Presidenta enfrenta dificuldades no primeiro ano de seu segundo mandato
Em dezembro de 2014, ao ser diplomada pela Justiça Eleitoral para o segundo mandato, a presidenta Dilma Rousseff disse que cumpria ali o desejo da maioria dos brasileiros. Em seu discurso, ela fez referência à eleição presidencial mais acirrada dos últimos anos: “É da própria natureza da disputa eleitoral resultar em vitória e em derrota. Mas como uma eleição democrática não é uma guerra, ela não produz vencidos. O povo, na sua sabedoria, escolhe quem ele quer que governe e quem ele quer que seja oposição. Simples assim”.
O que a presidenta não sabia, até então, é que não seria tão simples conduzir o Brasil neste segundo mandato. Ao longo dos doze meses que se sucederam, ela enfrentou problemas que fizeram com que 2015 compactasse acontecimentos de vários anos em um só. Os ajustes fiscais, as mudanças na equipe em busca de apoio, as surpresas da Operação Lava Jato, a queda de popularidade e as alterações da meta fiscal deixaram Dilma em rota de colisão com o Congresso Nacional, com parte do eleitorado que a elegeu, com o mercado e com o próprio vice, Michel Temer.
Cunha
Logo no início do segundo mandato presidencial, a disputa pelo comando da Câmara dos Deputados colocou em lados opostos Dilma e o deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ). Ela e o governo decidiram apoiar o candidato Arlindo Chinaglia (PT-SP), movimento que teve repercussões nos acontecimentos que se seguiram. O peemedebista sempre mencionou o fato em entrevistas e declarações, inclusive em julho, quando anunciou rompimento com o governo e se declarou de oposição.
Lava Jato
Em meio às investigações da Operação Lava Jato, que desde 2014 apura denúncias de corrupção e superfaturamento na Petrobras, a presidenta da empresa, Graça Foster, deixou o cargo em fevereiro. A executiva da estatal já havia colocado o cargo à disposição mais de uma vez, mas Dilma recusava os pedidos de demissão dizendo conhecer a seriedade e a ética de Graça.
Ao longo do ano, os desdobramentos da operação da Polícia Federal e do Ministério Público atingiria outras peças do tabuleiro político. No mês de março, o Supremo Tribunal Federal (STF) atendeu ao pedido do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, e decidiu abrir inquéritos para investigar autoridades com foro privilegiado. Os políticos que fizeram parte da chamada lista de Janot pertenciam, principalmente, aos partidos PP, PT e PMDB. Meses depois, o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, e o senador Fernando Collor (PTB-AL) foram denunciados por Janot ao STF.
Os capítulos dessa fase da Operação Lava Jato, porém, não parariam por aí. Na manhã do dia 25 de novembro, o líder do governo no Senado, Delcídio do Amaral (PT-MS), foi preso por tentar obstruir as investigações penais. Delcídio e André Esteves, ex-controlador do banco BTG Pactual, que também foi preso mas libertado algumas semanas depois, foram denunciados posteriormente no Supremo.
Início de mandato
Compondo inicialmente um ministério que não agradou a todos os partidos da base aliada, a presidenta recebeu críticas de parte da sociedade. Integrantes de movimentos sociais e alguns membros do seu próprio partido, o PT, não gostaram da escolha de Joaquim Levy para o ministério da Fazenda. Para o ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, entidades ligadas ao campo rechaçaram a nomeação da senadora ruralista Kátia Abreu (PMDB-TO).
O discurso de posse de Dilma, em janeiro, deu o tom do que deveria ser o novo governo. Com o lema Brasil, Pátria Educadora, Dilma anunciou a educação como prioridade dos quatro anos de seu segundo mandato. Em apenas um ano, porém, o ministério da Educação teve quatro ministros (um deles interino). Cid Gomes (PDT) entregou o cargo em março após deflagrar uma polêmica com o Congresso Nacional e com o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, e Renato Janine Ribeiro foi exonerado do posto no mês de setembro, quando a presidenta fez mudanças em sua equipe, nomeando Aloizio Mercadante novamente para o cargo.
Popularidade em baixa
Prática comum para um presidente da República, o pronunciamento em rede nacional de rádio e televisão, no Dia Internacional da Mulher, na noite de 8 de março, gerou protestos, panelaços e buzinaços em várias cidades do país.
Sete dias depois, mais de um milhão de pessoas promoveram manifestações contra o governo em várias capitais. Em menor escala, as pessoas também foram às ruas nos meses de abril, agosto e dezembro. O número de pessoas que aprovam o governo diminuiu, e houve aumento no percentual dos que acham o governo ruim ou péssimo, segundo pesquisas de opinião pública.
