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"Farra dos guardanapos" seria comemoração da escolha do Rio para sede olímpica

Akemi Nitahara – Repórter da Agência Brasil
Publicado em 05/09/2017 - 16:49
Rio de Janeiro
Rio de Janeiro - Coletiva de imprensa na sede da Polícia Federal para esclarecimento da Operação Unfair Play da Lava Jato. Na foto, o delegado da Polícia Federal Frederico Skora e o procurador Eduardo El Hage (Tânia Rêgo/Agência Brasil)
© Tânia Rêgo
Rio de Janeiro - Coletiva de imprensa na sede da Polícia Federal para esclarecimento da Operação Unfair Play da Lava Jato. Na foto, a procuradora Fabiana Schneider (Tânia Rêgo/Agência Brasil)<img src=" class="Image img__fid__107610 img__view_mode__teaser attr__format__teaser" height="388" src="/sites/default/files/atoms/image/1089689-tnrgo_abr_edit_05091706050.jpg" title="" typeof="Image" width="580" />

Coletiva de imprensa na sede da Polícia Federal para esclarecimento da Operação Unfair Play da Lava Jato. Na foto, a procuradora Fabiana Schneider (Tânia Rêgo/Agência Brasil)

O episódio que ficou conhecido como “farra dos guardanapos” pode ter sido uma comemoração antecipada da escolha do Rio de Janeiro como sede dos Jogos Olímpicos 2016, “por quem mais lucrou com os jogos”, segundo avaliação do Ministério Público Federal no Rio de Janeiro (MPF/RJ), que participou da Operação Unfair Play, deflagrada hoje (5), e que investiga a suposta compra de votos no Comitê Olímpico Internacional para a escolha da cidade para sediar o evento esportivo.

O caso aconteceu em setembro de 2009, em Paris, onde o ex-governador Sérgio Cabral tinha recebido uma homenagem. Fotos da celebração em que Cabral aparece ao lado de outros com guardanapos na cabeça foi publicada em 2012 pelo ex-governador Anthony Garotinho. Dos que aparecem na foto, quatro estão presos, envolvidos em esquemas de corrupção investigados pela Operação Calicute, um desdobramento da Lava Jato: além de Cabral, o dono da empreiteira Delta Construções, Fernando Cavendish, e os secretários de Cabral das pastas da Saúde, Sérgio Cortes, e de Governo, Wilson Carlos.

Segundo a procuradora Fabiana Schneider, foram identificados depósitos que somam US$ 2 milhões feitos pela empresa Matlok Capital Group, do empresário Arthur Soares Filho, conhecido como Rei Arthur, às empresas de Papa Massata Diack, filho do então presidente da Federação Internacional de Atletismo, o senegalês Lamine Diack, também membro do Comitê Olímpico Internacional (COI).

“Chama a atenção a proximidade dos depósitos com a escolha da cidade. No dia 23 de setembro de 2009 ocorre a primeira transferência bancária de US$ 2 milhões da Matlok para Papa Massata Diack. Mas como não havia nenhuma relação entre eles, nenhuma justificativa para a transação, o banco francês devolveu o depósito no dia 28, de acordo com as regras francesas. No dia 29, a Matlok deposita US$ 1,5 milhão para uma empresa de Papa Diack, em Dakar (África), e US$ 500 mil para outra na Rússia. No dia 2 de outubro acontece o evento na Dinamarca, em que o Rio de Janeiro ganhou a posição para sediar a olimpíada, mesmo tendo as piores condições entre todos os candidatos”, disse Fabiana.

Segundo a procuradora, os representantes africanos do COI tinham o costume de votar em bloco, portanto, o voto de Diack pode ter influenciado todo o continente. Outro elemento apontado por ela, é o papel do presidente do Comitê Olímpico Brasileiro (COB), Carlos Arthur Nuzman, que teria feito a ligação entre Soares e Diack.

“Antes da escolha da sede dos Jogos Olímpicos de 2016, as três esferas da federação, município, estado e União, traziam a informação e vendiam a ideia de que os jogos trariam grande desenvolvimento para cidade do Rio de Janeiro. Depois de tantas investigações e denúncias, o que a gente vê é que, na verdade, os Jogos Olímpicos foram usados como um grande trampolim para o cometimento de atos de corrupção de dimensões olímpicas. Formou-se uma triangulação de interesses e favores entre agentes políticos, esportistas e um seleto grupo privado, que cuidadosamente planejou cada passo para que os jogos olímpicos viessem para o Brasil e os lucros futuros que poderiam obter”, disse a procuradora.

