Embaixador da Rússia descarta um novo conflito nuclear
Há um ano, tropas russas invadiram a Ucrânia sob a afirmação de libertar o povo daquele país. Em meio a milhares de mortes e destruição de cidades inteiras, o discurso dos russos se mantém inabalável: é necessário libertar a Ucrânia de um processo de “desnazificação”. E mesmo atribuindo aos Estados Unidos muita responsabilidade pela guerra – que os russos chamam de “operação especial” –, o embaixador da Rússia no Brasil, Alexey Labetskiy, descartou o começo de um conflito nuclear.
Para Labetskiy, os políticos dos Estados Unidos sabem que “o início de qualquer guerra nuclear significa o fim da civilização humana”. E, por isso, mesmo uma escalada ainda maior no confronto não levaria uma consequência dessa gravidade.
A visão de um conflito entre Estados Unidos e Europa contra a Rússia é largamente explorado por Alexey Labetskiy nesta entrevista exclusiva concedida à Agência Brasil. Segundo ele, a guerra “está matando a indústria europeia”, e enriquecendo o líder da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) que, explica, passou a dominar o mercado de gás líquido na Europa. “A Europa se tornou um jogador secundário em relação aos Estados Unidos”.
Labetskiy também rebateu as acusações de violação de direitos humanos na Crimeia como no leste da Ucrânia. “Por que ninguém reagiu às violações dos direitos humanos dos ucranianos-russos que habitam Lugansk e Donetsk, que durante oito anos viviam na guerra?”.
O embaixador russo citou ainda o interesse de seu país na posição do Brasil diante da guerra e destacou o respeito da Rússia às posições brasileiras diante de questões internacionais. “Seguimos com muita atenção todas as iniciativas avançadas pela parte brasileira”.
Na semana em que a guerra na Ucrânia completa um ano, a Agência Brasil entrevistou os embaixadores dos protagonistas do conflito. Confira também a entrevista com o chefe da Embaixada da Ucrânia.
A TV Brasil veiculará, no programa Repórter Brasil deste sábado, às 19h, trechos da entrevista, que será também disponibilizada no site do programa.
Agência Brasil: Dia 24 completou um ano da guerra Rússia-Ucrânia. Explique o objetivo inicial da Rússia nesse conflito. Há como comparar as expectativas iniciais com as constatações, após um ano de confrontos? Algo mudou ou está tudo conforme planejado?
Alexey Labetskiy: O senhor fala de guerra. Nós falamos operação especial. Não falamos guerra porque guerra é entre povos, e, para mim, não há diferença entre o povo russo e o povo ucraniano. Compreendemos que a separação artificial lá implantada, por oligarcas e herdeiros do fascismo e do nacionalismo, foi subsidiada diretamente pelo ocidente. Pelos Estados Unidos e pela maioria dos países europeus. Trata-se de uma tentativa de romper nossa história comum que sempre existiu nesse espaço povoado pelos russos-ucranianos. Povos que falam a mesma língua. O início da operação foi para, primeiro, garantir a segurança da Rússia. Segundo, para "desnazificar" a Ucrânia, país que glorificou institucionalmente, tornando heróis nacionais, os que combateram ao lado de Hitler na Segunda Guerra Mundial, contra os aliados.
O ocidente tentou criar, da Ucrânia, um ponto de ataque contra a Rússia. E agora, já depois do início da operação especial, ex-grandes políticos da Alemanha, da França e da Ucrânia reconhecer que a assinatura dos acordos de Minsk [visando dar fim a conflitos armados no leste da Ucrânia], em 2014 e 2015, foi feita com um único objetivo, de rearmar a Ucrânia contra a Rússia. Já nosso objetivo foi mais simples: criar as condições de unificação do território, onde uns aceitaram o golpe de estado de fevereiro de 2014 [que depôs o então presidente Victor Yanukóvich] e outros não aceitaram. Em vez de diálogo, tivemos, por oito anos, mentiras e combates que custaram mais do que 12 mil vidas humanas, na maioria civis.
A operação especial visa defender a identidade do povo que não aceitou o fascismo, o nacionalismo e o oligarquismo que floresce na Ucrânia graças a apoios bilionários de americanos e europeus. É estranho que eles tenham esquecido da identidade fascista dos círculos dirigentes da Ucrânia hoje, e que apoiem os que promovem essa ideologia ajuizada pelo Processo de Nuremberg [que julgou crimes cometidos por nazistas durante a Segunda Guerra]. Isso mostra que esta política nada tem a ver com política de segurança.
