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Internacional

Organizações pedem que França repare Haiti por dívida da independência

Macron reconhece injustiça e cria comissão para analisar passado
Lucas Pordeus León – Repórter da Agência Brasil*
Publicado em 17/04/2025 - 14:03
Brasília
A view of the port and the area around Champs de Mar, near the presidential palace, after Haiti's President Jovenel Moise was shot dead by unidentified attackers in his private residence, in Port-au-Prince, Haiti July 7, 2021. REUTERS/Valerie Baeriswyl/Proibida reprodução
© REUTERS/Valerie Baeriswyl/Proibida reprodução

Organizações sociais e populares da América Latina e do Caribe entregaram ao governo da França, nesta quinta-feira (17), uma carta aberta exigindo que o país europeu compense o Haiti pela dívida de 150 milhões de francos cobrada da ilha caribenha pelo reconhecimento da sua independência, ocorrida há exatamente 200 anos.  

“É hora de a França reconhecer, restaurar e reparar essa dívida com o povo do Haiti”, exigem as organizações que assinam a carta, como a Julibeo Sur/Américas, que reúne coletivos, movimentos populares e organizações da América Latina e Caribe.

O governo francês reconheceu hoje a injustiça contra o Haiti, anunciou a criação de uma comissão para analisar a história da dívida, mas não mencionou qualquer compensação financeira.

Atualmente, o país caribenho vive grave crise humanitária, com mais da metade da população enfrentando fome aguda, além de problemas de segurança, com mais de 80% da capital, Porto Príncipe, controlada por gangues armadasEstima-se que o Haiti pagou o equivalente a US$ 560 milhões, valor que, se tivesse ficado no país, teria acrescentado US$ 21 bilhões à economia do país ao longo do tempo.

A Anistia Internacional reforçou que organizações do Haiti e de sua diáspora no exterior exigem que a França compense seu passado colonial, uma vez que os efeitos da dívida da independência persistem até hoje.  

“O colonialismo, a escravidão e o tráfico de escravos não são coisas do passado; seus efeitos tiveram um impacto duradouro no Haiti. A França tem a obrigação legal, sob o direito internacional, de fornecer reparações e lidar com as consequências duradouras da dupla dívida, da escravidão, do tráfico de escravos e do colonialismo”, disse Erika Guevara Rosas, diretora da Anistia Internacional.

Segundo a Anistia Internacional, o Haiti gastava 80% de seu orçamento nacional com o pagamento da dívida externa em 1900. Ao longo da história, governos haitianos e a Comunidade de Países Caribenhos (Caricom) têm exigido que a França compense o Haiti pela dívida da independência.

200 anos

Em 17 de abril de 1825, o Haiti firmou acordo com a França, sob os canhões da frota francesa, para Paris reconhecer sua independência após 21 anos de bloqueio econômico e comercial das maiores potências da época. Especialistas consideram que a pesada dívida imposta à nascente república contribuiu decisivamente para tornar o país aquele que é considerado hoje o mais pobre das Américas.

“A atual crise no Haiti, um verdadeiro genocídio silencioso, é um dos resultados dessa dívida. Entre as principais causas do gangsterismo no Haiti estão a pobreza crônica e as desigualdades sociais acumuladas e reproduzidas ao longo de dois séculos de asfixia neocolonial”, destaca o documento das organizações latino-americanas e caribenhas para o governo da França.

Os signatários da carta aberta argumentam que, em vez de investir em infraestrutura, serviços públicos e desenvolvimento industrial, “a riqueza do povo haitiano foi usada para beneficiar a França, ajudando a torná-la uma das maiores economias do mundo”.

França

O governo do presidente Emmanuel Macron reconheceu, nesta quinta-feira, que a dívida pela independência do Haiti exigida pelo Rei Carlos X, da França, impôs um “fardo pesado” sobre o país caribenho.

“Reconhecer a verdade da história é recusar o esquecimento e o apagamento. Cabe também à França assumir sua parcela de verdade na construção da memória”, disse Macron, em nota.

O governo francês anunciou a criação de uma comissão conjunta franco-haitiana para examinar o passado. “Esta comissão proporá recomendações aos dois governos para que aprendam lições e construam um futuro mais pacífico”, disse.

O presidente Macron não indicou, contudo, qualquer reparação financeira, como exigem as organizações políticas e sociais haitianas, da América Latina e do Caribe.  

Independência

Considerada a mais lucrativa colônia do mundo no século 18, o Haiti conquistou a independência em 1804, tornando-se a primeira nação negra livre do mundo e o primeiro país independente da América Latina e Caribe. Foi ainda o primeiro país a abolir a escravidão no planeta.

A libertação em relação à França foi conquistada após sangrenta guerra promovida por ex-escravizados, sob a liderança de Toussaint Louverture, que derrotaram os exércitos da Inglaterra, da Espanha e da França que, na época, era governada por Napoleão Bonaparte.

Após expulsar as tropas de Napoleão, o Haiti estava completamente devastado e ainda teve que viver 21 anos sob bloqueio econômico. Somente em 1825 foi reconhecido pelas potências ocidentais como nação soberana por meio do pagamento de uma dívida aos ex-senhores de escravizados e donos de terras franceses. A dívida levou 122 anos para ser paga.

“Essa dívida consumiu a maior parte dos recursos fiscais e comerciais do Haiti, forçando-o a tomar empréstimos de bancos franceses, americanos e alemães para cumprir um acordo tão injusto”, diz o documento assinado por movimentos populares latino-americanos e caribenhos.

*Texto alterado às 14h45 para acréscimo de informação