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São Paulo amplia uso de fuzil pela Polícia Militar

Camila Boehm – Repórter da Agência Brasil
Publicado em 19/10/2018 - 12:42
São Paulo

O governo do estado de São Paulo ampliou, desde o final de setembro, o uso de fuzis por policiais militares. O armamento, que era de uso permanente da corporação em operações específicas, será utilizado no policiamento ostensivo e preventivo, segundo informou o governo estadual. A medida traz novos elementos ao debate sobre segurança, intenso nesse período eleitoral,  sobre as soluções para diminuir a violência no estado.

De acordo com a Secretaria de Segurança Pública (SSP) do estado, o objetivo é aumentar ainda mais o poder de reação dos PMs e também a percepção de segurança da população.

“Trata-se, portanto, de uma medida importante para a segurança pública, pois permite fazer frente a criminosos que atuam em ocorrências com grave risco de morte, como furtos e roubos a caixas eletrônicos e transportadores de valores”, informou a secretaria. A pasta acrescentou que sargentos, cabos e soldados habilitados poderão utilizar os fuzis, de acordo com estudos e com a estratégia operacional de cada região.

Já o ouvidor das Polícias do Estado de São Paulo, Benedito Domingos Mariano, relativizou a eficiência da medida. “Do ponto de vista da diminuição da criminalidade, não vai ter efeito nenhum, eu acho que a polícia de São Paulo é muito bem equipada”, avaliou. Para ele, o armamento pesado se justifica apenas para ocorrências de enfrentamento ao crime organizado, que são minoria entre as ocorrências que a PM paulista enfrenta, e avalia que o armamento utilizado atualmente é suficiente.

Pesquisa 

“Nós fizemos uma pesquisa sobre o uso da força com os dados do ano passado. Pela pesquisa, a ocorrência de confronto com o crime organizado representou 1% das ocorrências de intervenção policial de confronto. Ocorrências com o crime organizado justifica a polícia ter um armamento mais pesado. Para o policiamento ostensivo cotidiano, eu acho que não justifica ter armamento pesado nas viaturas”, avaliou.

O ouvidor acredita que, para uma queda nos crimes, a polícia precisa fortalecer o policiamento preventivo e comunitário, principalmente nas regiões periféricas da cidade. “Hoje a polícia atua mais em ocorrências de flagrante delito, quer dizer, depois ou quando o crime está acontecendo”, disse. “Acredito que o policiamento preventivo, que chega antes do crime, é mais eficaz do que uma política que visa ao flagrante delito”.

Para Mariano, o uso de armamento mais pesado pode representar maior segurança aos policiais, no entanto, ressaltou que a maioria deles morre fora do serviço. “De cada 10 policiais militares que morrem no estado de São Paulo, nove morrem quando não estão em atividade policial, estão de folga. Então evidente que na folga o policial não vai ter esse tipo de equipamento, de modo que, do ponto de vista prático, não vai mudar muita coisa”.

Segurança x insegurança

A gerente do Instituto Sou da Paz Carolina Ricardi ressalta que pesquisas já revelaram que  a maior parte das armas apreendidas no estado são de calibres menor ou equivalente ao armamento que a polícia militar já utiliza. Em relação aos crimes em que há uso de armas mais pesadas, como roubos a bancos ou de carga, ela avalia que as polícias já tinham à disposição, antes da ampliação do uso de fuzis pelo governo do estado, o armamento necessário para enfrentá-lo.

“Não é em um patrulhamento cotidiano que a polícia vai se deparar com um grande roubo a banco, isso é muito difícil. O roubo a banco, quando a polícia age, em geral, vem precedido de uma investigação, de uma denúncia, e aí há possibilidade de a polícia recorrer a um armamento mais pesado”.

