Amigos dão adeus ao "fotógrafo dos presidentes"
Alegre. Gentil. Galanteador. Humilde. Foram esses alguns dos adjetivos usados para qualificar o fotojornalista Gervásio Baptista durante o velório realizado na manhã de hoje (9), no Campo da Esperança, em Brasília.
Conhecido como o “fotógrafo dos presidentes”, o baiano que trabalhou nas revistas O Cruzeiro e Manchete e registrou Juscelino Kubitschek, Tancredo Neves, José Sarney, Che Guevara, as revoluções Cubana e dos Cravos (Portugal), a Guerra do Vietnã e vários concursos de misses morreu na última sexta-feira (6), aos 95 anos.
Ótimo contador de “causos” e dos vários fatos históricos que testemunhou, Baptista dedicou sua vida a eternizar momentos fugidios.
“O Gervásio foi um ícone da fotografia política do Brasil, tendo documentado alguns dos momentos decisivos da história contemporânea”, afirmou o ex-presidente da República e ex-senador, José Sarney, que conheceu o fotógrafo ainda durante os anos 1950. “Aqui, sou só mais um amigo do Gervásio, mas acho que todos os presidentes que o conheceram têm uma grande admiração por ele e pelo seu trabalho”, acrescentou o político maranhense que manteve contato sistemático com Gervásio ao longo das últimas décadas.
O ministro e presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Dias Toffoli, também compareceu ao velório de Gervásio, que fotografou o dia a dia da Corte entre os anos de 2001 e 2015. Ele se emocionou ao lembrar que, ao ser empossado ministro, em 2009, pediu a benção do veterano. “Geralmente, uma pessoa que vive muito chega ao fim da vida com poucos amigos, pois quase todos já morreram. Vir a um velório de uma pessoa com tanta vivência e ver tantos amigos desta pessoa reunidos é uma alegria”, comentou Toffoli, apontando que a presença de tantas pessoas que conviveram com o fotógrafo é a prova do quanto sua vida valeu a pena.
“O Gervásio é uma figura histórica do jornalismo brasileiro, um exemplo de vida. Ele era uma pessoa extremamente gentil, bondosa e que, nos momentos de tensão, sempre vinha com uma brincadeira ou uma palavra de ânimo”, acrescentou Toffoli ao anunciar que, ainda este ano, o STF fará uma nova exposição de parte do trabalho de Gervásio. “Vamos remontar uma exposição que já foi feita no passado, em homenagem a ele”.
O destino da maior parte do acervo do fotógrafo é ignorado. As fotos que ele e outros profissionais produziram para a revista Manchete foram leiloadas junto com a massa falida da empresa e o comprador, que não é do ramo editorial, não disponibilizou o acesso público aos arquivos. As edições na íntegra da revista Manchete fazem parte da Hemeroteca Digital Brasileira, mantida pela Biblioteca Nacional, no Rio de Janeiro.
A repórter Marlene Galeazzi conheceu Gervásio na Manchete, ainda na década de 1970.
“Ele era uma pessoa muito brincalhona, que contava muitas histórias, e que trabalhava muito. Ele não largava a câmera um minuto e ensinava muito a todos nós. E, até o fim, preservou a boa memória e a disposição”, contou Marlene, destacando a importância do resgate das fotos de Gervásio. “Juntas, elas formam um documento histórico. A equipe da Manchete fazia grandes matérias aqui, no Brasil, e no mundo. Parte das imagens eram vendidas para agências internacionais Estas imagens precisariam ser recuperadas e a pessoa que as comprou deveria dar acesso a todo o material”, acrescentou a jornalista.
A jornalista Andrea Mesquita trabalhou com Gervásio quando chefiava a equipe de comunicação do STF. Segundo ela, com o avançar dos anos, o fotógrafo começou a enfrentar momentos difíceis, mas nem assim perdeu o bom humor. “Ele quase não falava da vida pessoal. Sabemos que ele deu um duro danado para sustentar a família e que quando a esposa [já falecida] teve um câncer, isso o baqueou muito. Ele teve que trabalhar até os 90 anos, mas não se queixava. O que ele contava era das suas realizações profissionais e pessoais, que dançou com atrizes, que fotografou as misses. Era uma pessoa incrível e, para um jornalista, ouvi-lo era um privilégio.”
Fotógrafos premiados de diferentes gerações presentes ao velório também destacaram o pioneirismo e a qualidade do trabalho de Gervásio. “Conhecemos um pouco da Amazônia, da malandragem do Rio de Janeiro e o rosto de alguns artistas pelas fotos do Gervásio em uma época em que a televisão ainda estava chegando ao país. Ele contribuiu muito para a grandeza do jornalismo do nosso país”, disse o premiado fotojornalista Orlando Brito ao comparar o fotógrafo baiano a “um dos Pelés da fotografia brasileira”. “Eu me abasteci muito do conhecimento do Gervásio.”
Nascido em Brasília, o também premiado fotógrafo Alan Marques via Gervásio como um exemplo não só profissional, mas de ser humano. “Quando eu estava começando, ele me dava toques sobre onde ir, onde não ir, o que fazer. Ele sempre nos acolhia, nos orientava... Era uma pessoa que fazia questão de compartilhar e que estava sempre sorrindo. Um exemplo de como se comportar. Como pessoa e como fotógrafo”, disse Marques à Agência Brasil, visivelmente emocionado.
Gestora da casa-lar para idosos onde Gervásio passou os últimos quatro anos de sua vida, Ana Paula Cardoso de Matos é testemunha de que, até o último dia, o baiano foi galanteador e brincalhão. “Mas ele era extremamente educado. Um cavalheiro”, contou Ana Paula, revelando que, apesar de alguns lapsos de memória naturais da idade avançada, Gervásio manteve a lucidez até o último dia. Ela afirma que era comum que, ao ver alguém tirando fotos com celulares, ele oferecesse ajuda e orientasse como obter a melhor imagem. Segundo Ana, a partida do “fotógrafo dos presidentes” foi muito tranquila, serena. “Ele morreu dormindo.”
O corpo de Gervásio foi cremado e a intenção da família é espalhar as cinzas na Baía de Guanabara, no Rio de Janeiro.
*Colaborou Gilberto Costa