Primeiros registros oficiais de Zika no Brasil completam um ano
No início do ano passado, o Nordeste brasileiro se deparava com o aumento de casos de uma doença não identificada, caracterizada por um quadro de febre leve, conjuntivite, erupção cutânea e dores nas articulações que duravam até sete dias. As suspeitas médicas de dengue e chigungunya, febre viral que foi registrada pela primeira vez no continente americano nas Antilhas, em 2013, não se confirmavam.
No final de abril, um teste preliminar do Instituto de Ciências da Saúde da Universidade Federal da Bahia (UFBA) identificou a presença do vírus Zika no material biológico coletado dos pacientes. O primeiro caso de zika no Brasil foi anunciado há exatamente um ano, no dia 7 de maio.
O reconhecimento oficial das autoridades de saúde brasileiras, no entanto, foi feito apenas no dia 14, após o Instituto Evandro Chagas, uma das entidades de referência na área, ter analisado as amostras e confirmado o resultado.
A doença, inicialmente tida como uma enfermidade leve, foi tratada como emergência internacional meses mais tarde diante das primeiras evidências de sua ligação com o aumento de casos de microcefalia no país.
Mas e de lá para cá? O que foi feito durante esse ano no combate ao zika? Quais problemas ainda persistem? O Portal EBC recupera a história da primeira grande epidemia de zika no Brasil e mostra os principais avanços e os desafios que ainda persistem no enfrentamento da doença. Confira abaixo.
Quadro da epidemia
Estimativa divulgada no final de janeiro deste ano pela Organização Pan-Americana da Saúde (Opas), braço da Organização Mundial da Saúde (OMS) nas Américas, aponta que entre três e quatro milhões de pessoas devem contrair o vírus Zika em 2016 no continente americano. Um milhão e meio desses casos deve ocorrer no Brasil. O cálculo considera o número de infectados por dengue, doença transmitida pelo mesmo vetor, o mosquito Aedes aegypti, em 2015, e a falta de imunidade da população ao vírus.
Mas, segundo especialistas, o real status da evolução da doença no país é muito difícil de saber. Segundo a Opas, a dificuldade na obtenção de números confiáveis de casos de infecção pelo vírus zika se deve a várias razões, como o fato de o vírus ser detectável somente por alguns dias no sangue das pessoas infectadas, assim como os próprios exames laboratoriais não conseguirem com facilidade distinguir os casos de zika de doenças como dengue e chikungunya, que têm sintomas muito semelhantes.
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Além disso, apenas uma em cada quatro pessoas infectadas são sintomáticas. Isso significa que somente uma pequena parcela de pessoas desenvolvem os sintomas da infecção causada pelo vírus e procura os serviços de saúde, prejudicando a contagem dos casos da doença.
Para piorar o quadro de acompanhamento da epidemia, a obrigatoriedade de notificação de casos suspeitos de zika só foi instituída no Brasil em 18 de fevereiro deste ano, em razão da doença, até então, ser considerada uma enfermidade leve e, em geral, sem maiores complicações.
De acordo com o último boletim epidemiológico divulgado pelo Ministério da Saúde, 91.387 casos prováveis de zika foram registrados no país desde o início do surto no ano passado. Desses, 31.616 já foram confirmados. O documento aponta que, proporcionalmente, a região Centro-Oeste apresenta a maior incidência da doença, com 113,4 casos para cada 100 mil habitantes, enquanto que o Nordeste lidera em número absoluto de casos de zika, com 31.659 registros. Já entre as unidades da federação, destacam-se Mato Grosso (491,7 casos/100 mil hab.), Tocantins (190,9 casos/100 mil hab.), Bahia (164,8 casos/100 mil hab.) e Rio de Janeiro (156,7 casos/100 mil hab.).
Zika pelo mundo
A epidemia não ficou restrita ao Brasil. De acordo com dados da OMS, até 4 de maio, 57 países e territórios (confira o mapa) informaram transmissão do vírus zika através de mosquitos. Em 44 desses países, este é o primeiro surto documentado do vírus. A maioria dos países afetados encontra-se nas Américas.
Ainda segundo o órgão da ONU, nove países (Argentina, Canadá, Chile, Estados Unidos, França, Itália, Nova Zelândia, Peru e Portugal) relataram evidências de transmissão do zika entre pessoas por via sexual.
Microcefalia
A detecção, por pesquisadores brasileiros, da relação da doença com o número crescente de bebês com microcefalia levou a OMS a declarar a epidemia de zika como "emergência de saúde pública de preocupação internacional” . A microcefalia é uma anomalia que implica na redução da circunferência craniana do bebê ao nascer ou nos primeiros anos de vida e que pode provocar danos cerebrais,
A descoberta brasileira foi vista inicialmente com muita desconfiança por vários cientistas internacionais, mas recentemente foi confirmada pelo Centro de Controle e Prevenção de Doenças Transmissíveis (CDC) dos Estados Unidos.