É importante lembrar que, nos anos 90, os ocidentais prometeram não alargar a OTAN. E o que vimos foi a OTAN se aproximar das fronteiras com a Rússia. Eles dizem que não estão contra a Rússia, mas a OTAN é um bloco militarista. Isso é bem claro para todos e a História mostrará.
Se olharmos as atividades militares dos Estados Unidos nos anos 1990 e 2000, vemos que essas políticas irresponsáveis de ingerência custaram quase 1 milhão de vidas no Oriente Médio, Iraque, Afeganistão, Líbano. Sem falar dos exemplos claros da América Latina.
Agência Brasil: O mundo está mais próximo de uma guerra nuclear, após a recente suspensão do acordo com os EUA?
Labetskiy: Estou convicto de que o mundo não está mais próximo de um conflito nuclear. Os jogos políticos dos ocidentais estão especulando isso, mas a realidade concreta é que eles querem conservar sua supremacia, o que não vamos permitir. Quem rompeu a estabilidade estratégica mundial foram os EUA, que saíram do acordo dos mísseis de pequeno e médio alcances.
Agora, os EUA forneceram para a Ucrânia dezenas de bilhões de dólares em armamento. Ao mesmo tempo, dizem que vão manter a estabilidade estratégica e o programa de verificação de objetos russos. Isso é uma tolice completa. Como vamos deixar os americanos acessarem os objetos estratégicos russos, quando eles fornecem, para os ucranianos, informações sobre o deslocamento das nossas forças, obtidas do cosmo [satélites]? Com as sanções, eles não nos permitem verificar seus objetos estratégicos. Isso é dois pesos, duas medidas. Foi por isso que suspendemos nossa participação no acordo. Sem falar que há dois países europeus com armamentos nucleares: França e Inglaterra. Eles também devem prestar contas.
Agência Brasil: O senhor está falando de um aumento de escalada e, ao mesmo tempo, fala que o risco de guerra nuclear não está maior. Como isso é possível?
Labetskiy: Simplesmente porque estou convencido de que os políticos americanos compreendem que o início de qualquer guerra nuclear significa o fim da civilização humana. Eu estudei na universidade nos finais dos anos 70 e no início dos 80, quando os enormes arsenais nucleares da Rússia e dos Estados Unidos permitiriam aniquilar mais de 10 vezes a vida no planeta.
Não aceitamos que uma parte desse processo queira garantir supremacia para impor a sua vontade por interesses puramente econômicos, e não simplesmente políticos. O conflito ucraniano é muito vantajoso para a indústria militar dos Estados Unidos, bem como para a indústria de extração de gás do petróleo. Os EUA participaram da explosão do Nord Stream 2 [gasoduto que liga Rússia e Europa], e agora dominam o mercado de gás líquido na Europa, fornecendo seu gás que é duas vezes mais caro do que o russo.
Além disso, o conflito militar vai exigir o rearmamento da Europa. A Europa oriental, por exemplo, forneceu armamentos de produção soviética para a Ucrânia. Esses armamentos serão substituídos por quais? Pelos produtos americanos e europeus. Essa guerra está matando a indústria europeia, impondo, ao continente, desequilíbrio econômico e energético. A Europa se tornou um jogador secundário em relação aos Estados Unidos.
Eu, pessoalmente, acredito que a agressividade da política externa e econômica americana aumentou muito depois de eles obterem êxito na exploração do gás de xisto, garantindo autossuficiência em hidrocarbonetos. Depois disso, o que vemos são guerras quase inacabáveis no Oriente Médio, no Golfo Pérsico, no Iraque, e o aumento de pressão sobre o Irã. Esta é uma sequência direta da agressividade do capital que quer dominar tudo.
E como podemos falar de liberdade dos estados europeus? Eles têm 60 mil americanos que lá garantem, como eles dizem, a defesa. Para nós, este é um novo tipo de colonialismo moderno, a partir de todas regiões onde ficam as bases militares norte-americanas.
O Ramstein [a maior base militar dos EUA na Europa, localizada na Alemanha, de onde partem missões com drones] se tornou um ‘símbolo’ de assistência à Ucrânia, e do neocolonialismo moderno porque, sem ele, a Alemanha seria outra. Isso é uma opinião pessoal.
Agência Brasil: Qual a proposta efetiva da Rússia para resolver a situação?
Labetskiy: A nossa proposta foi bem clara e declarada várias vezes: desnazificação e desmilitarização do Estado ucraniano.
Agência Brasil: Como está a economia russa em meio a todo esse contexto de sanções? A Rússia estava preparada para aguentar esse impacto econômico?
