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Combate a crimes de pedofilia passa também por debates com a sociedade

Pedro Peduzzi - Repórter da Agência Brasil
Publicado em 17/05/2018 - 12:22
Brasília
A ex- delegada- chefe da DPCA, Valéria Martirena, fala sobre Pedofilia durante entrevista à Radio Nacional de Brasilia
© Marcello Casal jr/Agência Brasil

No dia em que foi deflagrada uma das maiores operações policiais contra a pedofilia no Brasil, a delegada especializada em combate a crimes contra crianças e adolescentes Valéria Martirena defendeu que o debate sobre o tema, apesar de ser tabu, é fundamental para que a sociedade tenha mais conhecimento sobre esse tipo de delito.

Martirena chefiou a Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescente do Distrito Federal, entre 2011 e 2015. Dessa experiência, surgiu o interesse em relatar os casos, como forma de alerta e prevenção a abusos sexuais e pedofilia, o que foi feito por meio do livro Pedofilia – Fatos Baseados na Vida Real (Editora Movimento, 2016).

A ex- delegada- chefe da DPCA, Valéria Martirena, fala sobre Pedofilia durante entrevista à Radio Nacional de Brasilia
A ex- delegada-chefe da DPCA, Valéria Martirena, fala sobre Pedofilia durante entrevista à Radio Nacional de Brasilia - Marcello Casal jr/Agência Brasil

O livro começa com uma indagação: O que você sente quando ouve falar de pedofilia? “Esta pergunta chama as pessoas a uma reflexão sobre o por quê de a violência ser algo que as pessoas evitam falar”, disse a delegada. Segundo ela, essa dificuldade é identificada também entre policiais.

“Nem todo policial se sente capacitado para fazer esse trabalho, devido ao estresse emocional, que pode resultar em depressão”, disse a delegada, após participar do programa Revista Brasil, da Rádio Nacional de Brasília, da Empresa Brasil de Comunicação (EBC), ancorado pelo jornalista Valter Lima.

Na maior parte dos casos de pedofilia, o criminoso é uma pessoa da confiança dos pais, disse a delegada. “As pessoas têm a falsa impressão de que as crianças estão protegidas por estarem com conhecidos. Só que o que vemos é o oposto disso. A grande maioria dos casos é praticado por pessoas conhecidas e familiares”.

De acordo com a delegada, a própria criança pode dar indicações de que pode estar sendo vítima desse tipo de abuso. “É comum a ocorrência de temor noturno, agressividade e ou timidez, por parte da criança abusada. Outra forma de se identificar isso [o abuso] é por meio de desenhos feitos durante as aulas na escola e de outras formas de comunicação não verbais".

Ela alertou que, mesmo em se tratando apenas de suspeitas, é fundamental que a denúncia seja feita à polícia ou por meio do Disque 100 - número dedicado nacionalmente para denúncias via ligações telefônicas. “Mesmo em casos apenas de suspeitas, é importante que a denúncia seja feita. Esse é um assunto que precisa ser debatido pela sociedade. A discussão é necessária para ressignificar essa violência e melhor atender as vítimas.”

Segundo a delegada, há protocolos policiais que possibilitam identificar casos de falsa memória, por meio do qual a fantasia da criança pode ser confundida com abuso sexual ou pedofilia. “Em geral esses casos de falsa memória ocorrem quando há situação de conflito no ambiente familiar como, por exemplo, durante processos de separação”.

“Existe falha técnica. Por isso é necessário seguirmos protocolos no depoimento, bem como é necessário um trabalho pericial para averiguar se houve ou não a prática”

Pedofilia praticada por mulheres

A delegada Valéria falou também da existência de pedofilia praticada por mulheres. “É um percentual bem menor de denúncias, até por conta do machismo de nossa sociedade, que acaba escondendo isso. Esses casos muitas vezes são vistos com naturalidades, como fazendo parte da iniciação sexual de um menino. Mas, em geral, há muitas semelhanças com a pedofilia praticada por homens por, em grande parte, envolver manipulação e sexo oral”.

A delegada explica que antes de tudo é importante diferenciar exploração sexual de estupro de vulneráveis. No primeiro caso, há uma relação comercial. Já o segundo caso envolve crianças com idade inferior a 14 anos. “Qualquer ato de libidinagem contra essa criança configura estupro de vulneráveis. Além disso, nenhuma criança se prostitui. Ela é explorada sexualmente”.

Ela acrescenta que há dois tipos de violência sexual. Uma delas envolve a prática do abuso sexual. A outra, que é o caso da pedofilia, parte do desejo pela criança. “Muitos pedófilos não são abusadores. A coisa fica no campo da imaginação. Nesse caso, ainda que não tenha consciência disso, o pedófilo pratica o crime ao consumir o material em um ambiente virtual. Isso porque nesse material há alguma criança sendo abusada”, disse a delegada ao relatar que após a identificação desse material, uma outra etapa da investigação é iniciada, que é a de se buscar aqueles que aparecem no vídeo.

Valéria diz que raramente um pedófilo assume ter cometido o crime. “Quem assume, em geral, diz não conseguir evitar a prática. Há também aqueles que relatam uma sensação de não ter saído da infância e, por se ver como criança, estariam tratando a criança como igual. Há também relatos de violadores que se portam como se fossem outro indivíduo. Inclusive usando vestimentas e voz diferentes que levam a criança a acreditar se tratar de uma outra pessoa”. Ela explica que é comum o pedófilo procurar ambientes onde tenha acesso a crianças. Por isso costumam trabalhar em locais em que possam ter contatos com ela.