Tietê: lembranças de uma época em que o rio não era poluído
Hoje é celebrado o Dia do Rio Tietê, curso d’agua que atravessa praticamente todo o estado de São Paulo, de leste a oeste. A data, no entanto, não é de comemoração em todo o curso do rio, uma vez que trechos dele estão poluídos, principalmente na região metropolitana da capital paulista, onde a qualidade da água apresenta-se ruim ou péssima.
Mas esses trechos não foram sempre assim. Boas lembranças de uma época em que a água era limpa sobrevivem na memória da nadadora Idamys Busin Veneziani, de 88 anos. Ela conta que começou a nadar no Tietê quando criança (tinha oito anos), desde a década de 1930. “Coisa deliciosa era nadar no rio Tietê. A gente gostava, era uma aventura. Até 1955, a gente atravessava o rio nadando”. Ela lembra que treinava na piscina do Clube Esperia, localizado nas margens do Tietê até hoje, e escapava com os colegas para nadar no rio.
Idamys diz ter saudade da época em que o rio era vivo na cidade de São Paulo. “Era largo, a piscina perto dele parecia uma xícara. Era um rio bem largo, muita correnteza, e tinha uma planta que chamavam de aguapé e ela vinha boiando cheia de flores. Para continuar nadando, você tinha que dar uma batidinha para ela sair da sua frente”, conta.
O Tietê era um rio lindo, recorda Idamys. “Tinha uma correnteza tão bonita, eu fecho os olhos, eu vejo aquela correnteza gostosa. Tinha sempre uma flor, alguma coisa boiando”, disse. Ele lembra, ainda, episódios que deixavam todos apreensivos. “Às vezes aparecia um corpo boiando. Eu não sei se a pessoa ia se aventurar e morria ou se era algum crime. Na realidade, como nós éramos crianças, eles não deixavam a gente chegar perto”.
De volta a 2019 e de cara com a crua realidade, hoje o Tietê apresenta uma mancha de poluição que chega a 163 quilômetros, atravessando a capital paulista e a região metropolitana de São Paulo, o que torna o rio impróprio para uso neste trecho. A qualidade da água nessa extensão, que varia de ruim a péssima, inviabiliza o uso para abastecimento público, irrigação para produção de alimentos, pesca, atividades de lazer, turismo, navegação e geração de energia. Este é o maior rio paulista, cortando o estado por 1.100 km, desde sua nascente no município de Salesópolis até a foz no rio Paraná, no município de Itapura.
Despoluição
Apesar dos investimentos na despoluição do rio por meio do Projeto Tietê, desde a década de 1990, não há expectativa de que o trecho que passa pela Grande São Paulo e que sofreu um intenso processo de urbanização volte a ter vida aquática nem tenha qualidade para que as pessoas possam nadar.
“Não temos no horizonte que alguém venha nadar no rio Tietê na região metropolitana de São Paulo. Assim como, mesmo em rios que têm uma vazão muito maior como é o caso do Tâmisa, em Londres, ou do Sena, em Paris, também não é permitida a natação”, disse o diretor de Tecnologia, Empreendimentos e Meio Ambiente da Companhia de Saneamento Básico de São Paulo (Sabesp), Edison Airoldi.
Ele explicou que a baixa vazão do rio na região metropolitana junto ao fato de uma população muito maior do que nos casos dos rios de Londres e Paris dificultam uma despoluição ao ponto de retomar vida neste trecho do Tietê. “População muito maior significa que nós geramos, adicionalmente ao esgoto, uma carga difusa que é o seguinte: o lixo, as fezes do animal que ficam na rua, a bituca de cigarros, quando o carro freia fica aquele pó no asfalto, o óleo que cai. E quando vem a chuva, lava a cidade e leva tudo isso para dentro dos córregos e do rio Tietê”, disse.