O procurador Eduardo El Hage, que integrou a operação, destacou que o esquema difere de outros da organização de Cabral, que costumava receber propina em espécie para evitar o rastreamento do dinheiro. Mas que, devido à confiança que Cabral tinha no operador financeiro Renato Chebar, fez a operação por meio de contas bancárias em paraíso fiscal.

“A empresa Matlok abriu uma conta em Antígua e Barbuda, no Banco EVG, aberta pelo Renato Chebar. Outra conta foi aberta pelo Arthur Soares Filho, que deu uma procuração para Renato Chebar movimentar essa conta e transferir valores para contas em seu próprio nome, mas que de fato pertenciam ao senhor Sérgio Cabral. Ao longo de 2011 e 2012, foram transferidos para essas contas US$ 10.474.460,00. Isso foi relatado para nós por meio de colaboradores, os gestores do Banco EVG e o próprio Renato Chebar”, informou Eduardo.

O MPF destaca que Soares também estava presente em Copenhagen, no evento de anúncio da cidade-sede dos Jogos Olímpicos 2016, mesmo não tendo relação nenhuma com a área esportiva. A empresa Facility, de propriedade dele, foi a maior fornecedora de mão de obra terceirizada ao governo do estado e chegou a faturar R$ 2 bilhões por ano.

Cooperação Internacional

Toda a operação deflagrada hoje contou com colaborações de Antígua e Barbuda, França, Estados Unidos e Reino Unido. Representantes do Ministério da Justiça francês participaram da ação. O procurador Nacional Adjunto Financeiro do país, Jean-Yves Lourgouilloux disse que as investigações por lá começaram no fim de 2014, com o caso de dopagem envolvendo atletas russos.

Rio de Janeiro - Coletiva de imprensa na sede da Polícia Federal para esclarecimento da Operação Unfair Play da Lava Jato. Na foto os representantes do Ministério da Justiça da França (Tânia Rêgo/Agência Brasil)

 Coletiva de imprensa na sede da Polícia Federal para esclarecimento da Operação Unfair Play da Lava Jato. Na foto, os representantes do Ministério da Justiça da França (Tânia Rêgo/Agência Brasil)

“Alguns dos envolvidos eram da Federação Internacional de Atletismo e alguns eram franceses. Algumas transferências de capitais aconteceram na França. Começamos a investigar e confirmamos a suspeita. No final de 2015 foram emitidos vários mandados de busca e apreensão e as investigações financeiras que foram produzidas permitiram determinar que a corrupção ia muito além do fato de esconder o doping de atletas russos, mas podia envolver as condições de atribuição das cidades-sede dos eventos esportivos, inclusive o mais importante deles, os jogos olímpicos”, disse Jean-Yves.

Segundo ele, a investigação apontou para uma transferência suspeita entre o Comitê Organizador de Tóquio 2020 e a Sociedade de Singapura, que já estava envolvida com o caso dos atletas russos. “Foi aberta outra investigação com os mesmos juízes que já conheciam o caso e nos demos conta que a mesma coisa podia ter acontecido com o Rio de Janeiro e pedimos a cooperação com o Brasil. Isso que nos permitiu evidenciar as transferências de dinheiro até a França onde o banco recusou a transferência. Essas transferências já foram acompanhadas antes da sede ser designada ao Rio. No mesmo dia da cerimônia o dinheiro chegou na conta e parte foi gasta em joias em Paris”.

A Operação Unfair Play contou com 70 policiais federais, que cumpriram dois mandados de prisão e 14 de busca e apreensão, sendo que três deles foram expedidos no decorrer do dia como extensão dos 11 iniciais. As diligências ainda não terminaram e ocorrem nas cidades do Rio de Janeiro, de Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense, e em Paris.

Eliane Pereira Cavalcante, ex-sócia de Arthur César de Menezes Soares Filho, foi presa pela manhã em sua casa, em Laranjeiras, na zona sul do Rio de Janeiro, e o nome de Soares foi incluído na Difusão Vermelha da Interpol, já que ele vive nos Estados Unidos. Nuzman foi levado para a sede da Polícia Federal no Rio de Janeiro para ser ouvido e deixou o local por volta de 15h15. Na casa dele foram apreendidos cerca de R$ 400 mil em notas de reais, dólares, libras, euros e francos suíços. O MPF pediu o bloqueio de até R$ 1 bilhão de cada um deles, como forma de ressarcimento ao país pelos danos morais causados pelo ato de corrupção com visibilidade internacional.