Reconhecimento facial combate fraudes no transporte em Curitiba
Considerado referência há pelo menos três décadas, o sistema de transporte coletivo na região metropolitana de Curitiba tem como principal desafio continuar se modernizando. Apesar dos avanços, que incluem um modelo de fiscalização de irregularidades em tempo real e o combate ao uso indevido da gratuidade, especialistas e gestores locais defendem maior integração entre os cartões disponíveis e uma forma mais atrativa aos usuários.
Criticada pelos usuários devido ao fim da Tarifa Única, a desintegração da bilhetagem ocorrida em 2015 possibilitou a criação de uma entidade exclusiva para cuidar do transporte público na região metropolitana, separando-o das cidades mais próximas à capital paranaense. Meses após a implantação, o novo sistema fez com que o cartão utilizado pelos usuários de outras cidades se tornasse mais moderno e inovador.
Quando os usuários têm direito à gratuidade, como idosos e pessoas com deficiência, se cadastram no sistema, devem fazer a identificação biométrica por meio de fotografias tiradas de frente e de perfil. A partir daí, essas informações passam a constar no registro do usuário, que se torna isento. Quando ele entra no ônibus, um equipamento nas catracas tira cinco fotos seguidas, que são automaticamente checadas.
Diretor-executivo da entidade que administra as Empresas de Ônibus de Curitiba e Região Metropolitana, chamada Setransp, Luiz Alberto César destaca os benefícios da tecnologia, presente nos 19 municípios que fazem parte da rede.
“A partir do momento que você adquire o cartão, passa a usar o reconhecimento facial, para fazer com que acabe com esse uso de bilhetes que circulam por aí como isentos. Com isso, ele diminui o número de passageiros que circulam gratuitamente [de forma ilegal], evita assaltos dentro dos ônibus porque não tem mais dinheiro e com isso, você traz mais segurança, agilidade e conforto para o usuário”, explica o diretor da Setransp.
Segundo a Associação Metrocard, 2 mil cartões já foram bloqueados entre novembro de 2015 e outubro do ano passado por causa de fraudes, grande parte envolvendo parentes que utilizavam o cartão do usuário isento ou relacionadas a cartões roubados. Desde o ano passado, as empresas têm disponibilizado totens de autoatendimento para recarga digital dos bilhetes eletrônicos por meio de cartões de débito, o que permite a compra sem a necessidade de ir até o posto de atendimento.
Para as cidades que compõem a rede integrada de Curitiba, o desafio é ampliar a bilhetagem eletrônica e integrá-la com o sistema das cidades vizinhas.
Carros em excesso
Os próximos gestores devem se preocupar também com a redução do número de veículos individuais.
De acordo com levantamento da Agência Brasil, Curitiba fechou o ano de 2017 se mantendo na posição de capital mais motorizada do país. Com um automóvel emplacado para cada 1,8 habitante, a cidade é a que tem o maior número de carros proporcionalmente registrados, ficando à frente de outras metrópoles, como Belo Horizonte (1,9 habitante/veículo), São Paulo (2,16 hab/veículo) e Brasília (2,4 hab/veículo).
Os dados foram obtidos com base na frota de veículos disponibilizada pelo Departamento Nacional de Trânsito e nas estimativas populacionais do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) para o ano passado. De acordo com a URBS, empresa pública de urbanização de Curitiba, o 1% da divisão modal destinada aos ônibus transporta 45% da população. Já os carros, que representam 81% da frota, são responsáveis pelo trajeto de 22% dos moradores da cidade.
Trajeto mais rápido
Mesmo assim, devido à priorização histórica, o transporte público consegue apresentar resultados melhores do que os automóveis em alguns trajetos. A Agência Brasil fez dois percursos em ônibus de maior velocidade da cidade. O chamado Ligeirão, um biarticulado com capacidade para levar 250 passageiros, faz ultrapassagens dentro dos corredores exclusivos e tem uma rota que não precisa parar em todos os pontos.
No meio da tarde, fora do horário de pico, o ônibus chegou ao destino quatro minutos antes do carro que levava a reportagem, mesmo o motorista percorrendo as vias mais velozes. Na outra viagem, buscando simular o retorno de um trabalhador à sua casa, o caminho foi maior. Para chegar a Campo Largo, que tem 127 mil habitantes e costuma servir de cidade-dormitório, foi preciso passar por uma rodovia e percorrer 30 quilômetros.
