Moradores de rua fazem ato no centro de SP para lembrar mortos pelo frio
Moradores de rua e militantes de movimentos sociais fizeram hoje (16) um ato no centro de São Paulo para lembrar as seis pessoas em situação de rua que morreram este mês na cidade, provavelmente em decorrência do frio. Segurando cruzes e faixas, eles lamentaram as mortes e pediram moradias e direito à cidadania. O ato começou na Praça da Sé e, por volta das 19h30, os manifestantes seguiram em caminhada pelo centro da capital até a sede da prefeitura.
“A Praça da Sé é um local onde há muitas pessoas em situação de rua. Aqui aconteceu o massacre de 2004 [quando sete moradores de rua foram assassinados] e esse massacre continua”, disse o padre Júlio Lancellotti, da Pastoral do Povo de Rua.
Morador de rua há 16 anos, o pedreiro Dino José, 59 anos, costuma viver embaixo do Viaduto Alcântara Machado, na região do Brás, centro de São Paulo, e disse que “está sendo difícil” enfrentar o frio nos últimos dias. “Tenho minhas estratégias [para enfrentar o frio]. Todo homem de rua tem. O que eu faço? Procuro cobertores, doações”, contou. “Estamos aqui lutando por um direito que é nosso. Sou um homem de rua, sim senhor. Mas tenho direito à moradia e isso está lá na Constituição. Luto por esse povo e amo esse povo”, disse, chorando.
Higienização
Mais cedo, o prefeito Fernando Haddad negou, em entrevista coletiva, que haja uma higienização em curso da população em situação de rua na cidade.
O padre Júlio, no entanto, reafirmou a crítica ao prefeito de que está havendo retirada de pessoas da rua de forma arbitrária. “O que falta ao prefeito é conversar diretamente e francamente com a população de rua, não com representantes. Como não rola higienismo? É só ir na Praça 14 Bis e ver todo dia o que acontece lá, na Mooca, na Vila Leopoldina. A GCM [Guarda Civil Metropolitana] está junto e dá apoio a essas ações chamadas de rapa, de zeladoria urbana, onde pilham tudo o que a população de rua tem. Levam documentos, remédios. Eu já presenciei”, disse o padre. “Tirar o cobertor de rua de uma pessoa que está na rua é indecente, antiético, é imoral, é tortura”, acrescentou.
Sobre a denúncia de que agentes da Guarda Civil Metropolitana estariam retirando colchões e outros objetos pessoais de moradores de rua, o prefeito disse que o caso está sendo investigado e que vai lançar um decreto, no sábado, com procedimentos que serão adotados pelos órgãos da prefeitura na abordagem a pessoas em situação de rua.
“O prefeito negou [que a GCM esteja retirando colchões]? Negou à toa. É exatamente isso que eles estão fazendo. Vejo isso todos os dias. Tiram colchões, cobertores, documentos. De mim não tiraram ainda não. Mas tiram de todos”, disse o morador de rua Dino José.
“O que tem que ficar claro é que não é papel da GCM fazer policiamento ostensivo em cima da população de rua. Quem deve fazer a aproximação e o estabelecimento de vínculos é a assistência social e a saúde”, disse o padre Júlio Lancellotti.
Mortes
Na entrevista de mais duas horas, Haddad também disse que a causa das mortes dos seis moradores de rua não está confirmada e que podem não estar relacionadas com o frio.
Segundo o padre Júlio, moradores de rua não morrem somente nas épocas de frio e este ano a média é de quase uma morte por dia, até agora.
“Falei agora a tarde com um diretor do IML e ele deixou bem claro que a hipotermia não é uma patologia. A pessoa tem outras doenças de base. E a hipotermia eleva, por exemplo, em 30% a incidência de infarto na população em geral. Imagine isso numa população que está no congelador. Então dizer que nessas madrugadas frias o frio não teve nada a ver? O frio foi um catalisador e foi um facilitador de que as pessoas entrassem em hipotermia”, disse o religioso.
“Seria uma coincidência muito grande que a pessoa tenha morrido de infarto, de madrugada, na rua, deitada em cima de um papelão com um cobertor que não esquenta”, acrescentou.
Para o padre, para evitar as mortes das pessoas em situação de rua, seriam necessários cuidados permanentes de saúde. “As pessoas que estão nas ruas são muito sujeitas à tuberculose, à pneumonia, problemas dermatológicos e odontológicos e muitas patologias que se agravam com a exposição na rua. É preciso que os consultórios nas ruas estejam bem atuantes, como estão.”