Geólogo assinou estabilidade da barragem de Brumadinho sem capacitação
Em depoimento à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) que investiga a tragédia de Brumadinho (MG), o geólogo da Vale, César Augusto Grandchamp, disse que não possui especialidade em barragens. Mesmo assim, ele assinou o laudo que atestou a estabilidade da estrutura que se rompeu no dia 25 de janeiro, causando mais de 200 mortes.
"Eu, como geólogo, não tenho especialidade em barragens. Eu não sou geotécnico em barragens e muito menos especialista na questão de liquefação. Então, eu confio e confiei plenamente na avaliação que foi feita por especialistas da Tüd Süd e pelas equipes da geotecnia corporativa e da geotecnia operacional da Vale", disse Grandchamp.
O laudo de estabilidade, que deve ser emitido periodicamente, é uma exigência para que uma barragem continue operando. Ele é emitido após avaliações de uma empresa terceirizada que deve ser contratada pela mineradora. No caso da barragem de Brumadinho, esse trabalho foi feito pela consultoria alemã Tüv Süd. O laudo foi emitido em junho de 2018 trazendo duas assinaturas: a do engenheiro Makoto Namba, pela Tüv Süd, e a de Grandchamp, pela Vale.
Fator de segurança
Grandchamp é um dos 13 investigados pelo Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) que já foram presos duas vezes, mas atualmente está solto beneficiado por um habeas corpus concedido pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) em 14 de março. No depoimento, que foi prestado ontem (30), ele também foi questionado porque a estabilidade foi atestada mesmo após as análises levarem ao cálculo de um fator de segurança de 1.09.
No mês passado, representantes da empresa Potamos, que chegaram a desenvolver estudos na estrutura até março de 2018, disseram à CPI da ALMG que se afastaram dos trabalhos por discordâncias metodológicas. Uma consultora da empresa, a engenheira Maria Regina Moretti, disse que não assinaria um laudo com fator de segurança 1.09 porque as boas práticas de engenharia internacional estabelecem que o ideal é 1.3.
Segundo Grandchamp, além do respaldo de equipes que ele considerava de alto nível, o documento foi assinado respeitando norma da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT). "O fator de 1.3 foi colocado como um alvo a ser alcançado por aquelas barragens a montante cujo descomissionamento não fosse possível. Não existia uma recomendação e nem uma norma dentro da Vale indicando que o fator mínimo aceitável para estruturas fosse 1.3. Sendo assim, o que devíamos seguir era a norma da ABNT, que diz que o fator de segurança é definido pelo projetista ou pela empresa que está fazendo a auditoria", respondeu.
O geólogo, no entanto, reconheceu que a única barragem com fator de segurança de 1.09 que ele trabalhou foi a de Brumadinho, embora houvesse outras estruturas com fator de segurança abaixo de 1.3. Entre elas, citou Forquilha I, Forquilha II, Forquilha III, B3/B4 e Grupo. Todas estas estão entre as mais de 30 barragens que foram paralisadas após a tragédia de 25 de janeiro. Forquilha I, Forquilha III e B3/B4 estão entre as quatro que alcançaram alerta máximo e apresentam risco de iminente ruptura.
"A equipe de geotecnia corporativa é a responsável pela normatização dentro da Vale. Então, se houvesse uma normatização de que o fator a ser considerado fosse de 1.3, isso viria deles. O relatório passa por eles e é enviado por eles para a minha assinatura", disse Grandchamp.
Outro lado
Procurada pela Agência Brasil, a Vale afirmou em nota que a declaração de condição de estabilidade (DCE) é elaborada por uma empresa de auditoria externa sob a supervisão de uma equipe de geotécnicos da Vale capacitada para fazer esse trabalho.
"Após receber os estudos das auditorias, os geotécnicos emitem um parecer e o encaminham para o gerente de Geotecnia Operacional, que assina a DCE por parte da Vale. Na ausência do gerente, a DCE pode ser assinada por outro representante legal da área", diz o texto. Segundo a mineradora, à época do rompimento, a barragem tinha uma laudo válido conforme determina a legislação.
A Agência Brasil tentou, sem sucesso, contato com a Tüv Süd. No mês passado, quando questionada sobre as declarações dos representantes da Potamos, a empresa informou que "em respeito às investigações em curso, não está comentando detalhes do caso".