Ouvidorias cobram providências sobre desaparecimento de líderes sem terra
A Ouvidoria Agrária Nacional e a Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos cobram providências do governo do Amazonas para que o desaparecimento de três lideranças de produtores rurais sem terra em Canutama, no sul do estado, seja esclarecido. Após 48 dias do desaparecimento, ainda não há pistas do paradeiro dos sem terra, e os dois principais suspeitos estão foragidos.
Segundo a Ouvidora Nacional de Direitos Humanos, um pedido de informações sobre as providências adotadas pelas autoridades estaduais e de rapidez na apuração do caso foi enviado à Secretaria de Segurança Pública do Amazonas, no dia 20 de dezembro, mas foi devolvido pelos Correios há cerca de uma semana por ter sido despachado para o endereço errado, o que atrasou o processo.
“De qualquer forma, estamos monitorando a situação. Vamos ligar ou reenviar o ofício para cobrar agilidade nas apurações e que nos mantenham informados quanto às providências que estão sendo adotadas”, disse a ouvidora nacional de Direitos Humanos, Herta de Souza Rolim, admitindo a “complexidade” da investigação. “A competência pela apuração é das autoridades estaduais. A Ouvidoria Nacional é um veículo de participação social que recebe as denúncias e aciona a rede de proteção, solicitando apuração rigorosa”, explicou a ouvidora à Agência Brasil.
Vinculada ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), a Ouvidoria Agrária Nacional também já havia solicitado à Secretaria Estadual de Segurança Pública do Amazonas informações das providências adotadas para localizar os desaparecidos e apurar as responsabilidades. As respostas foram enviadas poucos dias depois, em um documento de quase 30 páginas cujo teor as autoridades mantém em segredo para não atrapalhar as investigações. No entanto, poucos dias antes de receber o ofício da secretaria estadual, a Ouvidoria Agrária atendeu ao requerimento dos parentes dos trabalhadores rurais desaparecidos e pediu à Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos que interviesse no caso.
Há quase dois meses à espera de informações, parentes dos desaparecidos já não acreditam na hipótese de encontrá-los com vida, mas pedem que a Polícia Federal assuma o caso a fim de apurar as responsabilidades e punir os culpados.
“Estamos buscando todo tipo de ajuda possível. Estamos muito preocupados com o andamento das coisas, que as investigações não resultem em nada. Por isso queremos que a Polícia Federal assuma o caso”, declarou à Agência Brasil a irmã de Flávio Lima de Souza, um dos desaparecidos, Lucicleia Lima de Souza. “Há argumentos contrários a transferir a competência da investigação para a PF, mas nós notamos que as investigações não estão andando. Os suspeitos estão foragidos; policiais levaram quase 13 dias para realizar buscas na área da fazenda onde meu irmão pode ter sido mantido refém; a delegacia responsável pelo caso não tem a estrutura necessária...Por tudo isso pedimos às ouvidorias Agrária e de Direitos Humanos que atuem junto ao MPF e à PF para transferir a responsabilidade pela investigação”, acrescentou Lucicleia.
Crime agrário
Procurada pela reportagem, a Polícia Civil do Amazonas admitiu que os desaparecimentos de Flávio Lima de Souza, de 42 anos; Marinalva Silva de Souza, de 37 anos, e Jairo Feitoza Pereira, de 52 anos, configuram um crime agrário. Flávio e Marinalva eram, respectivamente, presidente e vice-presidente da Associação dos Produtores Rurais da Comunidade da Região do Igarapé Araras e vinham denunciando ameaças de grandes produtores rurais locais.
As investigações do caso estão a cargo da 62ª Delegacia Interativa de Polícia de Canutama. Em nota, a Polícia Civil informou que as buscas organizadas pela Polícia Militar amazonense com o apoio do Comando de Operações Especiais da Polícia Militar e do Corpo de Bombeiros de Rondônia e do Exército Brasileiro não encontraram vestígios dos líderes sem terra. Além disso, nada foi encontrado durante as buscas realizadas na fazenda cuja sede fica próxima ao local onde o grupo de sem terra está acampado.
Flávio, Marinalva e Jairo foram vistos pela última vez no dia 14 de dezembro, quando saíam para vistoriar parte da área conhecida como Igarapé das Araras, às margens da Rodovia BR-319, altura do quilômetro 56, a cerca de 620 quilômetros de Manaus e pouco mais de 50 quilômetros de Porto Velho, em Roraima. O local faz parte da propriedade ocupada por cerca de 200 sem-terra desde 2015 e que é objeto de disputa fundiária com um grupo privado.
Segundo o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), a Justiça Federal já admitiu, em caráter liminar (provisório), a possibilidade de que os registros de propriedade de imóvel em nome de particulares sejam cancelados e a área devolvida à União. O instituto informa que espera a sentença judicial definitiva para definir o destino do imóvel rural, com a provável destinação do terreno ao programa de reforma agrária.
Suspeitos
No dia 28 de dezembro, o Tribunal de Justiça do Amazonas (TJ-AM) decretou a prisão preventiva de dois suspeitos de envolvimento com o caso, o fazendeiro Antonio Mijoler Garcia Filho, 61 anos, e o caseiro Rinaldo da Silva Mota, 38 anos. Procurados por suspeita de homicídio qualificado, os dois ainda não foram localizados e são considerados foragidos.
Sem pistas do paradeiro dos suspeitos e sem informações sobre as lideranças sem-terra – desaparecidos em uma região de difícil acesso e vegetação densa, próximo à divisa com Rondônia – as autoridades suspenderam as buscas por Souza, Marinalva e Pereira. Militares do Exército auxiliaram nas buscas entre os dias 20 e 24 de dezembro, mas suspenderam os trabalhos sem encontrar qualquer indício do paradeiro dos três desaparecidos.