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MPF discute ações contra intolerância religiosa na Baixada Fluminense

Isabela Vieira - Repórter da Agência Brasil
Publicado em 18/05/2019 - 16:17
Rio de Janeiro

O Ministério Público Federal (MPF) organiza uma reunião aberta, em 30 de maio, para discutir com o governo do estado do Rio de Janeiro e o município de Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense, medidas de combate à intolerância religiosa. Entre elas, estão ações de valorização da cultura africana e afro-brasileira nas escolas, a imunidade tributária a terreiros, acolhimento das vítimas e a repressão a grupos criminosos que atacam sacerdotes, terreiros e adeptos de religiões afro.

O evento é um desdobramento da audiência pública realizada em 6 de maio. Na ocasião, o governo do estado se comprometeu com o MPF a financiar um serviço de atendimento de orientação jurídica e psicossocial, em parceria com a prefeitura, por meio da Secretaria de estadual de Desenvolvimento Social e Direitos Humanos.

O MPF tem inquérito civil público aberto para investigar a intolerância religiosa em Nova Iguaçu, um dos municípios que mais registraram episódios de violência no estado nos últimos anos, segundo dados da própria Secretaria de Direitos Humanos. No último domingo (12), Dia das Mães, um terreiro de candomblé, aberto há 15 anos no bairro Parque Flora, pela terceira vez foi invadido. Traficantes, apontados por frequentadores como os invasores, fizeram um churrasco no local. Antes, em março, eles já tinham pichado a frase “Jesus é dono do lugar” e destruídos objetos.

O episódio não é um caso isolado. O crime organizado nos bairros mais pobres de municípios da Baixada, somado à intolerância, tem se tornado uma ameaça à liberdade religiosa, afirmam lideranças ouvidas pela Agência Brasil. Por causa desses ataques, no fim de 2018, o então Ministério de Direitos Humanos chegou a divulgar Nota Pública de Repúdio, denunciando agressões feitas pelos “traficantes jesus”, identificados como neopentecostais.

Ações coordenadas

Integrantes da Comissão de Combate à Intolerância Religiosa participam de ato em solidariedade às vítimas de atentados no Brasil, Nigéria e França. Ao centro, o babalaô Ivanir dos Santos (Fernando Frazão/Agência Brasil)
Ao centro, o babalaô Ivanir dos Santos - Fernando Frazão/Arquivo Agência Brasil

Ações coordenadas do Poder Público, em todas as esferas, são soluções apontadas para acabar com os ataques e enfrentar o preconceito, segundo o Relatório Intolerância Religiosa no Brasil, do Laboratório de História das Experiências Religiosas da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e da Comissão de Combate à Intolerância Religiosa do Estado do Rio (CCIR), lembra o babalaô Ivanir dos Santos, interlocutor da comissão.

“Um dos caminhos é a investigação dos casos pela Polícia Civil e campanhas que “deixem claro: a intolerância não será admitida”, acrescenta a ativista e ekedi do terreiro Ilê Omi Oju Arô, de Mãe Beata de Iemanjá, Lúcia Xavier.

“Antes, a religião era proibida, atacada pelo Estado, reprimida pela polícia. Alegavam que era reduto de marginais para reprimir. Ocorre que agora, nos últimos anos, essa intolerância tem a ver com os fundamentalistas de origem pentecostal e que encontram aquiescência do Estado”, afirmou.

Segundo Lúcia, que é também coordenadora da organização não governamental Criola, “a experiência institucionalizada, da violência contra os terreiros, indica que a não há preocupação do Estado em enfrentar verdadeiramente o racismo por trás dos ataques”.

Em Nova Iguaçu, outra forma de enfrentar os ataques, de acordo com os religiosos, é por meio da urbanização dos bairros pobres. A localização de terreiros, em áreas de difícil acesso, sem esgoto, iluminação ou pavimentação deixa os templos vulneráveis, afirma Roberto Braga, sacerdote do Lumy Jacarê Junçara. “Aqui, em volta de 90% das igrejas evangélicas e católicas, a rua é cuidada, não tem vala na porta, não tem esgoto, tem luz, tem jardim”, disse. “Queremos a mesma dignidade, até para a própria população não nos marginalizar. Não falo nem de asfalto porque, para asfalto chegar, vai demorar muito. Eu falo é de trator, de menos lama”.

Além de ampliar o atendimento a vítimas com apoio do governo do estado, nas audiências com o MPF, a prefeitura de Nova Iguaçu se comprometeu com ações de valorização dessas religiões. Entre elas, a organização de um cadastro das casas religiosas iguaçuanas – que chegou a ser feito em 2008, mas foi perdido, e a elaboração da lei municipal de isenção tributária.

O Ministério Público quer avançar ainda mais na cultura, antecipa o procurador da República responsável pelo caso, Julio José Araújo. “Na cultura, infelizmente, [o diálogo] está frágil, a pasta está pouco solícita, julgando que a pauta é só de segurança”. De acordo com o procurador, no entanto, as medidas de combate à intolerância religiosa devem ser intersetoriais. “O MPF considera que, obviamente, devemos ter diálogo com a segurança pública, mas esse não pode ser um fator impeditivo para políticas públicas de outras áreas”.

O coordenador de patrimônio imaterial da Secretaria de Cultura de Nova Iguaçu, Geraldo Bastos, explica que o município “tem um componente mais problemático: os chamados traficantes jesus”, ligados a religiões neopentecostais. “Não é uma questão que conseguimos sozinhos resolver”, disse. “Sem o braço do governo do estado, esse problema, que atinge todo o Rio, não terá o devido tratamento”. Ele também pede envolvimento de outros seguimentos religiosos.

Na área de segurança, a aproximação é mais lenta, admite o coordenador de Promoção da Liberdade Religiosa, da Secretaria de Direitos Humanos do estado, o escritor Márcio de Jagun. “Esse é um setor bastante complexo porque é preciso identificar, em cada região, as áreas conflagradas, as peculiaridades dessa intolerância. Em Nova Iguaçu, por exemplo, os casos são extremamente violentos e envolvem, além do tráfico de drogas e milícias, a grilagem de terras”.

Em nota, a Polícia Militar (PM) disse que “os batalhões realizam o patrulhamento dinâmico, atendendo ocorrências e também o policiamento em locais onde a mancha criminal é acentuada”. Procurada, a Polícia Civil não respondeu à Agência Brasil até a divulgação desta matéria.

Como parte das atividades que discutem o impacto da intolerância na vida dos religiosos, está prevista para sexta-feira (24) uma oficina da Rede Nacional de Religiões Afro-Brasileiras e Saúde (Renafro). O evento será no Ilê Omolu Oxum, em São João de Meriti, também na Baixada Fluminense.

Para denunciar atos de intolerância religiosa, vítimas e testemunhas podem discar 100, serviço do governo federal que funciona 24 horas, ou (21) 2334-9550, número do Disque Combate ao Preconceito, vinculado ao governo do estado do Rio.

Interessados na reunião do MPF com gestores públicos podem se inscrever enviando e-mail para prrj-sjm-gaboficio3@mpf.mp.br ou pelo número (21) 2753-7918.