Labetskiy: Para entender como a Rússia reagiu ao impacto econômico das sanções ilegítimas empreendidas por Washington e pela Europa, devemos dar uma olhada para a nossa história. A Rússia, infelizmente, não teve apenas experiências positivas na Europa. Tivemos também duas invasões destrutivas. Uma, no século XIX, foi a de Napoleão. A outra, no século XX, foi a invasão alemã, hitleriana, fascista. Elas nos ensinaram muito. E a história conturbada da Rússia no século passado, quando havia guerras civis, nos ensinou que, para garantir a sobrevivência, nós devemos ser capazes de garantir três coisas: as exigências e necessidades básicas da população; a economia; e, o principal, a defesa.
Apesar de todos os problemas, temos indústrias capazes. Temos também nossa identidade. A invasão napoleônica não foi apenas dos franceses. Foi de todas nações europeias que estavam no exército de Napoleão. Essa invasão está simbolizada na consciência coletiva dos russos como o ‘grande incêndio de Moscou de 1812’, que queimou quase totalmente a cidade.
Nunca vamos esquecer de que o Napoleão queria explodir o Kremilin, e não o fez por causa das condições climáticas. E nunca vamos esquecer que quando entramos em Paris, em 1815, nós não queimamos nada. Nunca vamos esquecer que jamais um general russo que combateu contra os franceses recebeu título de príncipe de Paris, a exemplo do que aconteceu na França, que consagrou um de seus marechais como príncipe de Moscou.
Agência Brasil: Nesse contexto de garantir necessidades básicas e defesa em situações de conflito, qual é o peso do Porto de Sebastopol e da Crimeia?
Labetskiy: O porto tem importância simbólica para os povos do meu país. Primeiro, do ponto de vista de identidade russa. A primeira guerra da Crimeia, no século XIX, foi contra britânicos, franceses, turcos e o Reino de Sardenha. Nós perdemos a guerra, mas fizemos uma defesa heroica, conforme descrita pelo posteriormente muito conhecido escritor russo Liev Tolstói, que nessa guerra foi tenente de artilharia.
Já o Porto de Sebastopol sempre foi um porto central da base naval da frota imperial, da frota soviética e da frota russa. A Crimeia, em si, foi povoada pelos russos depois da entrada para o império, mas ela é multinacional, com tártaros, russos e ucranianos. Mas teve o referendo, que votou pela volta desse território para a composição da Federação da Rússia.
Este território tem importância do ponto de vista histórico, cultural e de identidade. E também da agricultura e da diversidade, porque a única zona subtropical da federação é a Crimeia. Não temos outros territórios desses.
Agência Brasil: E o lado oposto das sanções? O que os senhores têm de informações sobre a situação da Europa por não ter à disposição o gás Russo?
Labetskiy: A quantidade de energia no mundo moderno é uma constante. Se hoje alguém não compra gás da Europa, mas dos EUA, outros deixam de comprar a gás dos EUA e começam a comprar gás da Rússia, porque toda produção depende de capacidade, disponibilidade e investimento. Nosso gás é bom. Não se pode dividir gás entre democrático e não democrático. Gás é gás. É necessidade diária.
Então, se a Europa quer pagar o dobro ou o triplo pelo gás norte-americano, o problema é dos europeus. Nós vamos vender o nosso para os países asiáticos, africanos e latino-americanos. O que nos preocupa é que, para garantir a venda de gás para a Europa, os americanos atuaram para a explosão do gasoduto de Nord Stream.
Agência Brasil: Retomando o tema economia, como a questão da preservação ambiental e do desenvolvimento sustentável influenciarão a Rússia daqui para frente?
Labetskiy: Efetivamente, a questão da ecologia é muito importante para a Rússia. Somos um dos maiores países em território e estamos interessados em manter o equilíbrio ecológico porque temos problemas ligados a isso na parte europeia. Quando falamos do potencial e da necessidade de conservação das florestas tropicais, nós também estamos dizendo que outras grandes florestas, como as do território russo, também constituem uma parte importante dos pulmões do nosso planeta.
Estamos abertos a colaborar neste caminho. O que nós não podemos aceitar são situações em que tecnologias ecológicas são impostas pela vontade alheia. Os europeus estão preocupados com as florestas hoje por uma única razão: a única floresta existente na Europa é a Floresta Negra [localizada na Alemanha]. Todas as outras foram cortadas. Como as nações que cortaram suas florestas poderiam ensinar comportamento às outras nações que continuam com as suas?
Agência Brasil: Nesse sentido, já dá para antever algumas parcerias com Brasil, com relação a economia sustentável e energia verde?