Com menos retenções no trânsito, o transporte público mais uma vez chegou na frente, mesmo sendo necessário trocar de ônibus em um terminal no centro da cidade. No interior dos veículos, os usuários são orientados por meio de avisos sonoro e visual sobre o fechamento das portas e as próximas paradas.
Fiscalização
Além disso, próximo ao motorista há um painel que permite ele se comunicar com o Centro de Controle Operacional, por meio de mensagens rápidas e previamente elaboradas. Como os veículos têm geolocalização, a URBS consegue fiscalizar e eventualmente multar as empresas que estão fora do horário, direto da sala de monitoramento.
Os funcionários do centro, inaugurado em 2012, controlam a frota por meio de câmeras e o GPS dos ônibus. Uma parceria com a polícia e a guarda municipal facilita o atendimento de ocorrências. Do centro de controle, é possível também avaliar se houve algum acidente ou definir a necessidade de manutenção de catracas, estações ou mesmo de itens no interior do veículo.
Caso o motorista esteja muito atrasado, ele é orientado a passar diretamente por uma quantidade de paradas de ônibus para que acerte a rota e atenda à demanda de acordo com o horário previsto. Apesar dos gastos maiores, a frota de Curitiba busca inovar também na sustentabilidade. A cidade tem 30 veículos híbridos, que até a velocidade de 20 km/h se locomovem silenciosamente, pois nesse período dependem 100% do motor elétrico.
Sustentabilidade e veículos modernos
Trinta e quatro ônibus biarticulados são movidos a biocombustível, que é feito à base de soja e reduzem a emissão de poluentes. A preocupação com a qualidade do ar, porém, não tem se refletido na renovação da frota. Com previsão de utilizar os ônibus por no máximo dez anos, as empresas de ônibus quiseram prorrogar o prazo, o que acabou gerando uma disputa jurídica que envelheceu a frota.
Atualmente, a idade média dos veículos é de 7,5 anos, acima dos cinco anos e meio da frota nacional, de acordo com pesquisa da Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos (NTU). Entre 2016 e o ano passado, a frota brasileira ficou 9,6% mais velha.
Para o usuário Paulo Sérgio Munhoz, 45 anos, porém, os veículos são bem conservados. “O transporte de Curitiba é um meio de mobilidade muito bom, a integração principalmente. Você paga R$ 4,25 e roda Curitiba praticamente inteira. Há uma disponibilidade de ônibus boa, uma frota que não é sucateada”, avalia.
Atração para novos usuários
A ausência de um sistema metroviário é notada pelos curitibanos. Proposto e abandonado algumas vezes, o projeto do metrô teve o último edital de licitação lançado em 2014, mas a administração atual não pretende colocá-lo em prática devido a inviabilidades técnicas e financeiras.
De acordo com a URBS, a malha de transporte por ônibus é considerada suficiente para suprir a demanda, desde que continue se ampliando, como tem ocorrido nas obras de expansão da Linha Verde. A nova via prioriza o tráfego de veículos coletivos e liga o Sul ao Norte da região metropolitana sem passar pelo centro.
Para Rafael Pereira, pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), a integração da tarifa em grandes centros e o incentivo dos governantes ao transporte público são estratégias necessárias para que o sistema volte a atrair usuários. Uma saída seria ampliar os subsídios direcionados à tarifa, barateando-a. Segundo ele, uma solução “relativamente barata” para a maioria das cidades médias brasileiras é a implantação de corredores exclusivos, que protegem os ônibus de congestionamentos e aumentam a velocidade média dos veículos.
Outro fator que contribui para a adesão de mais usuários ao serviço de transporte público é o acompanhamento em tempo real dos horários dos ônibus. “O tempo que as pessoas gastam na parada esperando ônibus é muito malvisto e incomoda mais que o tempo que elas passam no trânsito. Elas pensam que estão perdendo tempo e desperdiçando o dia. Esses aplicativos de celular e utilização de dados de GPS para dar a informação em tempo real permitem que a população faça o planejamento da sua viagem e ajudam a resolver problema de confiabilidade do serviço", afirma.