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Geral

Recenseadores temporários concluem fase de coleta do Censo 2022

Trabalhadores relatam dificuldades diversas na execução de tarefas
Alana Gandra – Repórter da Agência Brasil
Publicado em 26/05/2023 - 18:25
Rio de Janeiro
O recenseador, Patrick Emanuel Miranda, durante sua primeiras saída para entrevistar a população para o censo demográfico 2022, na região central do Rio.
© Tânia Rêgo/Agência Brasil

O recenseador temporário do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) Fernando Cunha, que encerrou, nesta sexta-feira (26), seu trabalho do Censo Demográfico 2022 em campo, em uma favela de Florianópolis, enfrentou dificuldades desde o início da coleta de dados, em 1º de agosto do ano passado. Foram diversos as dificuldades encontradas pelos recenseadores, disse Cunha à Agência Brasil.

“Em bairros de mais alta classe, houve resistência, dúvidas se a pesquisa tinha a ver com cobrança de impostos. Em bairros mais pobres e favelas, a desconfiança era se tinha a ver com a Polícia Militar e com a prefeitura, para regularização de imóveis, já que muitos imóveis são irregulares.” Segundo Cunha, também houve dúvidas quanto a golpismo, roubo de informações, de dados.

Ocorreram ainda problemas na recepção aos recenseadores, com pessoas sendo grosseiras e intimidando o trabalho dos funcionários temporários do IBGE. Isso ocorreu tanto em locais de alta classe quanto de classe média e baixa. Nas favelas em que atuam traficantes de drogas, os entrevistadores precisaram de pedir reforço aos superiores para conseguir concluir a tarefa. “Sofremos intimidação, fomos abordado por traficantes armados, perguntando o que fazíamos naquele local e que dados pretendíamos obter. Os traficantes nos seguiram até a entrada geral para garantir que estávamos indo embora.”

Cunha disse que a equipe inicial em Florianópolis tinha cerca de 560 recenseadores, mas foi se reduzindo ao longo do censo, por causa da remuneração abaixo da esperada, de atrasos no pagamento e condições de trabalho inferiores às esperadas. “A remuneração foi bem baixa para a carga de trabalho. Era uma remuneração não fixa, por produção, e ficou abaixo do esperado”.

O efetivo caiu para a média de 370 trabalhadores e, no fim do trabalho, estava em torno de 150. Cunha afirmou, entretanto, que se houver novo concurso do IBGE, vai fazer, porque pretende atuar na área de geografia. Em agosto, ele se muda para o Rio, onde vai cursar geografia na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

Balanço

 

O diretor de pesquisas do IBGE, Cimar Azeredo durante apresentação do balanço do Censo 2022, no Museu do Manhã, no Rio de Janeiro
Presidente em exercício do IBGE, Cimar Azeredo, diz resultados iniciais do censo saem em 28 de junho- Arquivo/Agência Brasil

As ações especiais finais da etapa de apuração do Censo Demográfico, que envolvem coleta de informações, serão encerradas domingo (28) e a divulgação dos resultados preliminares está prevista para 28 de junho. Para o presidente em exercício do IBGE, Cimar Azeredo, o balanço final do Censo 2022 é de muitas dificuldades, começando pelo período pós-pandemia da covid-19.

O Censo Demográfico 2022 enfrentou também restrição de orçamento, falta de recursos para publicidade e eleições polarizadas. Houve dois adiamentos, um devido à pandemia e outro, ao corte de orçamento. Além disso, foram cancelados dois concursos para contratação de agente de coleta municipal, supervisor, recenseador, todos os analistas envolvidos na operação. “Quando se adia um concurso, tem que devolver a taxa de inscrição, e isso não é trivial. Estamos falando em mais de 1 milhão de pessoas que fizeram concurso. Gera conflito na internet”, disse Azeredo à Agência Brasil. Muitas pessoas não conseguem receber a taxa de inscrição de volta porque não têm conta-corrente, afirmou.

Para Azeredo, o protagonista do censo é o recenseador. A ideia era ter mais de 183 mil recenseadores trabalhando na operação, mas o número ficou muito aquém do desejado – entre 118 mil e 119 mil. O resultado foi que, em vez de dois a três meses, o trabalho levou dez meses. Os sete meses a mais foram fundamentais para garantir qualidade e cobertura. Parte expressiva das entrevistas foi feita no ano passado. Cimar Azeredo destacou o apoio do Ministério do Planejamento, que garantiu o aporte de recursos e foi essencial para a conclusão do censo e realização de campanhas de engajamento junto à sociedade.

Azeredo informou que 80% do orçamento de R$ 2,3 bilhões foram destinados aos recenseadores. Apesar das dificuldades e das mudanças observadas na população brasileira após a pandemia de 2019, com aumento de pessoas trabalhando como entregadores e motoristas de aplicativos, a sociedade, em geral, “recebeu bem o IBGE”. O cenário do país pós-pandêmico contribuiu também para reduzir o número de recenseadores temporários do IBGE, afirmou Azeredo. “A dificuldade que a gente teve para contratar recenseadores em 2010 (data do censo anterior) se potencializa depois da pandemia em 2022. Ficou muito complicado. A sociedade também muda e se restringe mais a responder ao censo.”

