Coluna - Mundiais de bocha e goalball: os dois lados da renovação
As duas colunas anteriores abordaram a expectativa brasileira para os Campeonatos Mundiais de goalball e bocha paralímpica. Em ambas as competições, o Brasil foi representado, em meio a veteranos, por novos talentos. Parte deles estreante em competições internacionais de peso e outros com chance de fazer valer pela primeira vez, em um grande palco, a experiência de eventos anteriores, deixando de ser apostas para se tornarem realidade.
A renovação no esporte, paralímpico ou não, é assim mesmo. Só que a moeda tem dois lados. O resultado pode ser imediato? Até pode. No Mundial de natação paralímpica deste ano, em junho, os dez atletas sub-23 da equipe que competiu em Funchal (Portugal) foram ao pódio e metade esteve no topo, como o estreante Samuel Oliveira, 16 anos.
Segunda vitória da Seleção feminina no Mundial de Goalball! Apesar de não terem mais chances de classificação, as mulheres seguem honrando nossa camisa e fizeram 12 a 2 no Egito. pic.twitter.com/Nz7SBvQZRq
— CBDV (@cbdvoficial) December 13, 2022
Mas a regra não é essa - e nem é obrigatório que seja. No Mundial de goalball, por exemplo, a seleção feminina, medalhista de bronze na edição anterior e quarta colocada na Paralimpíada de Tóquio (Japão), chegou à última rodada da fase de grupos sem chance de ir às quartas de final. A equipe, porém, foi renovada em relação aos Jogos na capital japonesa, da comissão técnica ao elenco. Entre as seis convocadas, são três estreantes em grandes competições (Larissa Santos, Dani Longhini e Geovanna Clara) e três remanescentes de 2021 (Jéssica Gomes, Moniza Lima e Kátia Aparecida).
Entre as rivais da primeira fase, estiveram mais duas forças da modalidade que foram a Matosinhos (Portugal) com elencos mais experientes que o nosso. Os Estados Unidos contaram com quatro vice-campeãs paralímpicas de Tóquio, como Eliana Mason e, principalmente, Amanda Dennis, ambas algozes brasileiras. No Mundial, as norte-americanas venceram por 11 a 4, na última sexta-feira (9). Outro adversário foi o Japão, medalhista de bronze em 2021 (superando justamente o Brasil), que também levou quatro remanescentes da Paralimpíada. No sábado passado (10), em duelo equilibrado, as japonesas ganharam por 5 a 4.
"A gente sabia do processo. Quando fui convidado, ainda como auxiliar técnico do Jônatas [Castro, que comandou a seleção feminina depois de Tóquio e assumiu a masculina em março], a proposta já era de renovação, de preparar as meninas para o futuro. A CBDV [Confederação Brasileira de Desportos de Deficientes Visuais] deu toda a estrutura e a oportunidade, a gente se preparou o máximo que pôde para a competição. Acreditamos até o fim, mas não foi a nossa hora. Agora é pedir paciência, levantar a cabeça e continuar o trabalho", comentou o técnico Gabriel Goulart, em depoimento ao site da entidade.
No caminho rumo à Paralimpíada de Paris (França), em 2024, além de torneios amistosos, a seleção feminina pode ter até duas competições de peso pela frente. Garantidas nos Jogos Parapan-Americanos de Santiago (Chile), em novembro do ano que vem, as brasileiras ainda vivem a expectativa de disputar, em agosto, os Jogos Mundiais da Associação Internacional de Esportes para Cegos (IBSA, sigla em inglês), em Birmingham (Grã-Bretanha). Serão experiências para dar mais rodagem ao grupo que foi a Matosinhos, que teve média de idade inferior a 25 anos.
No Mundial de bocha, que terminou na última terça-feira (13), no Rio de Janeiro, Iuri Tauan e Andreza Vitória, ambos de 21 anos, simbolizaram a renovação em uma equipe repleta de medalhistas paralímpicos, como Maciel Santos, Eliseu dos Santos, José Carlos Chagas, Evelyn Oliveira e Evani Calado. Iuri, estreante na competição e que passou a representar o Brasil no ano passado, caiu na fase de grupos da classe BC2 (atletas que utilizam mãos ou pés para os arremessos, sem apoio de auxiliar) masculina.
Andreza, por sua vez, conquistou o título individual da classe BC1 (atletas que também utilizam mãos e pés para arremessar, mas com apoio de um auxiliar que entrega as bolas), no primeiro Mundial da carreira. Curiosamente, ela superou uma croata (Dora Basic) na final, que ocorreu um dia após a eliminação brasileira na Copa do Mundo, justamente para a Croácia. Em tempo: a medalha foi a única do país na competição.
Não significa, porém, que o ouro de Andreza seja um resultado exatamente imediato, apesar da precocidade da atleta. No ano passado, ela competiu em Tóquio, caindo ainda na primeira fase, com quatro derrotas em quatro duelos. Vale lembrar, porém, que a Paralimpíada em solo asiático foi o último grande evento da bocha sem divisão por gênero. No grupo em que foi sorteada, a jovem pernambucana enfrentou três homens e uma mulher.
"Tóquio foi, sem dúvida, uma grande oportunidade para o meu amadurecimento em todos os sentidos. Como atleta no geral, por participar de uma grande competição sendo tão jovem, e de como me comportar dentro de quadra na classe BC1 [ela competia na BC2 até 2018, quando foi reclassificada]", comentou Andreza, líder do ranking mundial feminino da BC1, à Agência Brasil.
"O processo [da bocha] não está só centrado na Andreza e no Iuri. Eles são expoentes, por estarem na seleção, mas temos um grupo que estará nos Jogos Parapan-Americanos de Jovens de Bogotá [Colômbia] e no Mundial [de Jovens] de Portugal, no ano que vem. Alguns aparecem mais rápido, outros demoram um pouco mais. A BC2, classe do Iuri, é a mais competitiva de todas. O Maciel, número um da classe, multicampeão, não passou das quartas nas últimas competições. Por que jogou mal? Não, porque [a classe] é muito equilibrada. Era previsível que a Andreza desse resultado antes do Iuri", completou Leonardo Baideck, diretor-técnico da Associação Nacional de Desportos para Deficientes (Ande).
Por mais que os Mundiais tenham um peso grande, a Paralimpíada é o evento principal, não tem jeito. O planejamento de comitês, confederações, associações técnicos e atletas é todo voltado para se atingir o auge físico, técnico e mental ao final do ciclo de quatro anos. As diferentes experiências das trajetória, especialmente aquelas em palcos quase tão grandes quanto o dos Jogos, inclusive aquelas mais agridoces, podem fazer diferença em 2024. E de lá em diante também, por que não?
* Lincoln Chaves é repórter da TV Brasil, Rádio Nacional e Agência Brasil