciava o auge da crise sanitária.
Ainda em março, o avanço nas infecções e as primeiras mortes por covid-19 no país levaram o CPB a fechar o CT, inclusive para treinamentos. Por cerca de quatro meses, atletas e técnicos tiveram que improvisar para se manterem em forma dentro das respectivas casas. Seguir com a motivação elevada, mesmo sem a perspectiva de competição ou da retomada de treinos in loco, foi um desafio à parte (como relatado pelo nadador Phelipe Rodrigues em julho, mês em que o Centro de Treinamento paulistano, enfim, foi reaberto, ainda que restrito a medalhistas em Paralimpíadas e nos últimos Mundiais de atletismo, natação e tênis de mesa, modalidades cujas seleções se concentram regularmente na estrutura).
Em meio às incertezas sanitárias, a comunidade paralímpica ainda levou um enorme susto com o acidente envolvendo Alessandro Zanardi. Medalhista de ouro na Paralimpíada do Rio de Janeiro, em 2016, o italiano de 54 anos sofreu um grave acidente com a handbike (bicicleta impulsionada pelos braços) durante uma pedalada festiva, organizada por ele próprio para arrecadar fundos em apoio a uma instituição que recupera dependentes químicos. O evento simbolizava o renascimento da Itália após o auge da pandemia de covid-19. O ex-piloto de Fórmula 1 segue internado, submetido a várias cirurgias, mas já responde a estímulos com gestos.
Volta à cancha
O retorno às competições foi gradual. Um dos primeiros grandes eventos a ocorrer desde o início da pandemia foi o US Open. A princípio, o torneio não teria a chave dos cadeirantes, causando forte repercussão (negativa) no movimento paralímpico, que viu a decisão da Federação de Tênis dos Estados Unidos (USTA, sigla em inglês) como discriminatória. A reação pública dos atletas do tênis em cadeira de rodas ganhou apoio de tenistas da Associação dos Tenistas Profissionais (ATP). A USTA acabou voltando atrás.
Não foi o único episódio de 2020 em que a voz dos atletas teve poder de mobilização. Lançado em novembro, o filme Convenção das Bruxas recebeu críticas do movimento paralímpico por mostrar as vilãs (bruxas) com má formações em pés e mãos que se assemelham à ectrodactilia, síndrome que causa a ausência dos dedos. Encabeçada pela ex-nadadora britânica Amy Marren, a #NotAWitch (não sou bruxa) ganhou a internet. Pessoas com deficiência postaram fotos pessoais com a hashtag escrita no corpo, chamando atenção justamente para o membro diferente. Tanto o estúdio Warner Bros, responsável pelo filme, como a atriz Anne Hathaway, protagonista da obra, manifestaram-se com pedidos de desculpas.
Os meses finais do ano marcaram, também, a volta de atletas brasileiros às competições. Em setembro, Alessandro Rodrigo da Silva, do lançamento do disco e do arremesso do peso, e Michel Gustavo, do salto em distância, foram medalhistas de ouro no Meeting de Freital (Alemanha). Já Ymanitu Silva e Daniel Rodrigues, do tênis em cadeira de rodas, disputaram dois torneios na França. Em outubro, João Lucas Bezerra representou o Brasil na etapa de Berlim (Alemanha) do circuito mundial de natação, a primeira desde o início da pandemia, que não contou com a seleção do CPB. No mesmo mês, a triatleta cadeirante Jéssica Messali conquistou a etapa de Alhandra (Portugal) da Copa do Mundo, com Ronan Cordeiro prata ente atletas com deficiências físico-motoras ou paralisia cerebral
Para 2021, o calendário de algumas modalidades já foi divulgado. Outras esperam a comunicação oficial das datas. O certo é que a manutenção de tudo o que está sendo planejado dependerá do estágio da pandemia e da disponibilidade de uma vacina. Inclusive, o mais esperado entre todos os eventos paralímpicos: os Jogos de Tóquio, entre 24 de agosto e 5 de setembro do ano que vem.
Rumo a Tóquio
Apesar dos vários eventos cancelados, o Brasil ainda teve atletas conquistando vagas para Tóquio em 2020. Um dos últimos torneios classificatórios do ano foi o do parataekwondo, em março, na Costa Rica. Nathan Torquato (até 61 quilos) e Silvana Cardoso (até 58 quilos), da classe K44 (atletas com amputação de braço), venceram os respectivos qualificatórios e se juntaram a Débora Menezes (da mesma classe, mas da categoria acima de 58 quilos), que estava garantida pela situação no ranking mundial. A modalidade estreará em Paralimpíadas na edição do ano que vem.
Em junho, a Federação Internacional de Tênis de Mesa (ITTF, sigla em inglês) atualizou os critérios para classificação automática para os Jogos, levando em conta a posição dos atletas no ranking de abril. Com isso, cinco brasileiros tiveram a presença assegurada em Tóquio: Cátia Oliveira (classe 2), Welder Knaf (3), Israel Stroh (7), Lethícia Lacerda (8) e Bruna Alexandre (10). Ao todo, o país tem dez atletas qualificados. Joyce Oliveira (classe 4), Paulo Salmin (7), Luiz Felipe Manara (8), Danielle Rauen (9) e Carlos Carbinatti (M10) garantiram vaga graças à medalha de ouro nos Jogos Parapan-Americanos do ano passado, em Lima (Peru).
Segundo o CPB, o Brasil tem 105 vagas asseguradas em Tóquio até o momento, entre modalidades individuais e coletivas. A previsão da entidade é que o país leve à capital japonesa até 230 atletas, sendo 150 homens e 80 mulheres, aproximadamente.
Perdas sentidas
O ano também foi marcado pelo falecimento de dois personagens importantes no movimento paralímpico brasileiro. Em fevereiro, o professor Décio Roberto Calegari morreu aos 54 anos, em razão de uma parada cardiorrespiratória. Ele foi um dos criadores do handebol em cadeira de rodas e coordenador da seleção brasileira de petra (modalidade de pessoas com paralisia cerebral ou distrofia muscular em que os atletas correm com apoio de um triciclo). Décio foi também uma das cabeças responsáveis do projeto Paralímpicos do Futuro, semente da Paralimpíada Escolar.
Já em abril, a perda foi a de Dirceu José Pinto, aos 39 anos, por insuficiência cardíaca, devido ao processo degenerativo de uma distrofia na região da cintura (coxa e abdome). Dirceu é considerado o maior nome da bocha paralímpica brasileira e um dos grandes atletas do paradesporto nacional, tendo conquistado quatro medalhas de ouro em Paralimpíadas. O falecimento comoveu parceiros de cancha dentro e fora do país.