A especialista em Água da Fundação SOS Mata Atlântica Malu Ribeiro disse que, mesmo com as ações de despoluição, o trecho do rio que vai da barragem da Penha até o Cebolão – no encontro com o rio Pinheiros – não terá condição adequada para banho nem para pesca. “A gente não pode ter essa falsa expectativa porque existe toda essa alteração de canalização, de retificação do rio, que transformou o Tietê, nesse trecho, em um canal artificial. Nesses canais artificiais, é muito difícil e muito pouco provável que isso aconteça”, avaliou.
No entanto, ela afirmou que há outras possibilidades de uso do rio conforme as ações de despoluição evoluam. “A gente pode ter expectativa de um transporte coletivo, de uma paisagem mais harmônica, de um entorno recuperado com parques lineares, onde seja possível atividades de lazer”, disse.
Há a possibilidade de vida no rio Tietê, segundo Malu, nas áreas onde ele tem o perfil natural do rio, ou seja, nos trechos em que ele não sofreu com a urbanização, não foi canalizado nem retificado. “No trecho em que ele tem áreas protegidas, como no Parque Ecológico do Tietê em São Paulo, acima da barragem da Penha e em todos os municípios ribeirinhos por onde ele passa, ele tem condições de voltar a ter vida, sim”.
Ela ressalta que vários outros países conseguiram melhorar as condições de rios muito poluídos, mas precisaram de políticas públicas integradas. “A gente precisa partir de um sonho ou uma causa de ambientalistas para um compromisso de governo. Precisa ser um programa de Estado, não um programa de governo, é essa a diferença dos países que conseguiram fazer isso, como França, Espanha, Portugal, Coreia do Sul, Alemanha. Foram pactos associados ao controle rigoroso de normas, de legislação para redução de poluentes”, disse.
Segundo ela, muito do que se vê refletido no rio hoje em relação à perda de qualidade da água tem a ver com o mau uso do solo, ocupação irregular, desmatamento, falta de coleta seletiva de lixo, além de ausência de uma legislação ambiental mais restritiva em relação a poluentes. “Só que a gente está fazendo o contrário, o Brasil vem liberando poluentes, vem diminuindo o controle de produtos [agrotóxicos, fertilizantes, óleos e graxas à base de combustível fóssil], mesmo de produtos de uso cotidiano, como por exemplo sacolas plásticas. Então a gente precisa olhar para esses resultados agora e combater a poluição na origem, como se faz isso? Com legislação”, finalizou.
Projeto Tietê
Desde o início do Projeto Tietê, em 1992, mais 10 milhões de pessoas foram beneficiadas pela coleta e tratamento de esgoto na região e houve investimentos de quase US$ 3 bilhões em obras do projeto. Atualmente, a Sabesp opera coleta e tratamento de esgoto em 32 municípios da Grande SP, de um total de 39, sendo que apenas 36 fazem parte da Bacia do Alto Tietê.
As ações aumentaram a coleta de esgoto na região metropolitana de São Paulo de 70% para 87%, de 1992 a 2018. Do total coletado, o índice de tratamento de esgoto na região passou de 24% para 78% no mesmo período. A expectativa da Sabesp é chegar em 2025 com 92% de coleta, considerando os municípios atendidos, e 91% de tratamento do total de esgoto coletado, de modo a ampliar os serviços de tratamento de esgotos para mais 7 milhões de pessoas.
Para o diretor da Sabesp, Edison Airoldi, além de chegar na casa dos 90% de coleta e tratamento de esgoto, o objetivo do projeto inclui uma melhoria estética do rio Tietê e a diminuição do mal cheiro. A despoluição do rio Pinheiros, localizado na cidade de São Paulo e que deságua no rio Tietê, é parte importante do projeto, segundo Airoldi.
“O rio Pinheiros vai ser a nossa grande experiência e, a partir do conhecimento do Pinheiros, vamos procurar projetar também para o Tietê no futuro”. O objetivo, para o rio Pinheiros, é eliminação do mal cheiro, alcançar o nível de oxigênio dissolvido na água de 2 miligramas por litro e uma melhora estética.
*Colaborou Eliane Gonçalves, repórter da Rádio Nacional