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Meio Ambiente

Após morte de botos, MPF recomenda suspensão de dragagem na Baía de Sepetiba

Léo Rodrigues - Repórter da Agência Brasil
Publicado em 17/01/2018 - 21:24
Rio de Janeiro
Rio de Janeiro – Boto-cinza que morreu devido a um surto da doença conhecida como morbilivirose dos cetáceos. Desde novembro do ano passado, mais de 170 botos-cinza apareceram mortos nas baías de Sepetiba e Ilha Grande (Imagem de divulgação
© Imagens de divulgação/Instituto boto-cinza
Rio de Janeiro Filhote vivo de boto-cinza com lesão causada por morbilivirose dos cetáceos nada cercado de adultos magros

Filhote vivo de boto-cinza com lesão causada por morbilivirose Imagem de divulgação/Instituto Boto-Cinza

Diante da mortandade de botos-cinza no litoral do estado do Rio de Janeiro, o Ministério Público Federal (MPF) recomendou ao Instituto Estadual do Ambiente (Inea) e à Companhia Portuária Baía de Sepetiba (CPBS) que suspendam imediatamente a dragagem que vem sendo realizada em uma área de 1,83 milhão de metros cúbicos no fundo da Baía de Sepetiba. Desde dezembro do ano passado, as populações de golfinhos que vivem na região estão sendo afetadas com a circulação de um morbilivírus. A carcaça de mais de 170 botos já foram recolhidas por entidades ambientais nas baías de Sepetiba e de Ilha Grande.

A dragagem é a desobstrução, remoção ou escavação de material do fundo de um corpo d'água. No ano passado, o Inea autorizou que o processo fosse realizado pela CPBS, subsidiária da mineradora Vale que opera um terminal dedicado ao transporte de minério no Porto de Sepetiba, localizado no município de Itaguaí (RJ). A dragagem teve início no dia 12 de janeiro.

O MPF quer que o processo seja interrompido até a completa normalização do surto. A recomendação foi baseada em parecer de pesquisadores do Laboratório de Bioacústica e Ecologia de Cetáceos da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ). Segundo o documento, a dragagem traz impactos negativos aos animais, levando-os a abandonar o ambiente de forma temporária ou permanente.

Os pesquisadores avaliam ainda que a Baía de Sepetiba foi, nas últimas décadas, destino final de líquidos e sólidos ricos em cádmio, zinco e cromo. Assim, a preocupação é que dragagem faça com que esses metais, depositados no fundo da baía, se dispersem pela água. Em contato com eles, a imunidade dos botos-cinzas pode ficar comprometida, facilitando a ação do morbilivírus e aprofundando os efeitos do surto.

O parecer da UFRRJ sinaliza ainda que o ruído produzido no processo também traz impactos. "Tem o potencial de induzir estresse que, por sua vez, pode reduzir a eficiência de forrageamento de mamíferos marinhos ou aumentar sua suscetibilidade a patógenos e aos efeitos das toxinas”.

O Inea e a CPBS ainda não responderam se acatarão à solicitação. A recomendação do MPF, assinada pelos procuradores Sergio Gardenghi Suiama e Igor Miranda da Silva, foi expedida na segunda-feira (15) e pede um posicionamento em 72 horas. Com isso, o prazo se esgota amanhã (18). Em nota, o Inea informou que tomará sua decisão após receber o retorno de uma consulta formal ao Laboratório de Mamíferos Aquáticos e Bioindicadores da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Maqua/Uerj), com quem o órgão mantém um convênio técnico.

Morbilivírus

O boto-cinza é um dos menores golfinhos da família dos Delphinidae e vive entre 30 e 35 anos. Listado pelo Ministério do Meio Ambiente (MMA) como espécie ameaçada, habita áreas abrigadas, como enseadas e baías, especialmente próximas a manguezais. Como não têm o hábito de migrar, ele é extremamente dependente do equilíbrio ambiental de onde vive. No Brasil, os botos-cinza podem ser encontrados em diversas localidades desde o Pará até Santa Catarina, mas a maior população do mundo fica justamente na Baía de Sepetiba. Antes do surto, a estimativa era de que viviam ali 800 golfinhos.

Na avaliação do Instituto Boto Cinza, criado em 2009 com o objetivo de contribuir para a preservação da espécie, os principais motivos para mortes em Sepetiba são o avanço do desenvolvimento portuário e industrial no entorno da baía e a pesca predatória que acaba com os peixes dos quais os botos se alimentam.

O diagnóstico da recente mortandade coube a pesquisadores do Maqua/Uerj e do Laboratório de Patologia Comparada de Animais Selvagens da Universidade de São Paulo (USP). Após analisar carcaças, eles anunciaram na semana passada que foi identificada a presença de um vírus do gênero morbilivírus que pode atingir diferentes cetáceos, como botos, golfinhos e baleias.

Uma das hipóteses consideradas é de que o surto tenha começado a partir do contato com outra espécie. O veterinário e pesquisador da Maqua/Uerj, Elitieri Neto, explicou que as primeiras transmissões devem ter começado na Baía de Ilha Grande, se alastrando depois para a Baía de Sepetiba. Segundo ele, a Baía de Ilha Grande é um local de encontro de muitos animais oceânicos de hábitos costeiros.