Seis países confirmaram casos de microcefalia ou de má formação fetal potencialmente associadas ao zika, ou sugerindo infecção congênita, de acordo com a OMS. São eles: Brasil, Colômbia, Cabo Verde, Polinésia Francesa, Martinica e Panamá. A Espanha também relatou na última quinta-feira (5) a comprovação do primeiro caso de microcefalia relacionada ao vírus Zika na Europa.
O país com maior número de casos relatados é o Brasil, com 1.271 casos confirmados de microcefalia e outras alterações do sistema nervoso, sugestivos de infecção congênita, de acordo com o último boletim divulgado pelo Ministério da Saúde. O informe relata ainda 267 óbitos possivelmente em decorrência de microcefalia durante a gestação (aborto ou natimorto) ou após o parto.
Síndrome de Guillain-Barré
Além da microcefalia, outra complicação associada à zika é a síndrome de Guillain-Barré, uma doença neurológica rara, de origem autoimune, que provoca fraqueza muscular generalizada e que, em casos mais graves, pode até paralisar a musculatura respiratória, impedindo o paciente de respirar, levando-o à morte. Segundo a OMS, no contexto da circulação do vírus zika, 13 países e territórios em todo o mundo relataram um aumento da incidência da síndrome de Guillain-Barré, entre eles o Brasil e a Colômbia.
Assim como a zika, a síndrome não é de notificação obrigatória, e, por isso, não há dados nacionais confiáveis sobre os registros da doença. O número de atendimentos ambulatoriais relacionados à Guillan-Barré, entretanto, segundo reportagem da Agência Brasil, cresceu 8% de 2014 para 2015.
Avanços contra a epidemia
Embora o quadro diante da luta contra o vírus zika não seja nada animador diante da grande proliferação dos mosquitos transmissores da doença, da família Aedes, muitos progressos foram feitos no combate à doença. Confira seis deles:
1. Recentemente, a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) constatou que a bactéria Wolbachia reduz a transmissão do vírus zika através do mosquito Aedes aegypti.
2. Um outro estudo, feito por cientistas do Instituto D’Or de Pesquisa e Ensino (Idor) e da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), liderados pelo neurocientista das duas instituições Stevens Rehen e com apoio da Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj) e da Academia Brasileira de Ciências revela como o vírus zika age nos tecidos cerebrais levando a malformações neurológicas em bebês, entre elas a microcefalia. O trabalho, publicado na revista científica Science, pode ajudar a encontrar medicamentos que reduzam os danos causados pelo vírus na infecção de grávidas.
3. Pesquisadores da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) conseguiram fazer o sequenciamento do genoma do vírus zika e encontraram mais evidências de que a doença está relacionada a casos de microcefalia. O anúncio, feito em fevereiro deste ano, é do Laboratório de Virologia Molecular, que analisou o vírus encontrado no líquido amniótico de grávidas de Campina Grande, na Paraíba. Com sequenciamento do genoma, eles identificaram a ordem completa das informações genéticas do vírus, um passo fundamental para entender como o zika age no corpo, desenvolver vacinas e exames contra a doença.
4. Uma parceria firmada entre o Instituto Evandro Chagas, no Brasil, e a Universidade do Texas, nos Estados Unidos, deve acelerar o processo de estudos e elaboração da vacina contra o vírus zika. A vacina contra o vírus zika poderá estar desenvolvida e pronta para ser testada em humanos em um ano, segundo informações divulgadas pelo Ministério da Saúde em fevereiro deste ano.
5. O Instituto Butantan, em São Paulo, está estudando uma vacina e um soro contra o vírus zika. Dois tipos de vacina contra o vírus zika estão sendo estudados. O primeiro deles consistiria em transformar a vacina tetravalente contra a dengue (tetravalente porque combate os quatro tipos de vírus da dengue) em uma vacina pentavalente, incluindo o vírus zika. O segundo seria uma vacina específica ou isolada contra a doença.
6. O Instituto Vital Brazil, vinculado ao governo do Rio de Janeiro, está pesquisando um fitoterápico contra o vírus zika. O estudo está na fase laboratorial, in vitro, quando o produto é testado em cultivo celular. Os pesquisadores já testaram a ação do produto em vírus da dengue tipo 2 e do mayaro vírus - do mesmo grupo da chikungunya. Agora, estão sendo testados os tipos 1, 3 e 4 da dengue, além da chikungunya e do vírus zika.