Para Carolina, a ampliação do uso de fuzis não gera necessariamente sensação de segurança. “Dependendo da situação, pode gerar mais medo e mais insegurança porque é uma arma que, se mal usada, tem um poder letal muito maior, pode atingir muito mais gente e temos um problema que é: a polícia de São Paulo ainda tem um patamar alto de uso excessivo da força letal”. Do percentual de mortes violentas, entre 25% e 30% delas são praticadas por policiais, incluindo casos de legítima defesa e em serviço.

“O que precisamos é aumentar a investigação para, de fato, chegar com antecedência nesses crimes graves em que vão ser usadas essas armas longas; organizar a integração entre polícia civil e militar para fazerem operações bem efetivas e conseguir tirar de circulação esses criminosos que usam essas armas [de maior calibre]; rastrear as armas para saber de onde elas vêm”, defende.

Guerra às drogas

Para o professor de Criminologia na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e diretor do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCrim), Edson Luis Baldan, o aumento do potencial das armas das polícias traz maior sensação de segurança aos policiais e, segundo ele, a medida era inevitável por causa da escalada da violência no fenômeno que chamou de guerra às drogas. Ele também foi delegado de 1990 a 2016.

Baldan é a favor que os policias tenham um poder de fogo igual ou superior ao dos possíveis criminosos, mas acredita que a solução para a Segurança Pública é mais complexa. “Por que nós chegamos nesse quadro? Isso começa há 50 anos quando aderimos à guerra às drogas. Essa expressão é muito simbólica porque nós passamos a utilizar equipamentos, estratégias, de combate - que é um termo militar - ao tráfico e drogas. O que nós temos obtido nesses 50 anos é um fracasso nessa guerra”, avaliou.

Segundo ele, o fácil acesso a drogas, rastro de pessoas mortas, feridas e encarceradas é o retrato de uma política criminal de combate às drogas “absolutamente falida”. “Se me perguntar se a medida [aumento no uso de fuzis] é necessária, a resposta é positiva também, porque os policiais não pediram para entrar nessa guerra”, acrescentou.

O professor acredita que é preciso abandonar o modelo de guerra às drogas. “Se nós começássemos hoje no plano legislativo, no plano de aplicação da lei penal pelos tribunais, um sistema de regulamentação do mercado de drogas - não vou falar liberação porque é uma palavra muito forte -, a tendência é que você descapitalizasse o crime organizado”.

“[É preciso] tratar a droga como problema de saúde pública e não como caso de polícia, ou pior, como sendo uma questão bélica, de guerra. Nesse caminho, obviamente se reduziria a ofensividade e o tipo de armamento e a frequência dos enfrentamentos [do crime organizado] com a polícia”, defendeu.

Ele citou exemplos de regulamentação do mercado de drogas, como Uruguai, Portugal, doze estados americanos e Holanda, em que houve o enfraquecimento das organizações criminosas pelo simples fato que elas passam a lucrar menos diante de um fornecedor regulamentado pelo estado.

Aumento da letalidade

Como consequência do uso de armamento mais pesado pela polícia, o professor de Criminologia  destaca ainda o aumento da letalidade. Ele exemplificou que, no estado do Rio de Janeiro, onde o uso de armas de maior calibre é mais antigo pelas polícias regulares, há um número elevado de balas perdidas e uma letalidade que envolve civis.

“Isso [aumento da letalidade] acontece com uma potencialidade muito maior quando existe o emprego de um armamento que é muito mais ofensivo, que tem uma energia vulnerante muito maior, que é o caso desses fuzis desses calibres que foram concebidos para operações de guerra e não para missões de segurança pública urbana em relação a civis. É esperado que haja sim uma elevação na letalidade”, avaliou, em especial, daquelas pessoas estranhas ao confronto policial.

“Como essas armas têm uma concepção para atingir longas distâncias e uma energia cinética e vulnerante muito maior, vão acabar atingindo pessoas que estão há dezenas, há centenas de metros de um palco onde esteja acontecendo eventual confronto armado entre polícia e supostos criminosos”, disse Baldan. “O que a experiência nos mostra é que a elevação do número de armas de fogo por região acarreta o aumento dos eventos de morte e de lesões nessa área”.