Mãe de acusado de matar cinegrafista diz que filho avisou que ia se entregar
O juiz da 3ª Vara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, Murilo Kieling, marcou para a próxima sexta-feira (16) a terceira audiência de instrução e julgamento do caso Santiago Andrade, repórter cinematográfico morto em protesto em fevereiro. Falta ouvir as três testemunhas arroladas pela defesa de Caio Silva de Souza e uma testemunha de acusação, que não compareceu na audiência de hoje.
Em pouco mais de duas horas de audiência na tarde de hoje (5), foram ouvidas cinco testemunhas, três da acusação e duas de defesa. O advogado Wallace Martins, que representa Fábio Raposo Barbosa, dispensou quatro testemunhas que, segundo ele, ajudariam a atestar o caráter do acusado.
Uma das depoentes foi a mãe de Fábio Raposo, a professora Marize Damasceno Raposo. Ela disse saber que o filho ia a algumas manifestações, levado pela “ideologia de querer um Brasil melhor”, e chegou a ser atingido na perna por uma bala de borracha em uma delas. Ela disse não ter reconhecido o filho pelas imagens divulgadas pela imprensa, mas que ele ligou para avisar que se entregaria, no dia seguinte ao evento.
De acordo com ela, o filho sofreu maus-tratos na prisão e ela teve dificuldades para visitá-lo em Bangu 9. “Depois de muita luta eu consegui visitar. Ele sofreu tortura física e psicológica. Assim que chegou a Bangu começou a apanhar. Apanhou do nada, levou um tampão na cabeça, tapão na cara, chinelada na bunda. Por mais de 20 dias, foi torturado lá dentro”, relata.
A estudante de enfermagem Samanta Cardoso de Lima Medeiros relatou que conhece Fábio há dois anos, que ele andava de skate com seu filho e frequentava sua casa. De acordo com ela, o acusado falava das manifestações, mas dizia que não estava indo às passeatas nos últimos meses. Samanta disse ter reconhecido Fábio pelas imagens. “Apareceu a tatuagem dele, pela forma do corpo, pelo jeito de ficar, eu reconheci o Fábio nas imagens. Na hora, eu sentei e chorei. Não falei com ninguém e não fiz nada”, explicou.
Pela acusação, o coronel da Polícia Militar Luiz Henrique Marinho Pires, comandante do 5º Batalhão, disse que no início da manifestação do dia 6 de fevereiro já havia percebido que o “clima estava pesado”. “Naquele dia, nós percebemos um grande número de mascarados e uma agitação fora do normal. Em determinado momento, na [Avenida] Presidente Vargas foram queimados um conjunto de pneus, como um caixão, o material foi colocado no chão e ficou queimando. A partir dali, percebi que teríamos problemas”, declarou.
De acordo com o coronel, a polícia só reage quando é hostilizada e nas manifestações há registro de muitos policiais feridos por pedras, paus e bombas de fabricação caseira. Ele enfatizou que os atos de hostilidade sempre vêm de pessoas mascaradas.
Também depuseram os policias civis Eduardo Fasulo Cataldo e Ulisses Mary Terra Ferreira Pinto, técnicos em explosivos que trabalharam no laudo técnico do inquérito. De acordo com eles, o explosivo utilizado na ocasião, chamado de rojão de vara, não é de uso da Polícia Militar e produz efeito pirotécnico, ou seja, luzes coloridas na explosão.
Além disso, o rojão, da forma como foi utilizado, sem a haste que dá o direcionamento, é extremamente perigoso, podendo provocar queimaduras se não acionado corretamente. O artefato é vendido legalmente, para maiores de 18 anos, e a haste é de fácil remoção. Quando direcionado para cima, ele pode alcançar 40 metros antes de explodir.
No entanto, de acordo com os técnicos, o fato do rojão ter sido aceso no chão pode ter diminuído o alcance, já que ele explodiu a apenas 4 metros do local onde foi acionado. Eles não afirmaram se o artefato explodiu por ter atingido Santiago ou se porque já teria consumido a pólvora de propulsão e atingido o estágio de acionar a pólvora de trabalho, que leva à explosão colorida. Os policiais relataram que os artefatos usados pela polícia não produzem o mesmo tipo de luz.
Santiago era cinegrafista da TV Bandeirantes e foi atingido por um rojão enquanto cobria uma manifestação contra o aumento das passagens de ônibus no Rio de Janeiro, perto da Central do Brasil, em 6 de fevereiro, e morreu quatro dias depois. Os acusados respondem pelos crimes de explosão e homicídio doloso triplamente qualificado, por motivo torpe, impossibilidade de defesa da vítima e uso de explosivo
O ministro Jorge Mussi, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), negou o pedido de habeas corpus para o relaxamento da prisão preventiva de Fábio e Caio, decretada em 20 de fevereiro. De acordo com o STJ, o pedido não é primário e havia sido negado pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ). O ministro Mussi, no entanto, ponderou que o fato de os réus serem primários e com bons antecedentes, além de terem cometido crime de menor poder ofensivo, como sustenta a defesa, “merecem melhor exame” no momento processual devido.