Marcha pela legalização da maconha reúne manifestantes de 16 estados no Recife
Com o uso livre e amplo de maconha pelos manifestantes, mais uma edição anual da marcha que pede a liberação da substância percorreu as ruas do Recife no fim da tarde de hoje (26). O ato pediu mudanças na política antidrogas do Brasil, incluindo a legalização e regulamentação do consumo e do mercado da erva no país.
A passeata começou por volta de 17h30 na Praça do Derby, no bairro de mesmo nome, e seguiu para a Avenida Conde da Boa Vista. O ponto final foi o Pátio Santa Cruz, onde ocorrem apresentações culturais durante a noite para encerrar o ato.
Cartazes, roupas, fantasias e outros objetos estavam enfeitados com a folha carcaterística da Cannabis, nome científico da maconha. Cigarros da erva, chamados de baseados, ganharam réplicas gigantescas, levantadas acima das cabeças. A fumaça de sinalizadores davam mais realismo aos objetos – tudo ao som do reggae de Bob Marley e Edson Gomes.
Os baseados também estavam nas mãos e nas bocas dos manifestantes. A organização da marcha não desencorajava o uso da maconha durante a manifestação. Ao contrário. A posição é que fumar a erva na ocasião era liberado como um ato de desobediência civil. Aos usuários se misturavam as pessoas que não fumavam, mas apoiavam a causa.
Apesar de emprestar o nome à manifestação, a maconha não é o único foco do ato. Ingrid Farias, do Coletivo Antiproibicionista de Pernambuco, esclareceu que a Marcha "serve como um instrumento para dialogar com a sociedade sobre a importância de uma reforma da política de drogas".
Segundo ela, é preciso que se entenda a questão "de forma ampla, na área da saúde, educação, assistência social, segurança em alguma medida, mas que não fique preso a isso". Acrescentou que quem dialoga hoje sobre essa política no Brasil é Osmar Terra, ministro do Desenvolvimento Social, que é a favor do internamento compulsório de todos os usuários de drogas. "Isso é muito perigoso. É um retrocesso”, criticou. Em mais de uma ocasião os participantes pediram a saída do presidente interino Michel Temer.
Segundo Ingrid, a marcha é também uma forma de levar a causa para a visibilidade das ruas e mostrar que falar sobre legalização de maconha e outras drogas não deve ser um tabu. “A gente tem pouco acesso à informação real e confiável no Brasil. Então, é uma forma de dialogar e trocar experiências com as pessoas, inclusive com quem acredita que não deve haver legalização”, defende.
A maioria presente à marcha era jovem. Muitos só concordavam em dar entrevista com a condição de que não fossem identificados. “Não quero alimentar o tráfico de drogas. Levar tapa de polícia também não dá” foi um dos argumentos usados para defender a legalização da maconha.
Um grupo de amigos da Avenida do Forte, zona oeste do Recife, dialogou sobre os efeitos da proibição na vida deles. “A gente vai se expor na boca de fumo, arriscando a vida. Chega do trabalho cansado e, em lugar de ter um pé em casa para fumar tranquilo, fica essa polêmica e quem paga 'é' nós”, disse um dos participantes. O outro também reclamou do assunto ser tabu. “Quero poder falar que não é droga. Ainda tem preconceito e não tem nada a ver”.
As consequências do encarceramento provocado pela criminalização das drogas também foi questionado na marcha. Uma das participantes do Coletivo Antiproibicionista de Pernambuco informou que quase 70% dos presos por tráfico de maconha portavam menos de 100 gramas. O dado é de um levantamento do Instituto Sou da Paz, que revela ainda que 94,3% do presos não pertenciam a organizações criminosas e 97% sequer portavam algum tipo de arma – uma pista que poderia apontar para o fato de serem microtraficantes ou usuários.
Uso medicinal
Um grupo que esteve presente à marcha da maconha defendeu a legalização principalmente para fabricação de medicamentos derivados da substância. A Aliança de Mães e Famílias Raras (Amar) relatou casos exitosos de tratamento de sintomas convulsivos com remédios à base da canabidiol, cuja importação já foi autorizada pela Anvisa em casos específicos.
“Nós atendemos 317 famílias, e 95% das nossas crianças usam anticonvulsivanete e medicamentos de drogas legalizadas. Nossas mães precisam que os médicos prescrevam esses medicamentos [de canabidiol] e que elas sejam acolhidas e apoiadas. Os neuros não querem apoiar. Não tem quem passe esse remédio, mas a gente paga remédios contra convulsão que são caríssimos e não resolvem, enquanto o canabidiol apresenta resultados muito melhores”, argumentou a presidenta da organização, Pollyana Dias.
Mesmo com as regras modificadas pela Anvisa, Pollyana explicou que a importação do medicamento é impossível para a maior parte das famílias. “Esse remédio custa cerca de R$ 5 mil. A população não tem como pagar. Tem pessoas da Liga Canábica da Paraíba que fabricam clandestinamente seu medicamento e custa R$ 300”, comparou. “O ideal é que fosse produzido no Brasil e que facilitasse o acesso”.
Encontro nacional
Nem só de pernambucanos se fez a marcha da maconha no Recife. Muita gente de outros 15 estados participou, porque o primeiro Encontro Nacional de Coletivos e Ativistas Antiproibicionistas (Encaa) foi realizado na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) entre sexta-feira (24) e hoje. No evento eles esboçaram os primeiros passos de um anteprojeto de lei de iniciativa popular para regular as drogas no país.
“Do encontro o que sai é a potência de vários coletivos antiproibicionistas de todo o Brasil estarem próximos dialogando sobre avanços e dificuldades dessa luta. A gente construiu a metodologia para o projeto e tirou pontos prioritários da políticia de drogas. A partir disso, a gente vai discutir em uma rede nacional o projeto de lei com pessoas que não puderam estar aqui. Vamos dialogar também com parlamentares para saber como avançar com essa pauta nos espaços institucionais”, acrescentou Ingrid Farias.