Vitórias no Congresso
Apesar das críticas à condução da política econômica, o governo conseguiu vitórias necessárias ao longo do ano. Após negociar durante todo o primeiro semestre, a base aliada viu serem aprovadas as principais medidas provisórias do ajuste fiscal, que alteraram as regras para a concessão de benefícios trabalhistas, previdenciários e a que aumentou as alíquotas da contribuição incidente sobre as importações.
Além disso, depois de adiar por algumas vezes a votação, o Congresso Nacional manteve vetos presidenciais que, se fossem derrubados, resultariam em mais despesas para a União: o reajuste dos servidores do Judiciário, a extensão da política de valorização do salário mínimo aos aposentados e o projeto alternativo ao fator previdenciário. No fim do ano, o governo ainda comemorou a aprovação do projeto que vai regularizar o retorno do dinheiro enviado ao exterior de forma não declarada à Receita Federal, mediante o pagamento de multa e imposto.
Depois de reduzir por duas vezes a meta de esforço fiscal para este ano, o governo conseguiu aprovar um déficit de R$ 119,9 bilhões, e com isso reverteu um bloqueio de gastos que havia impedido viagens presidenciais e que poderia atrasar o pagamento de despesas com água, luz e pagamento de terceirizados.
Articulação política
Durante os primeiros meses do ano, o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), demonstrou que poderia causar mais problemas ao governo do que o próprio Cunha. Em março, devolveu uma medida provisória assinada pela presidenta Dilma que reduzia a desoneração da folha de pagamentos, alegando que a proposta deveria ser discutida por meio de projeto de lei. Um mês depois, quando foi anunciado que Dilma não faria o tradicional pronunciamento por ocasião do Dia do Trabalho, Renan disse que a decisão enfraquecia o governo e que “as panelas precisam se manifestar”. Ao longo do ano, porém, o presidente do Senado se tornou um importante aliado do governo.
Para negociar com o Congresso Nacional, a presidenta convidou o vice-presidente Michel Temer, que se tornou articulador político do governo. Desde abril, além de atuar pela aprovação das matérias de interesse do Executivo, Temer mediou a distribuição de cargos federais nos estados e agilizou a liberação de emendas parlamentares.
Em agosto, porém, o vice-presidente se afastou das atividades e deu espaço para que Dilma alterasse a equipe. Nas semanas seguintes, o governo começou a preparar uma reforma administrativa que cortaria oito dos 39 ministérios, diminuiria o número de cargos comissionados e reduziria gastos de custeio.
Michel Temer
Ao mesmo tempo, a presidenta iniciou conversas com o objetivo de colocar ministros que trouxessem mais apoio a ela no Congresso Nacional. Convidado a participar, Temer, que é presidente nacional do PMDB, preferiu não indicar nomes. A composição da nova equipe, com a concessão de mais uma pasta ao partido, foi obtida após conversas com lideranças da legenda na Câmara dos Deputados.
Outra mudança da reforma, anunciada em outubro, foi o ingresso no Palácio do Planalto de nomes mais próximos do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva: Jaques Wagner, Ricardo Berzoini e Edinho Silva. Além disso, a presidenta passou a se encontrar de modo mais recorrente com o antecessor.
O desgaste com Temer, porém, se agravou em dezembro, depois que a Câmara aceitou um pedido impeachment contra Dilma. Dias depois da abertura do processo na Casa, sem antes ter feito nenhuma declaração pública sobre o assunto, o vice-presidente enviou uma carta de caráter pessoal a Dilma, se queixando de ter sido um “vice decorativo” no primeiro mandato. No comunicado, Temer enumera situações em que se sentiu menosprezado pela presidenta e que indicariam desconfiança dela em relação a ele e ao PMDB.
Impeachment
Demonstrando apoio ao mandato presidencial, movimentos sociais organizaram um ato contra o impeachment em dezembro, levando milhares de pessoas às ruas de dezenas de cidades em todas as regiões do país. Um dia depois, representantes de mais de sessenta entidades da sociedade civil se reuniram com Dilma e disseram que não há base legal para o afastamento da presidenta. Antes, manifestações semelhantes de apoio já haviam sido feitas por uma parcela dos governadores, de prefeitos de capitais e de juristas.
No final do ano, a presidenta trocou também o comanando do Ministério da Fazenda. No lugar de Joaquim Levy assumiu o então ministro do Planejamento Nelson Barbosa. Ao assumir o cargo, o novo ministro prometeu que vai cumprir a meta fiscal para o ano que vem e que os compromissos com o ajuste fiscal serão mantidos.
Uma das últimas apostas do governo no ano acabou surtindo efeito e dando alívio para a presidenta Dilma Rousseff. Ao definir o rito do procedimento de impeachment contra ela, o STF transferiu para o Senado a última palavra sobre o processo e definiu que a eleição da comissão na Câmara que vai analisar o assunto deverá ser aberta. Os desdobramentos desse e de outros acontecimentos, porém, só serão conhecidos em 2016.