Derrota de Renzi em referendo pode gerar nova crise na União Europeia
Após a vitória do "não" neste domingo (4) no referendo sobre a proposta de reforma constitucional na Itália – que pretendia extinguir o bicameralismo, retirando poderes do Senado – e o posterior anúncio da renúncia do primeiro-ministro Matteo Renzi, a União Europeia (UE) poderá enfrentar uma nova e grande crise. As informações são da Agência Ansa.
Para o professor de relações internacionais da Universidade de São Paulo (USP) Kai Lehmann, o futuro da Itália, e, por consequência, da União Europeia, dependerá dos próximos passos do governo: se haverá um governo "tecnocrata" até 2018, ou se serão convocadas eleições gerais para 2017. "Neste caso, teríamos um ambiente de muita incerteza, instabilidade e tensão. Isso porque, se a Itália convoca eleições, teremos eleições importantes na Itália, na França e na Alemanha, os três maiores países do bloco. Isso traria muita tensão", disse Lehmann à Ansa nesta segunda-feira (5).
Nesse cenário de eleições, o maior beneficiado seria o partido Movimento Cinco Estrelas (M5S), maior força opositora ao governo de Renzi e líder da campanha pelo "não" no referendo. De acordo com Lehmann, o M5S já anunciou que, se chegar ao governo, tentará fazer um plebiscito para que os italianos deixem a moeda única da UE, o euro.
"Se a Itália deixar o euro, isso causará grandes problemas para os europeus. Será um grande abalo para a União Europeia", comentou o professor da USP. Quanto ao líder do M5S, o ex-comediante Beppe Grillo, conhecido como populista e antissistema, ressaltou que a postura deste deixa dúvidas de como seria seu futuro governo.
"O que me parece é que ele articula uma postura de ser contra. Um futuro governo é muito difícil de prever, porque ele é contra o sistema, contra o establishment. Mas, é a favor do quê? Uma coisa é derrubar, e outra coisa é apresentar uma alternativa de governo sustentável. Então, se ele assumir o governo, vai ter que se posicionar", ressaltou Lehmann.
Comissão Europeia
O porta-voz da Comissão Europeia, o grego Margaritis Schinas, por sua vez, destacou, em entrevista coletiva nesta segunda-feira, que o voto dos italianos "foi sobre a Constituição, e não sobre a Europa". Questionado se a decisão ameaça a estabilidade da UE, Schinas disse que não. "Nós vimos volatilidade nos mercados nos anos passados. Hoje, as autoridades estão preparadas para enfrentar esse tipo de situação", afirmou.
Para o professor da USP, a ideia de que os italianos tenham votado apenas contra a mudança da Constituição não é verdadeira. "O problema dos plebiscitos é sempre esse: o voto é sobre algo, mas na verdade não é bem isso. A grande maioria dos italianos concorda que é preciso fazer uma reforma profunda. Mas me parece que essa foi uma votação contra o establishment. Como Renzi defendia o 'sim', a maioria votou pelo 'não' para mostrar descontentamento."
Ainda não acabou
Seguindo a mesma linha de alguns comissários europeus, Schinas afirmou que "a busca pelas reformas deve continuar" na Itália e que a "onda" iniciada por Renzi "não terminou ontem". A fala é uma referência à série de medidas adotadas pelo premier italiano para promover uma retomada da economia e que tirou a Itália de oito anos de recessão econômica.
"Confiamos que as forças políticas e as instituições da República oferecerão respostas convincentes", disse Schinas, que pediu "respeito" ao voto dos italianos, destacando que a flexibilidade econômica, tão defendida pelo premier, "não o ajudou".
Para o presidente do Eurogrupo, Jeroen Dijsselbloem, o resultado do referendo "não muda nada na situação econômica na Itália ou nos bancos italianos. A Itália é uma economia forte, uma das maiores, com instituições fortes, e o futuro governo deve enfrentar a situação econômica. Mas o desafio de enfrentar o problema de alguns bancos em particular não para", destacou.
Entre as principais instituições bancárias com os chamados "títulos tóxicos", estão o Monte dei Paschi di Siena, considerado o banco mais antigo em atividade no mundo.