Labetskiy: Penso que estamos no início deste trabalho, e os problemas que enfrentamos genericamente são os mesmos. Mas em termos tecnológicos somos muito diferentes. Não temos, na Rússia, florestas tropicais por definição, porque não temos trópicos. Os problemas que enfrentamos é tratamento de lixos, resíduos e florestas. É o mesmo, mas tecnologicamente, é um pouco diferente.
Agência Brasil: Ampliando um pouco mais esse leque, o que a eleição do presidente Lula mudou, no que se refere às relações entre Brasil e Rússia?
Labetskiy: Eu gostaria de dizer que, nos últimos anos, nossas relações com o Brasil sempre foram de parcerias estratégicas. Estamos interessados em manter isso e respeitamos a vontade e a escolha do povo brasileiro porque não tentamos ensinar ou impor nossas ideias a países com quem mantemos esse tipo de parcerias.
Tivemos muito boas relações com os primeiros governos do presidente Lula. Lembro bem porque comecei a trabalhar no Brasil em 2003, e isso foi até 2010, quando terminou minha primeira missão no país. Efetivamente, estamos compreendendo os objetivos postos pelo atual governo perante o país. Oxalá que seja com brios de desenvolvimento. O Brasil está evoluindo.
Confesso que na minha segunda missão, que começou em 2021, encontrei um país um pouco diferente. Esse país é uma superpotência agrícola e agroindustrial que conseguiu investir na agroindústria. Conseguiu aproveitar terras; criar tecnologias, novas culturas genéticas. Tudo foi criado pelo povo, pelos especialistas e pelos capitais brasileiros.
O Brasil é o país do presente. E países do presente que se movimentam como o Brasil sempre têm perspectivas brilhantes para o futuro. Todos países têm futuro, se levam políticas social e econômica responsáveis.
Agência Brasil: O presidente Lula declarou que trabalhará para construir um caminho para pacificação do atual cenário. Ele inclusive propôs a criação de um grupo para mediar a paz entre Rússia e Ucrânia. O senhor acredita que, de fato, o presidente Lula poderá contribuir para o restabelecimento da paz na Europa?
Labetskiy: Nós respeitamos as posições brasileiras em todas as questões ligadas a situação internacional e à governança global. Nós vemos que o interesse do Brasil é de dar solução aos problemas que foram criados no mundo unipolar. Por isso nós seguimos com muita atenção todas as iniciativas avançadas pela parte brasileira.
Agência Brasil: Sobre a proposta de criação desse grupo, quais seriam as condições ou sugestões da Rússia para ele?
Labetskiy: Primeiro nós devemos trabalhar. Depois vamos ver. A diplomacia é uma atividade que nem sempre é aberta ao público. Ela necessita de falas e compreensões muito específicas, mas também muito concretas.
Agência Brasil: Qual mensagem a Rússia gostaria de enviar, não a governos, mas às pessoas que buscam entender o que, de fato, está por trás do atual conflito na Europa?
Labetskiy: A mensagem para o brasileiro é muito simples: tentem compreender as coisas de ponto de vista da sua vida; dos seus valores; da necessidade de defender a sua identidade, o seu modo de viver e o seu modo de pensar. Tentem entender isso, baseando-se no princípio de que a tarefa principal é garantir o presente e o futuro das gerações. Tentem entender que nós gostaríamos de ter diálogo com todos que nos respeitam e que levem em consideração as nossas preocupações. Nunca devemos ser subjugados ou desprezados por aqueles que querem ganhar a sua vida a nosso custo.
Para os que querem compreender o que acontece na Ucrânia e qual pode ser a solução desta situação, eu aconselho ler uma obra histórica da literatura russo-ucraniana que é Tarás Bulba, de Nikolai Gógol. Ele descreveu o conflito na Ucrânia há dois séculos. Para mim, a solução está descrita nesse livro.
Agência Brasil: O que o livro descreve?
Labetskiy: Para mim a frase central de todo o livro [que aborda o conflito dentro de uma família que vivia nas terras ucranianas em meio a combates que resultam nas mortes de pai e de filho] é: “veja, meu filho, ajudaram a ti esses estrangeiros? Para dar a solução, é necessário ter o caminho próprio”.
Agência Brasil: Sobre as acusações feitas com relação a supostas violações de direitos humanos tanto na Crimeia como no leste da Ucrânia, o que o governo russo tem a dizer para os brasileiros?
Labetskiy: Por que ninguém reagiu às violações dos direitos humanos dos ucranianos-russos que habitam Lugansk e Donetsk, que durante oito anos viviam na guerra? Que tipo de violações de direitos pode ser apontada quando quase 3 milhões de ucranianos tiveram de se abrigar no território da Federação Russa [na busca por proteção]? Isso pode ser verificado pelas estatísticas da ONU [Organização das Nações Unidas]. Quais são esses direitos que foram violados indica? Eu vou responder ponto a ponto.
