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Reforma psiquiátrica tem avanços, mas Brasil ainda vive processo de transição

Aline Leal - Repórter da Agência Brasil
Publicado em 21/05/2016 - 18:37
Brasília
Fachada do Colônia, conhecido com o maior hospício do Brasil. Hoje, o local abriga o Centro Hospitalar Psiquiátrico de Barbacena e conta com 171 pacientes em regime de internação de longa permanência
© Reprodução/TV Brasil
Fachada do Colônia, conhecido com o maior hospício do Brasil. Hoje, o local abriga o Centro Hospitalar Psiquiátrico de Barbacena e conta com 171 pacientes em regime de internação de longa permanência

Fachada do Colônia, em Barbacena (MG), conhecido com o maior hospital psiquiátrico do BrasilReprodução/TV Brasil

Após 15 anos de vigência, a lei que estabelece a reforma no modelo de atenção à saúde mental no Brasil tem promovido mudanças positivas para o tratamento de pessoas com transtornos mentais. No entanto, na semana em que se reforça a luta antimanicomial, especialistas lembram que o país ainda está em processo de transição, já que o sistema que preconiza os tratamentos alternativos à internação hospitalar ainda convive com a existência de manicômios.

A pesquisadora da Escola de Saúde Pública Sérgio Arouca (Fiocruz) Melissa de Oliveira ressalta que a Lei 10.216, que formaliza a reforma psiquiátrica no Brasil, prevê o fechamento dos hospitais psiquiátricos, mas não dá um prazo para isso. "A gente tem o convívio entre uma psiquiatria ultrapassada, já cientificamente questionada, essa que se baseia exclusivamente na lógica médica e nos espaços asilares, e novos modelos mais avançados em saúde mental, em que o serviço é aberto, voltado para a comunidade". Para a ativista na luta antimanicomial, o processo não se encerra mesmo com os leitos fechados, porque nos novos serviços existe o risco de a lógica manicomial continuar, "a lógica da tutela e da redução de todos os problemas da pessoa considerada louca a uma questão médica, e a gente vê isso acontecendo hoje em dia".

A especialista conta que a luta pela reforma psiquiátrica começou na década de 70 com denúncias de que pacientes internados em hospitais psiquiátricos sofriam maus-tratos, fome, frio, agressões, estupros, e ainda a influência da chamada “indústria da loucura”, que buscava lucros em cima do tratamento desses pacientes. Melissa acrescenta que, na época, já havia bons exemplos de tratamentos alternativos, abertos, em cidades como Santos (SP), Fortaleza (CE) e Belo Horizonte (MG), nos quais os pacientes mantinham contato com a sociedade.

O novo modelo inclui tratamentos que envolvem oficinas terapêuticas, atendimentos em grupo e equipes multidisciplinares que vão buscar a autonomia da pessoa com transtorno mental. “O tratamento é voltado para o cuidado dessas pessoas em meio aberto, ou seja, não baseado no asilamento e sim na comunidade, no território. São serviços que se voltam para a assistência em saúde, mas também para a propulsão das estratégias voltadas para a geração de trabalho e renda, para a formação em cultura e arte”, detalhou Melissa.

Hospitais psiquiátricos

Dados do Ministério da Saúde mostram que entre 2002 e 2015 houve redução de 51,3% no número de leitos em hospitais psiquiátricos, caindo de 51.393 para 25.009. Segundo a pasta, ainda há 163 hospitais psiquiátricos no país, distribuídos em 113 municípios de 23 estados.

Atualmente, a maioria dos atendimentos é feita nos 2.328 Centros de Atenção Psicossocial espalhados pelo país. Para os pacientes que ficaram muito tempo internados e não têm para onde ir, existem as residências terapêuticas, casas onde essas pessoas são acompanhadas por profissionais sem sair do convívio com a sociedade.

Modelo brasileiro

Segundo Walter Oliveira, presidente da Associação Brasileira de Saúde Mental e professor da Universidade Federal de Santa Catarina, o modelo brasileiro hoje é referência na Organização das Nações Unidas. “É muito mais produtivo do ponto de vista terapêutico você tratar uma pessoa fora da internação do que internada”. O especialista esclarece que esse novo modelo não exclui a possibilidade de internação. “Você pode ter necessidades pontuais de internação, mas não é uma regra, deveria ser como qualquer outra especialidade médica, uma exceção, por menos tempo do que os hospitais costumam ditar”.

Para o professor, a forma como a sociedade vê as pessoas com transtorno mental é um fator de exclusão. “Há um avanço, um grande avanço que levou a uma compreensão melhor, uma aceitação da diversidade, e com isso veio uma certa compreensão melhor da saúde mental. Mas ainda há muitos resquícios de incompreensões resultadas de falhas educacionais, de achar que toda pessoa com transtorno psíquico é incapaz. O país perde muito com isso, pois as pessoas partem do pressuposto de que ela não pode trabalhar, produzir, e aí relega a pessoa com transtorno a um desemprego, a uma falta de significado de função na sociedade”.

Embora o país tenha vivenciado avanços, Melissa de Oliveira acredita que o sistema manicomial no Brasil é usado hoje inadequadamente para o tratamento de usuários de álcool e drogas, com denúncias de maus-tratos. Para a militante, isso mostra que a luta antimanicomial não pode parar.