Propina no setor de saúde do Rio incluiu lancha no exterior, diz MPF
O Ministério Público Federal (MPF) ofereceu mais uma denúncia envolvendo atos ilícitos na área da saúde no estado do Rio de Janeiro praticados durante o governo de Sérgio Cabral. Um dos crimes descritos na denúncia diz respeito a um acordo entre o ex-subsecretário de Saúde do Rio, Cesar Romero, e os empresários Miguel Iskin e Gustavo Estellita, que teriam concordado em movimentar no exterior recursos de propina para efetivar a aquisição de uma lancha.
A denúncia, apresentada na última quinta-feira (6), foi motivada por descobertas vinculadas às fraudes em contratos celebrados pela Secretaria de Estado da Saúde e pelo Instituto Nacional de Traumatologia e Ortopedia Jamil Haddad (Into). Estas fraudes foram investigadas nas operações Fatura Exposta e Ressonância, dois dos desdobramentos da Operação Lava Jato no Rio de Janeiro.
Ao todo, oito pessoas foram denunciadas por crimes como corrupção passiva, corrupção ativa, evasão de divisas e lavagem de dinheiro. Além de Cesar Romero, Miguel Iskin e Gustavo Estellita, cinco pessoas foram apontadas como operadoras do esquema: Maurício Barreto, Enrico Machado, Augusto Larrabure, Bruno Farina e Chaaya Moghrabi. Cesar Romero tem um acordo de delação premiada com a Justiça.
Miguel Iskin e Gustavo Estellita já haviam sido denunciados pelo MPF em agosto passado, com mais 22 pessoas por ações ilícitas na área da saúde do Rio de Janeiro. Na ocasião, os dois foram acusados de participar de fraudes em contratos de ao menos 10 pregões do Into, entre 2006 e 2010. Duas semanas depois, a dupla foi presa pela Polícia Federal em uma operação para cumprimento de mandatos autorizados pela Justiça.
Miguel Iskin e Gustavo Estellita, assim como Cesar Romero, são ainda réus desde maio do ano passado em processo em que figura como principal acusado o ex-governador Sérgio Cabral. envolvendo crimes praticados na Secretaria de Estado de Saúde entre 2007 e 2014.
Pagamentos no exterior
A nova denúncia, diferentemente das anteriores, diz respeito exclusivamente às vantagens indevidas pagas no exterior em troca de vantagens no setor de saúde. Conforme o MPF, em 2011, Cesar Romero usou recursos de propina para concluir a aquisição de uma lancha Modelo 55 da fabricante Segue Yachts, cujo valor total aproximado era de R$ 1,8 milhão. Ele acertou com Miguel Iskin e Gustavo Estellita a destinação de US$ 226 mil para efetivar a transação.
Os pagamentos foram realizados a partir de uma conta bancária sediada nos Estados Unidos em nome da Avalena Trading Limited, uma offshore de propriedade dos dois empresários. Os recursos teriam sido repassados conforme orientação de Maurício Barreto, representante da Segue Yachts no Brasil e sócio da empresa fornecedora da lancha. Foram duas transações: US$ 200 mil destinados a uma conta e US$ 26 mil para outra.
“As transferências tiveram a finalidade de converter o dinheiro recebido a título de propina em ativo lícito e dificultar o rastreamento dos recursos através de sua aplicação para pagamento de parte do valor da embarcação”, registra a denúncia.
A acusação ainda revela o pagamento de US$ 400 mil em propina a Cesar Romero. A Avalena Trading Limited também foi usada nessa transação. Foram ainda envolvidos Maurício Barreto, Enrico Machado, Augusto Larrabure, Bruno Farina e Chaaya Moghrabi, todos eles integrados em uma rede de doleiros que tornou possível a entrega dos recursos a Cesar Romero.
Procurado pelo Agência Brasil, o advogado Alexandre Lopes, responsável pelas defesas de Miguel Iskin e Gustavo Estellita, informou que a defesa não fará nenhuma declaração sobre a denúncia. A reportagem fez contato com o escritório de advocacia de Sérgio Romero, mas ainda não obteve retorno. As defesas dos demais acusados não foram localizadas.
Histórico
De acordo com as operações Fatura Exposta e Ressonância, as fraudes envolvendo contratos no Into tiveram origem em 2002, quando Sérgio Côrtes assumiu a direção-geral do instituto e nomeou Cesar Romero como chefe da Assessoria Jurídica. Nessa época, cláusulas restritivas de competitividade foram incluídas nas licitações para privilegiar as empresas importadoras dos materiais e insumos, de propriedade de Miguel Iskin e Gustavo Estellita.
Posteriormente, quando outras empresas nacionais passaram a preencher os requisitos exigidos, Cesar Romero e Sérgio Côrtes adotaram a estratégia de realizar pregões internacionais para a compra de equipamentos. “A publicidade do certame era limitada e as empresas estrangeiras que participavam da licitação eram trazidas ao Brasil pelo próprio Miguel Iskin”, diz o MPF.
Ao assumir o governo do estado em 2007, Sérgio Cabral nomeou Sérgio Côrtes como Secretário de Saúde e Cesar Romero como subsecretário executivo. Na pasta, eles implantariam um esquema de corrupção, cartel e fraude a licitações em moldes similares ao praticado no Into, sempre com a participação de Miguel Iskin e Gustavo Estellita.