Constituição prevê entrada forçada de agente de saúde em imóveis, diz professor
A possibilidade de entrada forçada de agentes em residências é prevista na Constituição brasileira, desde que em casos de perigo público ou flagrante criminal. Medida provisória (MP) publicada hoje (1º) pelo governo permite o ingresso de agentes de endemia em imóveis públicos e particulares abandonados ou em locais onde o proprietário não esteja para garantir o acesso.
“A Constituição protege a inviolabilidade do domicílio. A casa é o asilo inviolável do homem – esse é o termo que consta em nossa Constituição. Ninguém pode entrar na casa de ninguém sem a autorização dessa pessoa. Mas a própria Constituição permite exceções, como casos de perigo público ou flagrantes criminais. Imagine se há uma perseguição e o ladrão entra em uma casa. É claro que o agente pode entrar sem autorização”, explica o coordenador do Núcleo de Pesquisa em Direito Sanitário da Universidade de São Paulo (USP), Fernando Aith.
Em entrevista à Agência Brasil, o professor da Faculdade de Medicina da USP lembrou que a discussão acerca do tema no contexto da saúde pública é antiga. Em 2002, o próprio Aith integrou um grupo de especialistas que sugeriram a aprovação de leis mais específicas para regulamentar a entrada forçada de agentes de endemia em imóveis. Na época, o país enfrentava apenas surtos de dengue e não havia ainda a presença dos vírus Chikungunya e Zika.
“Não dá para os agentes saírem invadindo casa assim, a torto e a direito, sem nenhum cuidado. Tem que ser uma coisa regulamentada, preferencialmente por lei. A gente propôs ao governo federal a criação de uma lei nacional em vigilância em saúde com um capítulo específico sobre emergência em saúde pública, que é o caso de hoje com o Zika. Só esse tipo de situação autorizaria o ingresso forçado em uma residência.”
Aith lembrou que a MP publicada hoje prevê o ingresso forçado de agentes de endemia apenas em casos de imóveis abandonados ou em residências onde o proprietário não é encontrado. Uma outra situação, segundo ele, não foi tratada no texto: a de recusa por parte do morador. De acordo com o especialista, essa possibilidade também se encaixa no contexto de perigo público previsto na Constituição brasileira.
“Isso poderia ter ficado mais claro na MP, que errou ao não tratar essa questão expressamente. A entrada forçada, em casos de recusa, já acontece em alguns municípios via polícia ou por via judicial. Mas, na minha avaliação, é uma burocracia inútil ter que entrar na Justiça para isso. Por que não deixar o agente de endemia entrar? Há casos em que a visita é agendada, tudo direitinho, e o sujeito ainda assim não deixa.”
O professor ressaltou que também seria possível aplicar a cobrança de multa em casos de negativa de ingresso do agente de endemia, já que a situação caracterizaria infração sanitária prevista na Lei 6437/77, que determina punição para a não obediência de determinação de uma autoridade sanitária.
“Se fica comprovada que a recusa do morador está fazendo com que a epidemia cresça ou não diminua no bairro, isso também pode ser caracterizado como crime de auxiliar na propagação de uma doença”, afirma. “De uma forma ou de outra, daria para o Estado ser um pouquinho mais ativo nessa questão. Mas isso não combina com a lógica da epidemiologia, que segue a linha do consenso e da adesão. A força, nesse caso, é o último recurso e o ingresso forçado é uma via de exceção.”