De acordo com Azeredo, o censo pôde ser finalizado a partir do adiamento da conclusão com o apoio do governo e com muita estratégia e criatividade. “Superamos em muito o quantitativo de domicílios visitados em 2010. Temos um país maior. Fazer censo no Brasil não é uma tarefa fácil. Não é para amador. É muito difícil porque é um país muito diverso, grande, com distâncias incríveis e que acaba custando muito alto.”.

Tecnologia

Azeredo destacou também o aporte tecnológico do Censo 2022, bem superior ao de 2010, quando houve coleta eletrônica. Desta vez, o IBGE contou com equipamentos de elevada qualidade, com imagens de alta resolução, acompanhamento da operação em tempo real e chips inseridos em todos os equipamentos, o que não se teve em 2010. No Censo 2022, os recenseadores captaram as coordenadas geográficas de GPS. Com isso, os analistas do IBGE sabiam exatamente todo o trajeto feito pelo recenseador na área urbana, rural, floresta, aglomerados subnormais, em locais de maior adensamento. “Isso tudo foi possível acompanhar.”

“Hoje temos uma operação muito mais transparente, o que nos obriga a ter mais cuidados com a qualidade. O controle de qualidade é muito maior.” Cimar Azeredo disse que está muito satisfeito com o resultado da operação censitária. Na última semana, ele reuniu na sede do IBGE, no Rio de Janeiro, em oficina que durou três dias, um grupo de especialistas, entre demógrafos e estatísticos, para avaliar os dados preliminares do censo, que vão produzir relatórios até meados de junho.

Os resultados iniciais do Censo Demográfico 2022 serão divulgados no dia 28 de junho. “Nunca é a totalidade”, ressaltou Azeredo. “É o primeiro dado definitivo da população. A partir de agora, a ideia é que a gente comece a divulgar vários resultados, como características demográficas, características de educação, povos de comunidades tradicionais, na sequência. Nós vamos trabalhar para divulgar isso com muito mais velocidade do que foi feito no passado, por conta da tecnologia”. O plano é chegar até o final de dezembro com cerca de 80% a 90% do Censo divulgados, disse o presidente em exercício.

O Brasil costuma realizar o Censo Demográfico de dez em dez anos. É a única pesquisa domiciliar que vai a todos os 5.570 municípios do país. O objetivo é oferecer um retrato da população e das condições domiciliares no país.

O diretor do Sindicato Nacional dos Trabalhadores do IBGE, Bruno Mandelli Perez, confirmou à Agência Brasil que, pela experiência de outros censos, os dados do Censo 2022 não serão divulgados em sua totalidade no dia 28 de junho. “Na primeira divulgação, são os dados mais simples, total da população, talvez características de faixa etária. Outras partes do questionário, mais trabalhosas, como nível de escolaridade, rendimento, vão saindo aos poucos, conforme vão ficando prontas.”

De acordo com Perez, a tendência era que houvesse mais resistência nos condomínios de luxo para receber os recenseadores, mas não especificamente da parte dos moradores. “É que os condomínios têm várias barreiras até chegar ao morador em si”. Para ele, a divulgação do censo foi deficiente, o que pode ter contribuído para as dificuldades de acesso dos recenseadores. “Em todas as classes sociais, há pessoas que, às vezes, desconfiam, que não sabem o que é o censo, e isso acaba atrapalhando.”

Perez lembrou que, se o recenseador tem dificuldade com um morador específico, o treinamento que ele recebe no IBGE o orienta a registrar esta informação no aparelho que é o dispositivo móvel de coleta. O supervisor dele deve retornar ao local para tentar convencer o morador a responder às perguntas. Quando o problema é com o condomínio que não deixou fazer o trabalho, a primeira tentativa de resolver o problema será do supervisor, em seguida, do agente censitário municipal e, dependendo do tamanho do condomínio, pode ser mobilizada até a própria unidade estadual do IBGE. Perez lembrou ainda que, como uma administradora de imóveis cuida, muitas vezes, de vários condomínios, houve um trabalho prévio de contato.

Funcionários efetivos

Bruno Perez destacou que, em censos anteriores, havia mais funcionários efetivos do IBGE que já tinham passado por algumas em operações censitárias. “Quando tinha um problema desse tipo, havia uma pessoa com experiência para resolver.” Em 2010, o IBGE tinha 7 mil funcionários efetivos e agora, tem apenas 3,9 mil. Isso significa que alguns degraus da hierarquia da organização do censo, que antes eram efetivos, na operação atual ficaram com funcionários temporários, contratados só para este trabalho. “Pessoas que trabalharam, se esforçaram, mas não tinham experiência das pesquisas e dos censos passados e como resolver algumas situações de recusa. Em alguns locais, em que negociar a entrada do recenseador e precisa de uma pessoa superior.”

Perez disse ainda que a polarização política no país por ocasião do lançamento do censo fez com que muitos confundissem a operação com pesquisa eleitoral. Somando a divulgação fraca a problemas de pagamento para os recenseadores, que levaram à desistência de muitos trabalhadores, a violência física e verbal terminou por desmotivar muitos dos contratados pelo IBGE.

Além disso, nos estados em que a renda é maior e o mercado de trabalho estava mais aquecido, a procura pelas vagas de recenseador foi menor, não despertando muito interesse. “Em alguns municípios, teve menos inscrição do que vaga. Depois, vieram as desistências”, acrescentou Bruno Perez. Ele estima que o número de recenseadores tenha sido inferior aos 183 mil previstos, devendo ter ficado em torno de 120 mil temporários.