Agência Brasil: Os pontos foram largamente apresentados pela mídia.
Labetskiy: Com todo respeito a seu trabalho, eu vejo que uma grande parte da mídia chamada ocidental emite notícias em função das encomendas políticas. É uma coisa simples como a história. Os que pagam mandam na melodia. Esse problema [da manipulação de notícias] é global e deve ser resolvido por cada um, fazendo a sua escolha na vida. Uns se subordinam, e outros começam a pensar. Para começar a pensar é necessário estudar. Há bilhões de fontes que podem ser usadas para se ter a opinião própria sobre os assuntos.
Fake news podem ser criadas até mesmo pelo próprio fato de não se mencionar alguma coisa. É o que estamos vendo no conflito ucraniano. Todos dizem "olha a Ucrânia", mas ninguém está dizendo que os batalhões de Aidar [destacamento voluntário de defesa territorial da Ucrânia, subordinado ao Ministério da Defesa] e Azov [milicia paramilitar] utilizam símbolos nazistas. Ninguém está dizendo que, para criar essa geração de nacionalistas e fascista, foram oito anos de investimentos.
Ninguém está lembrado de quantas vidas humanas foram ceifadas durante a invasão norte-americana no Iraque, que foi baseada em uma mentira pública. Foram 400 mil ou mais vidas ceifadas. E o país foi queimado.
Agência Brasil: Do ponto de vista da Rússia, quais são os próximos desafios e prioridades do Brics? É possível fortalecer o bloco em um contexto como atual?
Labetskiy: Eu estou mais do que convencido de que o Brics é mais do que uma entidade. É uma estrutura; uma fórmula que mostrou a sua validade durante todos seus anos de existência. Nós reconhecemos que o papel do Brasil e de seus dirigentes na formação do Brics foi muito grande, incluindo o papel do presidente Lula. E reconhecemos que os cinco países têm agora seu peso econômico e civilizacional no mundo atual, porque cada um deles tem identidade fortíssima. Essa fórmula, o Brics, é um instrumento válido de governança global. Isso é inegável porque conseguimos encontrar as soluções, apesar das diferenças, e andar para frente.
Alargamos cooperações para todas as áreas. Na área econômica, temos o banco de desenvolvimento; na área política, os encontros dos chefes do Estado, dos ministros estrangeiros, e das equipes. Também na área econômica tem a ativação de contatos empresariais. As cooperações abrangem todos os domínios: medicina, desenvolvimento, cultura.
Agência Brasil: Houve oposição de instituições similares à criação, pelo Brics, de um banco de desenvolvimento concorrente?
Labetskiy: O Banco do Brics foi inicialmente criado para financiar projetos dos países do Brics. Agora há um processo de alargamento e de aumento da composição dos acionistas do banco. Estamos observando uma movimentação de países não membros que querem entrar no grupo, em várias modalidades. Isso deve ser estudado, acordado e promovido com o consenso dos membros atuais.
Agência Brasil: O fato de os próprios países integrantes do Brics terem essa alternativa não representa ameaça de diminuição de lucro de outras entidades financeiras?
Labetskiy: É difícil de compreender isso, de defenderem apenas um banco para não sei o quê. Imagina o Brasil com um banco apenas, o que seria do país? Na minha opinião, a economia válida se baseia na concorrência. Quem trabalha melhor; quem compreender melhor; ou tem os melhores quadros sobrevive e ganha bem. Na história da União Soviética houve um período quando a concorrência não existia. Foi a economia dirigida, e o efeito não foi bom. O Estado tem papel importantíssimo em todos os aspetos da vida. Mas o Estado é incapaz de determinar quantas agulhas de costura devem ser produzidos no país.
Agência Brasil: Qual a posição da Rússia sobre a ex-presidente do Brasil Dilma Rousseff assumir a presidência do banco do Brics?
Labetskiy: Nós ouvimos e trabalhamos nesta iniciativa que foi avançada pelo Brasil e conhecemos muito bem a presidente Dilma. Conhecemos muito bem e trabalhamos muito com ela durante seu governo. Mas a decisão é da parte brasileira. E a presidência do banco agora é brasileira. Tudo dependerá de como esse processo vai andar.
Agência Brasil: Mas o nome dela agrada?
Labetskiy: Eu sou contra esses termos de ‘agrada ou não agrada’. Isso não é carnaval, e sim um trabalho diário. Nós conhecemos muito bem e, como eu disse, de maneira positiva a ex-presidente. A decisão da parte brasileira será estudada de maneira muito positiva.